Exigir. Esnobar. Exigir. Esnobar. No momento, parece ser esse o esquema que a Ucrânia adotou nas conversas com e sobre a Alemanha. Um exemplo é o desconvite ao presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier – depois de Kiev ter criticado a antiga política dele para a Rússia e ele já ter admitido erros.
Esse esquema funciona otimamente. A mídia alemã também embarca nele: não há um dia em que Berlim não seja posto de castigo, nenhum dia em que jornalistas críticos não perguntem por que não abrimos finalmente mão do petróleo e, sobretudo, do gás russo; e por que a Alemanha não fornece à Ucrânia todas as armas que ela exigiu. Um espetáculo irritante e, sem sombra de dúvida, supérfluo.
Pois, primeiramente, desde a anexação da península ucraniana da Crimeia pela Rússia, em 2014, a Alemanha é, ao lado dos Estados Unidos, o principal país doador à Ucrânia. Em segundo lugar, ela é um dos países que mais acolhe refugiados da guerra – com a exceção dos vizinhos diretos da Ucrânia.
Em terceiro, a Alemanha é um dos países que mais dinheiro fornece para a Ucrânia comprar armas. O chanceler federal Olaf Scholz acaba de anunciar uma "ajuda de encorajamento" de até 2 bilhões de euros. E não há qualquer dúvida que devemos estar do lado de Kiev na guerra contra a Rússia.
Guinada de 180 graus não basta?
Mas então é sensato o governo ucraniano ficar ofendendo Berlim sem cessar e fazendo exigências bruscas? Se a Alemanha fornece parte dos armamentos desejados, a reação é: está OK, mas tem que ser muito mais. Se a Alemanha anuncia nada menos do que uma mudança de paradigma, ao abandonar o carvão, petróleo e gás russos, a resposta é: está muito bem, mas tem que ser já.
Assim se esquece que a Alemanha já deu uma guinada de proporções inauditas: o gasoduto Nord Stream 2 foi paralisado. As Forças Armadas alemãs receberam verbas de 100 bilhões de euros – uma intenção que o chefe de governo Scholz anunciou pouco após a invasão russa. A Alemanha paga por entregas de armas numa região de guerra. Começa a romper as estreitas – e, no setor de matérias-primas, extremamente importantes – relações com a Rússia.
O ministro da Economia, o verde Robert Habeck, viaja para o Oriente Médio para comprar petróleo e gás, e pensa alto sobre a prorrogação do funcionamento das usinas nucleares e a carvão. São guinadas extremas, em tempo extremamente breve. Quais outros países da Europa alteraram sua política tão intensamente e, sobretudo, a custo tão elevado quanto a Alemanha?
Ainda mais desconcertante do que as hostilidades de Kiev é o comportamento de outros países da União Europeia. Quando eles próprios não agem, escondem-se atrás da Alemanha ou apontam o dedo para ela. Dá para pensar que seja só uma questão de imagem.
Só um tem a lucrar com a discórdia
O presidente da França, Emmanuel Macron, tentou em numerosos telefonemas influenciar o chefe do Kremlin, Vladimir Putin, sem sucesso. Em absoluto silêncio, paralelamente ele trouxe para seu país o final da Liga dos Campeões de futebol, que originalmente deveria transcorrer na Rússia. Quando se trata de receber refugiados, a França não age com tanta determinação.
A Itália anuncia em alto e bom tom que poderia abrir imediatamente mão do gás russo. Quer dizer: se não há um embargo total europeu ao gás, é por causa de outros (referindo-se principalmente à Alemanha).
A Polônia dispara na frente, publicamente e sem consenso prévio, e quer fornecer aviões para a Ucrânia – mas só por meio dos Estados Unidos, usando uma base aérea na Alemanha. Portanto, se os aviões não forem entregues, é por causa de Washington ou de Berlim.
E a Hungria permanece totalmente impune – pelo menos na esfera pública alemã – por seu curso pró-Moscou: Budapeste se prontifica a adquirir o gás russo a bom preço e, se desejado, paga também em rublos.
Dá quase a impressão de que, para um ou outro país-membro da UE, bem conviria se a Alemanha ficasse mal e perdesse algo de sua força econômica e sua prosperidade. Schadenfreude – alegria pela desgraça alheia? Talvez. O fato é que, para o esquema de atribuir culpas, exigir e cumprir, são sempre precisos dois: o que exige, faz barulho e aponta o dedo acusador para o outro, e – justamente – o outro, que permite.
Um espetáculo supérfluo. Afinal de contas, todos têm a mesma meta: dar fim à guerra da Rússia na Ucrânia. Então, por que semear discórdia? Só um sai lucrando: Vladimir Putin.
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Marco Müller é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.