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O silêncio de Bolsonaro não é inocente

Rosto da cientista política e jornalista Alessandra Costa
Alessandra Costa
21 de dezembro de 2022

A reclusão do presidente contrasta com seu ativismo digital, mina sua credibilidade como futuro líder da oposição e deve entravar persistência do bolsonarismo.

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Imagem mostra o presidente do Brasil Jair Bolsonaro (2019-2022) com expressão séria e lábios cerrados ao chegar para coletiva de imprensa dois dias após derrota no segundo turno das eleições, em 1o de novembro de 2022.
Dois dias após derrota eleitoral, Jair Bolsonaro chega para coletiva de imprensa em que fez pronunciamento, mas não reconheceu revés nas urnasFoto: Andressa Anholete/Getty Images

Em pleno processo de transição de governo, o silêncio do presidente Jair Bolsonaro (PL) diz mais que sua usual atitude estridente nas redes sociais. Esquivar-se de assumir a derrota por meio de uma estratégia de reclusão, contrastante com seu intenso ativismo digital dos últimos tempos, não soa como um cálculo político racional.

Bolsonaro perde mais do que ganha com esse comportamento.

Em suas raras aparições públicas desde a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas, o atual chefe do Executivo cuidou de ser evasivo o suficiente para não desmobilizar os recentes atos que contestam o resultado das eleições e atacam a democracia – como o bloqueio das estradas e os movimentos violentos em Brasília, ocorridos durante a diplomação de Lula e seu vice, Geraldo Alckmin (PSB).

Esse parece ser seu objetivo central até o momento. Nas poucas palavras que proferiu, nenhuma menção direta ao reconhecimento de sua derrota nas eleições, ao processo de transição de governo e às expectativas sobre seu desempenho para montar uma oposição articulada.

Enquanto Bolsonaro permanece calado, o processo de transição segue seu rito. E sem poupar críticas e apontar falhas da administração atual. Lula foi enfático quanto a isso: "nós teremos uma radiografia perfeita do estrago que foi feito nesse país", afirmou, durante cerimônia de encerramento dos trabalhos dos grupos técnicos do gabinete de transição, no último dia 13.

Em meio a discussões sobre o "revogaço" [a anulação de medidas do governo Bolsonaro já no início de 2023] e a PEC da Transição, Bolsonaro não se mostra disposto a romper o silêncio nem mesmo para defender as escolhas de sua administração, reivindicar créditos de seu governo ou dirigir críticas às mudanças significativas que o novo governo já sinaliza.

Se o atual presidente não esboça qualquer reação, é difícil presumir que tenha uma atitude proativa e seja capaz de conduzir a articulação de contraponto ao futuro governo Lula no Congresso. Apoiadores de Bolsonaro, inclusive dentro do PL, seu partido atual, se mostram reticentes quanto à sua capacidade de liderar uma oposição articulada.

As questões que emergem dessa estratégia do silêncio geram impactos no ambiente político a partir de 2023, tanto no que se refere à configuração do bloco oposicionista ao novo governo quanto ao futuro do bolsonarismo.

Diante disso, como será o amanhã de Bolsonaro após a virada do ano de 2022? A chama do bolsonarismo permanecerá acesa, ecoando um movimento persistente, ou a fragilidade política de seu líder tende a desmobilizar esses atos?

Perfil político frágil de Bolsonaro

Até o momento, as atitudes do presidente em exercício demonstram incapacidade de ir além do papel de líder personalista, estando ou não à frente do governo. Esse comportamento tende a reiterar um perfil político frágil, que vem se desenhando ao longo de sua trajetória política.

Nos 27 anos de mandato como deputado federal, Bolsonaro nunca exerceu cargo de liderança e figurou como um parlamentar do baixo clero por todo o período. Ao chegar à Presidência da República, apresentou mais do mesmo: revelou-se um presidente fraco, a despeito de estar inserido em um sistema que confere amplos poderes institucionais ao chefe do Executivo.

Por não conseguir ocupar a posição de ator pivotal que o cargo de chefe do Executivo lhe confere, Bolsonaro deixou escapar oportunidades de atuar como uma real liderança política e decretou sua derrota na sucessão presidencial. Estreou a posição de primeiro presidente da Nova República brasileira que não alcançou a reeleição. Revelou-se limitado ao papel de governante incidental, nos termos do conceito desenvolvido pelo cientista político Sérgio Abranches.

Policial dispara espingarda durante protesto de manifestantes em Brasília (DF), em 12/12/2022. A imagem mostra um céu noturno ao fundo e mais quatro agentes no fundo, em estacionamento quase vazio.
Policial dispara espingarda durante protesto de manifestantes em Brasília (DF), no dia da diplomação de Lula como próximo presidente do paísFoto: Ueslei Marcelino/REUTERS

Assim como outros exemplos de líderes incidentais pelo mundo afora (Trump é paradigmático nesse sentido), Bolsonaro tentou simular uma instabilidade eleitoral, questionando a segurança das urnas eletrônicas já no pleito de 2018, quando precisou concorrer em 2º turno e saiu vitorioso.

Ou seja, chegou ao poder por circunstâncias excepcionais, dado o clima político gerado pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff, e ciente de que permanecer na cadeira de presidente por meio de uma reeleição não seria possível sem que fosse forjado um novo ambiente de fatores que induzissem a uma excepcionalidade.

Os planos de Bolsonaro foram frustrados. A despeito de seu caráter beligerante frente às instituições democráticas brasileiras, o sistema eleitoral do país se mostra crível e solidificado perante os próprios eleitores e elites políticas.

Evidentemente, um governo incidental não sai de cena sem deixar marcas.As manifestações de apoiadores extremistas do presidente em exercício, que transformaram Brasília em palco de violência e desordem nessa semana, destacam uma faceta ignóbil desse legado.

A estratégia silenciosa de Bolsonaro diante desses eventos ecoa alto. Fica evidenciada a tática de inflamar o extremismo e impor dificuldades tanto ao processo de transição quanto à posse de um governo eleito pela via democrática.

Mas não parece vislumbrar o outro lado da moeda. O comportamento do presidente derrotado representa uma escolha que tem impactos nada triviais em seu futuro político.

Bolsonaro parece desconhecer o uso estratégico que poderia fazer do capital político que conquistou nas urnas, não apenas quanto à sua expressiva votação, como também no que se refere aos ex-ministros e apoiadores de seu governo eleitos no último pleito.

Pouca credibilidade como liderança de oposição

Após sua derrota nas urnas, restaram-lhe dois caminhos, que em nada se assemelham a uma escolha trágica: estabelecer uma perspectiva mais consistente para liderar as oposições ao novo governo, reconhecendo que democracias requerem um ganhador e um perdedor; ou traçar um caminho de volta às suas origens, retomando o estilo de liderança radicalizado e direcionado às suas bases mais extremistas, com discursos estridentes pela via das redes sociais e insuficientes para uma articulação com o Congresso.

Ao que tudo indica, pelo menos até o momento, o futuro político de Bolsonaro tende a se manter limitado à segunda opção. A escolha por esse perfil de liderança revela uma ambiguidade: ao mesmo tempo em que impõe arranhões à democracia, expõe ainda mais sua vulnerabilidade como um ator político apto a articulações viáveis.

É cada vez menos crível sua capacidade de se assumir como uma liderança de oposição. E, se tudo permanecer assim, o bolsonarismo enfrentará dificuldades para se manter como um movimento persistente, sucumbindo à própria fragilidade que seu líder tem demonstrado ao longo de sua trajetória política.

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Planaltices é uma coluna semanal sobre política brasileira. Os textos são escritos por colaboradores do grupo de pesquisa PEX (Executives, presidents and cabinet politics), vinculado ao Centro de Estudos Legislativos (CEL) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenada pela cientista política e professora da UFMG Magna Inácio, a coluna é publicada simultaneamente pela DW Brasil e repercutida no blog do PEX

Alessandra Costa é mestre e doutora em Ciência Política pela UFMG, jornalista e pesquisadora do PEX (CEL-UFMG).

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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Esta coluna é uma parceria da DW Brasil com o PEX, núcleo de estudos sobre presidencialismo institucional da UFMG e capitaneado por Magna Inácio.