Obras de arte sobrevivem
28 de setembro de 2008Lorin Maazel assumiu o cargo de diretor musical da Filarmônica de Nova York, a mais antiga orquestra dos Estados Unidos, em 2002 e entregará o cargo a Alan Gilbert no final da temporada 2008-2009. Recentemente, a orquestra concluiu uma turnê de três semanas pela Europa com a Oitava sinfonia de Anton Bruckner durante o Festival Beethovenfest, que se encerra neste domingo (28/09) em Bonn. DW-WORLD.DE aproveitou para conversar com ele sobre a experiência e seus planos para futuro.
DW-WORLD.DE: Sr. Maazel, esta será sua última temporada na direção musical da Orquestra Filarmônica de Nova York. Quais os pontos altos de sua experiência?
Lorin Maazel: Acho que várias de nossas estréias mundiais foram muito bem-sucedidas. E nossos ciclos – Beethoven, Brahms, Tchaikovsky e Mahler – deixaram uma certa impressão. Também nossas turnês. Esta é nossa segunda turnê na Europa, mas também estivemos no Japão e, claro, nos Estados Unidos.
Creio que esta orquestra é uma grande candidata ao número um, embora eu não acredite em comparações. Cada grande artista e cada grande orquestra têm seu próprio talento. Mesmo assim, esta orquestra é impressionante e estou muito feliz por ela ter sido reconhecida pelo que é.
O que espera que a orquestra leve do senhor quando sair e o que o senhor levará dela?
Aprendi muita coisa com esta orquestra, especialmente no aspecto humano. São músicos maravilhosos, devotados e com um padrão muito alto que eles próprios se impõem. Eles executam seu trabalho com muita convicção e são muito orgulhosos por fazer parte da Filarmônica de Nova York.
Em seus 168 anos de história, ela teve apenas 2 mil membros, de modo que houve muito pouca flutuação. Nosso primeiro clarinetista se aposentará no final da temporada após 60 anos ocupando esta posição, o que a meu ver é algo como um recorde. Assim é essa orquestra, o que para mim foi muito instrutivo.
De mim, acho que obtiveram uma certa disciplina musical, e puderam resgatar a fé neles mesmos, parte da qual haviam perdido por um ou outro motivo. Esta foi a primeira tarefa que achei que tinha que assumir: resgatar sua confiança neles mesmos. Um músico confiante toca muito melhor.
Depois contratei cerca de 25 jovens músicos, todos virtuosos. Isso restituiu à orquestra um fundamento virtuosístico que está muito em evidência. E reduziu a média etária em cerca de 20 anos. De forma que temos hoje uma orquestra cheia de jovens e cheia de esperança e entusiasmo – o que os alemães chamam de schwung e os franceses, de élan.
Atualmente, o senhor conduz uma antiga orquestra no Novo Mundo. Mas também já conduziu novas orquestras no Velho Mundo...
Fui diretor musical da Sinfônica Toscanini e continuarei a trabalhar com eles como convidado. Também fui diretor musical da ópera de Valência; faço as audições para esta orquestra e terei conduzido três temporadas completas após o fim da de 2008-2009. Depois os deixarei também e serei inteiramente independente e regerei como convidado quando quiser.
Tenho alguns projetos grandes pela frente – especialmente 1984, a minha ópera. Atualmente temos mais pedidos para executá-la em diversas cidades do mundo do que somos capazes de atender. Terei que organizar isto também. E finalmente terei um pouco de tempo para continuar compondo. Desde que terminei a ópera, que estreou em 2005, não pude compor nem uma nota, o que realmente lamento. Mas tenho vários projetos.
Também terei meu próprio festival na minha propriedade em Virgínia – o chamado Festival de Castleton, que estreará em 4 de julho, Dia da Independência dos Estados Unidos. É um festival de ópera de câmara e um festival de formação, no qual jovens músicos, cantores, diretores e regentes também terão a chance de ser aconselhados por algumas das mas brilhantes mentes da música. Dedicarei muita energia a isso também.
O senhor acabou de conduzir a Oitava sinfonia de Anton Bruckner. Qual é o significado da obra de Bruckner hoje?
Tem o significado de uma obra de mestre, e um mestre nunca morre. Pude constatar isto repetidas vezes. Estivemos recentemente na China. Não acredito que os chineses escutem música ocidental todos os dias da semana, ao menos não como nós o fazemos. Eles reagiram como se o céu se abrisse e revelasse um livro de maravilhas. Foi um concerto atrás do outro e todos lotados de pessoas jovens. Ninguém lhes explicou nada, e nem foi preciso. Uma obra-prima dispensa explicação.
Bruckner continuará tendo seu lugar e conquistando as pessoas – se for interpretado por gente que acredita nisso. Isso é muito importante.
Obras-primas dependem de quem as interpreta e é por isso que rejeito tão violentamente essas montagens horrorosas de grandes óperas para satisfazer as idéias fixas, os problemas e os bloqueios psicológicos de tantos diretores que usam o palco simplesmente para refletir seus próprios problemas. Não é para isso que o teatro existe, e sim para salientar os pontos principais de uma obra-prima, talvez de uma perspectiva diferente.
Quando as pessoas criticam, como eu o faço, são acusadas de conservadoras. Mas se observar a montagem da minha ópera 1984, ela não é nada conservadora – é selvagem, moderna, contemporânea. Mas é sensata, saudável. Deveríamos a todo custo tentar manter os insanos e desestabilizados fora disso, assim estaríamos simplesmente fazendo um grande favor aos Mozarts e Beethovens, aos Verdis e Puccinis. Eles sobreviverão. Obras-primas sobrevivem a tudo.
Não sou um reformador. É como um pêndulo: em cinco anos, todas essas pessoas terão sido esquecidas, mas não os Verdis e os Puccinis. Este é um dos motivos pelos quais estou tão entusiasmado com meu festival, pois teremos montagens muito modernas e contemporâneas de óperas de Benjamin Britten, a que nos dedicaremos com exclusividade por algum tempo. Britten foi provavelmente o maior compositor de ópera de câmera do século 20. Muito moderno – mas são, saudável.
Espero que através de mensagens positivas e oferecendo montagens alternativas saudáveis e contemporâneas que atraiam o público jovem, poderemos convencer as pessoas de que não é necessário transformar obras-primas do passado em espetáculos doentios para salvá-los.