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A quem aproveitou o teto de despesas primárias?

Elida Graziane Pinto
Élida Graziane Pinto
24 de dezembro de 2022

A Emenda 126, promulgada neste final de 2022, tem como maior mérito abrir caminho para a revogação do teto de despesas primárias, escreve Élida Graziane Pinto.

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Brasília
Foto: picture-alliance/robertharding/I. Trower

A Emenda 126, recentemente promulgada neste final de 2022, tem como seu maior mérito abrir caminho para a revogação doteto de despesas primárias, o que ocorrerá com a edição de lei complementar sobre um futuro "Regime Fiscal Sustentável”. O fim iminente do teto, criado pela Emenda 95, de 2016, permite um balanço relativamente compreensivo dos seis anos da sua tumultuada vigência.

De plano, é preciso lembrar que distribuir – de forma politicamente legítima e tecnicamente planejada – os ônus e bônus da ação estatal ao longo do tempo é a razão de existir das regras fiscais.

No Brasil, tal esforço revela-se particularmente complexo. O país não consegue ordenar legitimamente prioridades por meio do planejamento, tampouco é capaz de equacionar seu conflito distributivo estrutural em relação à regressiva matriz tributária e ao opaco e ilimitado fluxo de despesas financeiras.

Por faltar concepção de futuro que mobilize as forças produtivas da economia, não há desenvolvimento socioeconômico que permita superar os impasses de curto prazo. A desigualdade agrava o caos orçamentário e também é por ele acirrada, sobretudo porque a riqueza subtributada encontra remuneração muito segura, opaca e alta na dívida pública, enquanto são prometidos ajustes seletiva e exclusivamente direcionados à contenção das despesas primárias.

Imersos em uma tensão dialética, planejar e controlar deveriam ser desafios complementares da dinâmica orçamentária. Em um cenário ideal e distante da práxis brasileira, a avaliação dos erros e irregularidades do ciclo passado deveria permitir a aprendizagem e o aprimoramento para a próxima etapa.

Enquanto o Executivo primordialmente deveria planejar e implementar o planejado, o Legislativo deveria se destacar pela capacidade de impor limites e cobrar resultados ao longo dos processos de elaboração e execução das leis orçamentárias, fiscalizando integradamente as contas e as políticas públicas.

Entre o ideal e o real, porém, vai uma longa e quase intransponível distância. A interdição fiscal a que seja planejado o futuro comum da nossa vida em sociedade invisibiliza e naturaliza a extrema concentração de renda no topo. Para que não haja uma reflexão sobre as opções de arrecadação e sobre as despesas financeiras, o foco das regras fiscais brasileiras foi reduzido apenas à tentativa de conter o tamanho do Estado, reduzindo-o proporcionalmente ao longo do tempo.

O produto almejado era o estreitamento não só financeiro-orçamentário, mas sobretudo temporal das políticas públicas. A regra rígida e inepta de limitação fiscal imposta à ação governamental foi duplamente estratégica, porque deslocou o conflito distributivo da sociedade apenas para o elenco de despesas primárias e também porque permitiu ao Congresso absorver o poder político primordial de liberar exceções, a conta-gotas, mediante alterações curtas e contingentes à Constituição.

De um lado, a restrição linear para o volume global de despesas primárias operou como um forte inibidor do tamanho do Estado para que não houvesse pressão por arrecadação tributária proporcional à capacidade contributiva dos mais abastados e também para que o mercado pudesse se manter como a via preferencial de oferta de bens e serviços, independentemente do quão essenciais fossem eles. De outro lado, o teto atuou como um forte indutor do trato balcanizado dos recursos públicos no ciclo orçamentário, já que empoderou a dimensão curto-prazista dos parlamentares em detrimento do planejamento de médio e longo prazos.

Os que se beneficiaram do teto não abdicarão facilmente dos ganhos com ele alcançados no regime que vier a substituí-lo, precisamente porque almejam manter esse instrumento poderoso de arbitragem da desigualdade no seio do orçamento público.

 

Planaltices é uma coluna semanal sobre política brasileira. Os textos são escritos por colaboradores do grupo de pesquisa PEX (Executives, presidents and cabinet politics), vinculado ao Centro de Estudos Legislativos (CEL) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Coordenada pela cientista política e professora da UFMG Magna Inácio, a coluna é publicada simultaneamente pela DW Brasil e repercutida no blog do PEX

Élida Graziane Pinto é livre-docente em Direito Financeiro pela USP, Professora da FGV-SP e Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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Esta coluna é uma parceria da DW Brasil com o PEX, núcleo de estudos sobre presidencialismo institucional da UFMG e capitaneado por Magna Inácio.