A falência moral da Igreja do papa
O escândalo de abusos sexuais em Boston foi imortalizado no filme Spotlight - segredos revelados, em 2015. O advogado das vítimas, Mitchell Garabedian, também estava entre os personagens. Quando eu o encontrei por ocasião de um painel de discussão na faculdade de direito da Universidade de Harvard, em Cambridge, ele não se lembrava de uma entrevista que fizera com ele 14 anos antes.
Desde então, o papa polonês foi sucedido por um alemão e um argentino. O pontificado de todos os sumos sacerdotes foi ofuscado por escândalos de abuso. Após as revelações em Boston, apareceram outros em Austrália, Irlanda, Alemanha, Filipinas e Tanzânia. Em todo o mundo cristão. O horror, a descrença, a decepção, a dor, a raiva – essas emoções são compartilhadas pelos fiéis em todo o mundo.
É um escândalo que une os fiéis, aproximando-os entre si, e os leva a se revoltar contra o clero. Ao mesmo tempo, ele leva as pessoas a deixarem, às centenas de milhares, a Igreja Católica. A prática diabólica com a qual os servos do Senhor nutriam seus jogos sexuais está além de qualquer coisa em que uma boa alma católica possa pensar. É compreensível, portanto, que alguns fiéis vejam aqui as mãos do próprio Satanás.
Mas a verdade parece ser, muito mais provavelmente, que esse sistema, que considera a sexualidade vivida como algo negativo, com exceção de alguns poucos casos, e essa estrutura, em que panelinhas e grupos de homens fazem parte da natureza da coisa, tenham levado aos piores excessos. A Igreja papal celibatária está moralmente falida, ela acabou consigo própria. Estamos vivendo o maior momento de definições do destino da Igreja desde a Reforma. No momento, não dá para pensar em nada que ainda possa impedir sua total derrocada.
E, agora, o próprio papa Francisco se vê no centro das acusações. O ex-embaixador da Santa Sé nos Estados Unidos Carlo Maria Viganò o acusou publicamente de ter tido conhecimento, já em 2013, das acusações contra o ex-arcebispo de Washington Theodore McCarrick. Esta mensagem cai como uma bomba no dia em que Francisco termina sua viagem à Irlanda, onde se encontrou com vítimas de abuso e pediu perdão pelo sofrimento que sua Igreja causou às pessoas. A Irlanda católica abriu, por causa do escândalo, um novo capítulo em sua relação com a autoridade central romana.
O recente escândalo de abusos sexuais da Pensilvânia não é o último, assim como o de Boston em 2002 não foi o primeiro. Foi apenas o primeiro a vir à luz. Antes disso, se passaram muitas décadas, séculos, em que a opinião pública crítica não conseguira lançar sua luz sobre a escuridão, a escuridão das sacristias e vicariatos. Nestes tempos, a Igreja era tão poderosa que ninguém podia se antepor à destruição das almas – cuja salvação ela alega ter como missão. Agora é o tempo da distinção sobre a qual o Senhor fala no Evangelho de Mateus: o joio deve ser arrancado sem afetar o trigo. Se isso ainda pode vingar numa Igreja na qual, diz-se, a cumplicidade vai subindo até o papa, é algo mais do que questionável. De qualquer forma, o Senhor da Igreja está do lado dos fracos e não do lado do clero.
Alexander Görlach é linguista e teólogo, pesquisador da Universidade de Cambridge e articulista dos jornais New York Times e Neue Zürcher Zeitung.
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