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O que está por trás dos "ensaios nucleares" norte-coreanos

Julian Ryall
5 de setembro de 2023

Em exercícios militares recentes, Pyongyang ameaçou invadir a Coreia do Sul com armas nucleares. Alianças com Rússia e China, apontam especialistas, deram confiança adicional ao ditador Kim Jong-un.

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Um foguete é lançado a partir de um navio militar.
Lançamento de mísseis de cruzeiro de navio militar norte-coreanoFoto: YNA/picture alliance

Com a série de ações militares sem precedentes dos últimos dias, a Coreia do Norte acentuou as já elevadas tensões na região.

Conforme a mídia estatal, no final de agosto o líder do país, o ditador Kim Jong-un, supervisionou a simulação de um ataque nuclear ao estilo "terra arrasada" contra a vizinha Coreia do Sul, seguido de uma invasão da zona desmilitarizada que divide a península e da ocupação do território rival. Os exercícios militares incluíram o disparo de dois mísseis balísticos táticos próximo de Pyongyang, usando lançadores móveis.

A movimentação foi justificada sob a alegação de que a Coreia do Sul e os Estados Unidos estão tramando um ataque nuclear preventivo contra o país: "O Exército Popular da Coreia simulou um ataque nuclear tático, de terra arrasada, a centros de comando importantes e aeródromos operacionais dos gângsteres militares."

"Mensagem clara" aos "gângsteres militares"

O país diz estar enviando uma "mensagem clara" a Seul e Washington, que no final de agosto realizaram um exercício militar conjunto de 11 dias – o Ulchi Freedom Shield, que incluiu voos sobre a península de bombardeiros estratégicos B-1B americanos, capazes de transportar armas nucleares, escoltados por caças.

Pyongyang insiste que os voos são a prova de que os EUA estão "caminhando rumo a um ataque nuclear preventivo e previamente planejado contra nós".

No sábado passado, depois da primeira simulação de ataque nuclear, a mídia estatal norte-coreana informou que o país voltou a fazer um exercício semelhante, lançando dois mísseis de cruzeiro carregados com ogivas nucleares falsas.

Caças sobrevoam a península coreana durante exercício militar conjunto entre Coreia do Sul e Estados Unidos.
Caças sobrevoam a península coreana em exercício militar conjunto entre Coreia do Sul e EUAFoto: Defense Ministry/ZUMAPRESS/picture

Para analistas, está claro que a Coreia do Norte fez grandes avanços em seu desenvolvimento de armas nucleares e sistemas de mísseis de longo alcance, mas o país – apesar de dispor de um exército permanente com 1,3 milhões de combatentes – tem poucas chances de invadir e ocupar com sucesso o território vizinho.

"No passado, os norte-coreanos investiram pesadamente em artilharia e no estoque de munições, mas é tudo praticamente dos anos 1940 e 1950", afirma Lance Gatling, analista aeroespacial e de segurança e fundador da Gatling Associates, empresa de consultoria no ramo baseada em Tóquio.

"Portanto, embora eles tenham uma quantidade tremenda de artilharia de foguetes e munições, elas não têm muita precisão a longas distâncias. Além disso, as capacidades onipresentes de inteligência, vigilância e reconhecimento de países avançados têm um tremendo impacto em qualquer capacidade ofensiva que eles [Coreia do Norte] possam ter", diz Gatling à DW.

Satélites orbitando a 500 quilômetros da Terra e capazes de prover inteligência 24 horas por dia e em todas as condições meteorológicas significam que qualquer ataque norte-coreano iminente será detectado com bastante antecedência.

Forças terrestres norte-coreanas superadas

Outro problema para a Coreia do Norte é, dada a geografia da península, só ter três potenciais rotas terrestres para atacar a Coreia do Sul. Qualquer investida seria direcionada para áreas estreitas, resultando rapidamente no que especialistas chamam de "caldeirão da morte" para os tanques antiquados e as unidades de infantaria mal equipadas de Pyongyang ante as tropas sul-coreanas e dos EUA.

A Força Aérea de Pyongyang se depararia com uma situação semelhante, assegura Garren Mulloy, professor de Relações Internacionais da Universidade Daito Bunka (Japão) e especialista em assuntos militares.

"Pilotos de caça em países da Otan voam no mínimo 200 horas por ano em aeronaves de última geração", explica Mulloy. "Estima-se que os pilotos norte-coreanos só consigam fazer 20 horas por ano devido à escassez de combustível e à incapacidade de obter peças de reposição para suas aeronaves."

Além disso, pairam dúvidas sobre as capacidades do país em outras áreas – aí incluídas as armas químicas, biológicas e bacteriológicas, frequentemente chamadas de "armas nucleares dos pobres-coitados".

"Sabemos que eles as têm e, embora nenhum outro país do mundo as usaria, não podemos descartar completamente a possibilidade de Pyongyang empregar essas armas, dependendo de quão ameaçados eles se sentirem", diz o professor.

Kim Jong-un com multidão de marinheiros ao fundo, em evento militar
Kim Jong-un em evento militar: país simulou ataques nucleares ao estilo "terra arrasada" contra a Coreia do SulFoto: KCNA/AP Photo/picture alliance

A Coreia do Norte não titubeia em propagandear sua capacidade nuclear: em janeiro, um relatório do Instituto de Análise de Defesa da Coreia, sediado em Seul estimava que os cientistas de Pyongyang produziram mais de 2,2 toneladas de urânio altamente enriquecido e até 78 quilos de plutônio.

A quantidade de material fissionável seria suficiente para até 90 ogivas nucleares e, se o ritmo for mantido, o instituto prevê que a Coreia do Norte poderia ter 166 armas nucleares até 2030 – é com essa perspectiva que Pyongyang ameaça, e com cada vez mais autoconfiança, à medida em que acontecimentos geopolíticos em outras partes do mundo impulsionam alianças de conveniência com a Rússia e a China.

Ameaças

"A Coreia do Sul não é responsável pela escalada dessas ameaças de violência vindas do Norte, embora também haja quem diga que a aliança mais próxima entre a Coreia do Sul, os EUA e o Japão encorajou Pyongyang a estreitar laços com Beijing e Moscou", afirma Lim Eunjung, professora associada de estudos internacionais na Universidade Nacional de Kongju, na Coreia do Sul.

A aliança atualizada entre Moscou e Pyongyang é, possivelmente, a mudança mais significativa dos últimos anos, com benefícios para ambos os lados. O governo dos EUA acusa a Coreia do Norte de ter a intenção de fornecer projéteis de artilharia à Rússia, que enfrenta escassez de munições convencionais devido à guerra em curso na Ucrânia, e é provável que o Kremlin pague com petróleo e produtos alimentícios, dos quais dispõe em abundância, e que a Coreia do Norte quer desesperadamente.

"A princípio, a Coreia do Norte obtinha seus projéteis da União Soviética e da China, e depois continuou fabricando esse tipo de munição, o que significa que eles têm estoques enormes e podem continuar produzindo mais", diz Gatling. "Eles venderão seu inventário e, embora possa ser antigo, ainda será eficaz – e, para o Norte, valioso, porque esses projéteis permitirão a eles ter comida e petróleo. Para mim, está claro que isso fortalecerá ambos os lados."