O que discurso duro de Erdogan indica sobre seu novo governo
30 de maio de 2023Não foi tão fácil como antes, mas ele conseguiu de novo: o atual presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, foi reeleito. No segundo turno realizado no domingo (28/05), o político de 69 anos obteve mais de 52% dos votos e permanecerá no cargo por mais cinco anos.
Esta será sua terceira década no poder. Primeiro como primeiro-ministro e desde 2014 como presidente, Erdogan moldou o país como nenhum outro político.
Antes dessas importantes eleições, as pesquisas o colocavam atrás de seu principal adversário, levando-o a buscar novos parceiros para sua Aliança Popular, que obteve maioria conquistando 323 dos 600 assentos nas eleições parlamentares de 14 de maio. O novo Parlamento é também o mais conservador, nacionalista e islâmico da história recente do país.
Vitorioso, apesar de várias crises na Turquia
De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), cerca de quatro milhões de pessoas em busca de proteção vivem na Turquia – um enorme desafio. Soma-se a isso a crise econômica, a inflação galopante, o alto desemprego, a pandemia e os dois grandes terremotos.
"Apesar dessas várias crises, os eleitores escolheram um presidente que esteve no poder durante todas elas", lembra a cientista política Evren Balta, da Universidade Özyegin, em Istambul.
Se por um lado o resultado foi uma surpresa para muitos, por outro era de se esperar, diz a especialista. Isso porque, em tempos de crise, os eleitores muitas vezes tendem a escolher um político que já conhecem. Ela acredita que a confiança em Erdogan está um pouco enfraquecida, mas que os eleitores mesmo assim preferiram votar nele em vez de escolher um político sem experiência de governo.
Parece que Erdogan está muito ciente dessa percepção. Em seu tradicional discurso da vitória na varanda de seu palácio na noite da eleição, ele expressou gratidão a seus apoiadores. Cantou canções com eles e prometeu estar junto "até o túmulo". Além disso, convidou seus aliados um a um para o palco e os agradeceu por tornar possível esta "vitória do século".
O ataque de Erdogan à oposição
Ele não mostrou misericórdia à oposição. Acusou seu concorrente Kemal Kiliçdaroglu de receber ordens da sede da organização terrorista PKK e de implementá-las. Diante de mais de 350 mil apoiadores, disse que Kiliçdaroglu prometeu libertar o ex-presidente do partido pró-curdo HDP, Selahattin Demirtas, e afirmou que nunca libertará o "terrorista". A multidão então exigiu a pena de morte para Demirtas.
O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pediu repetidamente a libertação do político da oposição curda – até agora em vão. Da prisão, Demirtas tentou influenciar a campanha eleitoral e, por meio de seus advogados, manifestou-se a favor de Kiliçdaroglou.
Ibrahim Uslu, pesquisador e especialista em comunicação política, acredita que Erdogan vá continuar com a retórica mais dura. Na opinião dele, Erdogan não vê razão para uma mudança, pois percebe sua mais recente vitória como uma confirmação de sua linha anterior.
Uslu lembra que eleições locais serão realizadas na Turquia em pouco menos de dez meses, e acredita que o país voltará ao modo de campanha eleitoral em algumas semanas.
Erdogan também promove a polarização para desviar a atenção da população de problemas reais, como a economia fragilizada e a desigualdade social no país. Se o presidente turco fosse conciliador, acredita Uslu, a população começaria a colocar o governo à prova e, sobretudo, a questioná-lo. Por isso, de acordo com Uslu, Erdogan deve continuar a adotar esse tom mais duro até depois das eleições locais na primavera europeia de 2024.
Futuro da aliança da oposição é incerto
A questão é se isso será necessário, já que ainda não é certo se a ampla aliança de oposição sobreviverá após esta derrota. O grupo foi forjado há três anos pelo líder da oposição Kemal Kiliçdaroglu. Seus seis partidos integrantes, que se dirigem a grupos-alvo muito diferentes, fizeram concessões difíceis em prol da coesão. Mas será que essas partes continuarão unidas?
Evren Balta acredita que a aliança durará pelo menos até as eleições locais, uma vez que não há tantas concessões a serem feitas em nível local quanto nas eleições parlamentares ou presidenciais. No entanto, ele avalia que a oposição deveria lidar criticamente com a derrota atual e contar com novas forças motrizes e atores se quiser ter sucesso.
Legado de Erdogan
Enquanto a oposição lida com a derrota, Erdogan comemora a vitória. Mas quanto ele realmente triunfou?
Henrik Meyer, diretor da Fundação Friedrich Ebert em Istambul, vê as coisas de forma mais cética. "O fato de Erdogan ter que ir para um segundo turno, que ele venceu por apenas quatro pontos percentuais, provavelmente arranhará sua autoimagem", disse Meyer à DW.
Além disso, a disputa acirrada mostra, mais uma vez, que a população está insatisfeita com Erdogan e seu governo. "Vamos ver que conclusões ele tira de sua popularidade em declínio", continuou Meyer.
Em termos de direitos humanos, liberdade de expressão e liberdade de imprensa, Meyer não espera melhorias, mas tem esperança de que Erdogan pense em seu legado político no novo mandato.
Para Mayer, se Erdogan não quiser deixar para trás um país dividido com instituições enfraquecidas e uma inflação galopante no final de sua passagem pelo poder, terá que reconsiderar suas ações.
O sucessor
Se ele fará isso ainda é incerto. O pesquisador Uslu está convencido de que Erdogan definitivamente cuidará de sua sucessão. Segundo ele, uma das questões centrais deste mandato para Erdogan é justamente preparar seu partido para o período depois que ele deixar o poder.
Porque, de acordo com a Constituição turca, Erdogan não poderá se candidatar novamente após este mandato. Além disso, o político de 69 anos parece estar com a saúde debilitada. Mas Uslu também não descarta uma possível emenda constitucional que possa permitir mais mandatos ao "eterno presidente Erdogan".