Na Irlanda, papa expressa "vergonha”por abusos
25 de agosto de 2018O papa Francisco reconheceu neste sábado (25/08) em Dublin o fracasso da Igreja Católica irlandesa para enfrentar adequadamente o que chamou de "crimes repugnantes” de membros do clero local.
"Não posso deixar de reconhecer o grave escândalo causado na Irlanda pelos abusos a menores por parte de membros da Igreja encarregados de protegê-los e educá-los", disse.
Francisco fez tal afirmação durante um discurso às autoridades irlandesas no início de sua visita de dois dias ao país, onde vai participar do Encontro Mundial das Famílias. Esta é a primeira viagem oficial de um papa à Irlanda em 39 anos.
Em seu discurso, no salão de São Patrício no Castelo de Dublin, Francisco também reconheceu que "o fracasso das autoridades eclesiásticas – bispos, superiores religiosos e sacerdotes – na hora de enfrentar adequadamente esses crimes repugnantes, suscitou justamente indignação e permanece como motivo de sofrimento e vergonha para a comunidade católica". "Eu mesmo compartilho esses sentimentos", completou ele.
Desde 2002, cerca de 14.500 pessoas se declararam vítimas de abusos sexuais cometidos por padres na Irlanda. A visita do papa à Irlanda também ocorre logo após a divulgação nos Estados Unidos de um relatório que aponta ao longo de 70 anos mil menores sofreram abuso sexual por parte de 300 sacerdotes. Recentemente, autoridades eclesiásticas do Chile e da Austrália também foram acusadas de acobertar abusos.
Após o discurso, o papa se reuniu durante uma hora e meia com oito vítimas de abusos. O encontro, que já tinha sido anunciado pelo Vaticano às vésperas da viagem, aconteceu na nunciatura da capital irlandesa durante um momento de pausa na agenda do pontífice.
A reunião foi "com oito vítimas de abusos por parte do clero, de religiosos e institucionais", informou o porta-voz do Vaticano, Greg Burke.
Em comunicado da Coalizão das Famílias, Mães e Filhos da Irlanda, duas pessoas deste grupo que participaram do encontro explicaram que o Francisco condenou a corrupção e os acobertamentos e os qualificou de "sujeira".
Entre eles estiveram Marie Collins, que fez parte da Pontifica Comissão para a proteção de menores criada pelo papa. Outras vítimas presentes foram os reverendos Patrick McCafferty e Joe McDonald, Damian O'Farrel, Paul Jude Redmond, Clodagh Malone e Bernadette Fathy, enquanto outra vítima, abusada pelo sacerdote Tony Walsh, preferiu ficar no anonimato.
Declínio na Irlanda
Durante o encontro do papa com as autoridades irlandesas, o primeiro-ministro do país, Leo Varadkar, pediu ao papa que use sua "posição e influência" para tentar fazer "justiça" às vítimas dos abusos cometidos por membros do clero no mundo inteiro.
"As feridas ainda estão abertas e há muito a ser feito para que as vítimas e sobreviventes obtenham justiça, verdade e cura. Santo Padre, peço que use sua posição e influência para conseguir este feito aqui na Irlanda e em todo o mundo", declarou Leo Varadkar por ocasião da visita do pontífice à Irlanda. "Devemos garantir que as palavras sejam seguidas de ações", insistiu em seu discurso."É uma história triste e vergonhosa, uma mancha em nosso Estado, nossa sociedade e na Igreja Católica", estimou Varadkar.
Nas últimas décadas, a Igreja Católica irlandesa vem perdendo influência devido aos escândalos de pedofilia e à evolução dos costumes neste país de quase cinco milhões de habitantes.
No censo de 1981, dois anos após a histórica visita de João Paulo 2° à Irlanda, 93% da população do país dizia ser católica. No último censo, em 2016, o número de católicos tinha caído para 78%.
Francisco abordou esse declínio ao final do seu discurso desejando que a Irlanda "não se esqueça das vibrantes melodias da mensagem cristã que a sustentaram no passado e podem seguir fazendo o mesmo no futuro".
Neste sábado, Francisco ainda vai liderar o Encontro das Famílias no estádio Croke Park de Dublin, onde mais de 80.000 pessoas são esperadas. No domingo (26/08), será a vez de celebrar a missa de encerramento do evento no Parque Phoenix, também na capital irlandesa, onde são esperados meio milhão de fiéis.
Protestos
Após a chegada do papa em Dublin, vários grupos de vítimas dos abusos organizaram protestos neste sábado na capital. Um desses atos ocorreu em frente ao Castelo de Dublin, onde o papa fez o discurso sobre a responsabilidade da Igreja.
O protesto foi organizado pela irlandesa Margaret McGuckin, sobrevivente dos abusos cometidos por religiosas no internato Casa de Nazaré e impulsora de um dos órgãos estatais de investigação de casos históricos de abusos.
"O papa tem agora que dar a cara e fazer algo pelas vítimas. Precisamos que sejam concedidas compensações, necessitamos que a Igreja se responsabilize", declarou McGuckin à imprensa.
Esse processo deve contemplar também ações para "levar aos tribunais" os "bispos, sacerdotes, freiras e qualquer outra pessoa" envolvida com "o abuso de menores ou na ocultação dos abusos", ressaltou a ativista.
Em sua opinião, as autoridades devem atuar com "tolerância zero" e impedir que a Igreja "investigue a si mesma".
JPS/efe/rt
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