A mais recente briga relativa ao Brexit gira em torno de uma península de seis quilômetros quadrados na costa sul da Península Ibérica, com 30 mil habitantes humanos e cerca de 200 macacos. Em 1704, essa ponta de terra foi ocupada pela Grã-Bretanha, mas, embora em 1713 a Paz de Utrecht a tenha conferido oficialmente ao reino britânico, a Espanha insiste até hoje em seus direitos territoriais.
Assim, nesta quinta-feira (22/11), o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, escreveu no Twitter: "Meu governo defenderá sempre os interesses da Espanha. Se não houver mudanças, vamos vetar o Brexit."
As apreensões do líder socialista são plenamente compreensíveis. Pois a fronteira com a Irlanda do Norte é um ponto de disputa decisivo nas negociações que, pelo atual acordo do Brexit, só será eliminado em 2020. Então, por que a futura fronteira externa da União Europeia entre a Espanha e Gibraltar deve ser aceita sem comentários – com consequências imprevisíveis para os cerca de 10 mil espanhóis que trabalham no território ultramarino britânico?
Mesmo assim, é grotesco que seja a disputa por um rochedo a detonar a tentativa de regulamentar de forma mais ou menos sensata o divórcio entre a União Europeia e o Reino Unido. O presidente do governo espanhol deve saber que um Brexit não ordenado terá consequências imprevisíveis, também para Gibraltar.
Não é de se descartar que, pelo menos temporariamente, a fronteira entre a Espanha e a península vá ser fechada, como já ocorreu entre 1969 e 1985. Não é mero acaso que, no referendo do Brexit, 96% dos eleitores britânicos de Gibraltar votaram contra a saída de seu país da UE.
Quando a briga do Brexit desloca seu foco para a península, fica claro como é anacrônico o status de Gibraltar. Desde 2002 Londres o classifica como "território ultramarino", assim como as ilhas Bermudas ou as Falklands, de forma a evitar a historicamente contaminada noção de "colônia real".
Na prática, contudo, Gibraltar é exatamente isso: uma colônia. Mas uma que encontra grande aprovação entre a população local: em dois referendos, quase 100% daqueles com direito a voto se pronunciaram pela manutenção do status quo.
A Espanha, por sua vez, precisa tomar cuidado em condenar duramente demais o colonialismo britânico: com Ceuta e Melila, Madri igualmente mantém dois enclaves na costa oposta do Mar Mediterrâneo, insistindo em sua anacrônica existência.
Acima de tudo, toda essa macacada em torno do rochedo dos macacos deixa clara uma coisa: o Brexit é uma maluquice, apesar de todos os esforços de domá-lo burocraticamente.
Continua indefinido como será esse processo de doma, pois o acordo que os chefes de governo deverão aprovar neste domingo simplesmente adiou muitos problemas. E mais indefinido ainda é se a câmara baixa do Parlamento britânico deixará passar um documento desses.
Desse modo, segue em cogitação o pior dos casos: um Brexit desregulado. Para um ministro do Exterior aposentado como o ideólogo do Brexit Boris Johnson, talvez tal resultado pareça bom – com a ajuda de uma abastada aposentadoria. Para muita gente, por outro lado, sobretudo nas zonas de fronteira, os efeitos podem ser devastadores.
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