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Bucha – o despotismo sinistro não pode vencer

Eugen Theise
Eugen Theise
5 de abril de 2022

O mundo está em choque diante das atrocidades da invasão russa na Ucrânia. Só haverá paz na Europa se for fragorosa a derrota dos criminosos de guerra e seus sonhos de um novo império russo, opina Eugen Theise.

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Bucha
Corpos com sinais de execução em Bucha, UcrâniaFoto: Zohra Bensemra/REUTERS

Bucha, Irpin, Gostomel, Mariupol, Trostyanets: torna-se cada vez mais longa a lista das localidades da Ucrânia que, aos olhos da comunidade internacional, simbolizam o horror da guerra de agressão russa. Homens de mãos atadas, mortos com um tiro na cabeça; mulheres fuziladas só por terem ousado sair do porão onde se abrigavam; escolas e hospitais bombardeados.

O assassinato indiscriminado de civis é característico do procedimento dos russos nesta guerra, assim como a pilhagem infame: dentro de seus tanques de guerra, os invasores levaram joias, dinheiro, frigideiras e até brinquedos para as crianças na Rússia.

Após a liberação das localidades, as redes sociais foram inundadas com relatos de testemunhas e imagens perturbadoras. Um dos palcos da barbárie russa, bem menos conhecido em nível internacional do que Mariupol ou Bucha, é Peremoha, cerca de 50 quilômetros a leste de Kiev. Após um mês de ocupação russa, o lugarejo também está em grande parte destruído e saqueado. Porém sua história é especial, pois no passado já foi um símbolo dos crimes de tropas invasoras.

Um lugarejo chamado "Vitória"

Até 1945, a cidadezinha se chamava Yadlivka. Durante a Segunda Guerra Mundial, soldados alemães a incendiaram completamente, numa bestial represália pelas investidas dos combatentes da resistência. Após a guerra, foi reconstruída e rebatizada Peremoha, que em ucraniano significa "vitória".

Seis décadas depois, como estudante, tive a oportunidade de participar de um projeto particular: ao longo de anos, em acampamentos de verão, jovens alemães e ucranianos reformaram juntos a escola de Peremoha. Esse sinal vivo de reconciliação me marcou para toda a vida, assim como a muitos outros de ambos os países.

Fazer coisas boas e processar juntos os crimes de gerações passadas é uma base particular para uma amizade verdadeira, para um olhar conjunto em direção ao futuro. É a melhor garantia de que os horrores do passado nunca mais se repetirão.

Fico feliz que hoje a Alemanha e a Ucrânia estejam unidas por uma amizade fundamentada em valores comuns, como democracia e liberdade. Apesar de toda a justificada crítica ucraniana aos questionáveis negócios alemães com a gás da Rússia, e aos anos de intolerável apaziguamento com o ditador de Moscou – ainda assim, no momento mais difícil a Alemanha está do lado da Ucrânia, seja acolhendo os refugiados ou fornecendo armas para autodefesa.

Boas-vindas ao "império russo" ou "alta traição"

Oito décadas depois dos alemães, agora a guerra de devastação russa se abate sobre a Ucrânia. Exatamente como os alemães de então, os atuais invasores carecem de qualquer compaixão com a população civil. Para os alemães de então, os ucranianos eram sub-humanos. Para os russos de hoje, são inimigos mortais que cabe eliminar, pois seu anseio de liberdade e autodeterminação é percebido como uma ameaça pessoal, no contexto da imagem pós-imperialista russa.

Nas cabeças da maioria dos russos seu império perdido nunca deixou de existir. E, no âmbito desse raciocínio chocantemente retrógrado, o distanciamento ucraniano em direção ao Ocidente constitui alta traição. Segundo as enquetes mais recentes do independente Centro Levada, 86% da população é a favor da mobilização de seu exército para a Ucrânia.

Numa sociedade stalinista, como a ressuscitada sob o autocrata Vladimir Putin, os "inimigos do povo" sempre mereceram a pena capital. Os ucranianos sabiam disso já antes desta guerra – também em Peremoha.

Apenas 30 quilômetros a leste do lugarejo, num subúrbio de Kiev, pouco antes da Segunda Guerra, milhares de ucranianos foram sistematicamente fuzilados num bosque, sem qualquer acusação, e enterrados no local, só porque o regime de Josef Stalin os declarara como inimigos. Hoje, são traidores e inimigos todos os ucranianos que não aclamarem os invasores.

Futuro da Europa livre em jogo

Na mesma medida em que são chocantes a matança e pilhagem indiscriminadas promovidas pelos invasores, é encorajadora a bem-sucedida defesa de Kiev e de outras cidades. Mesmo que prossiga a escalada de violência de Moscou, os parceiros ocidentais não devem hesitar em apoiar Ucrânia com todos os meios.

Pois a vitória dos ucranianos contra o despotismo russo seria uma chance para toda a Europa, aquela que se reinventa agora enquanto comunidade de valores, do lado dos ucranianos. O que está em jogo é o futuro pacífico do bloco: só com o fiasco dessa vergonhosa agressão, o culto russo à guerra revelará suas rachaduras.

Empregando propaganda em massa, há anos a agressiva ditadura de Moscou provoca uma verdadeira embriaguez bélica entre sua própria população. De maneira pérfida, o regime criminoso extrai sua legitimidade a partir do mito da vitória soviética contra a Alemanha nazista.

Enquanto os russos se imaginarem invencíveis, em seu delírio revisionista, não haverá paz duradoura na Europa. Pois enquanto nós, europeus, aprendemos com a Segunda Guerra Mundial que um horror daqueles não pode se repetir, jamais, na Rússia o dito "Mozhem povtorit!" (A gente pode repetir!) goza de grande popularidade. A alusão é a nada menos do que a tomada de Berlim.

Peremoha significa "vitória". Após a vitória contra o agressor Rússia, a localidade será reerguida. Se, pelo menos gerações mais tarde, os russos vão refletir sobre o destino desse lugarejo, como o fizeram os alemães, depende do que ainda restará do regime criminoso de Putin, sob os destroços desta guerra.

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Eugen Theise. é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.