O que Coreia do Norte pretende com lançamento de satélites?
31 de maio de 2023A Coreia do Norte confirmou nesta quarta-feira (31/05) que uma tentativa de colocar em órbita o primeiro satélite espião do país fracassou. O foguete que transportava o dispositivo militar caiu no mar a oeste da Coreia do Sul. As causas da falha ainda estão sendo analisadas.
Embora essa seja a primeira tentativa do país de lançar um dispositivo destinado ao reconhecimento militar, esse foi o sexto lançamento de satélite já realizado por Pyongyang. Sob o programa Kwangmyongsong, a Coreia do Norte já conseguiu colocar no espaço com sucesso dois satélites, mas não há confirmações oficiais se esses dispositivos estão em operação.
Apesar da falha desta quarta-feira, essa deverá ser somente a primeira de muitas tentativas de lançar um satélite espião. A Coreia do Norte considera seu espaço e programas de foguetes militares um direito soberano.
Especialistas avaliam que esse tipo de satélite é fundamental para o país melhorar a eficácia de suas armas. O foco nesse objetivo mostraria ainda uma mudança de direção no sentido mais prático do que político.
"Mesmo que esse lançamento tenha falhado, o líder norte-coreano, Kim Jong-un, deixou claro que esse satélite é o primeiro de muitos. Esse não será o fim destes esforços", destaca Atsuhito Isozaki, professor de estudos norte-coreanos na Universidade Keio, no Japão.
Lançamentos anteriores do programa Kwangmyongsong
Desde o fim dos anos 1990, a Coreia do Norte lançou seis satélites, incluindo a tentativa desta quarta. Os lançamentos anteriores eram amplamente vistos pela comunidade internacional como testes de armas velados.
Em 31 de agosto de 1998, a Coreia do Norte anunciou que colocou seu primeiro satélite em órbita: o Kwangmyongsong-1, usando o foguete Paektusan-1. Apesar das afirmações do país, o satélite não entrou em órbita, aparentemente devido a uma falha no terceiro estágio do foguete. A comunidade internacional, liderada por Washington, disse que a ação foi um exercício para testar mísseis balísticos.
Outros dois lançamentos mal-sucedidos foram realizados em 2009 e em abril de 2012. Em 12 dezembro de 2012, o país fez sua quarta tentativa. Autoridades americanas confirmaram o sucesso do lançamento, porém, especialistas de diversos países apontaram que o satélite não apresentava condições operacionais.
A última tentativa havia ocorrido em 2016. O satélite de observação também foi colocado em órbita. Especialistas afirmam que o dispositivo exibe condições operacionais parciais, mas nenhuma comunicação foi detectada.
O lançamento mais recente
Batizado de Malligyong, o satélite militar foi lançado nesta quarta-feira no foguete Chollima, nomeado em homenagem a um cavalo alado místico que aparece frequentemente na propaganda de Pyongyang.
Logo após o lançamento, o foguete caiu no mar. O regime norte-coreano disse que investigará as causas da falha para repará-las e realizar um novo lançamento o mais breve possível.
O Exército da Coreia do Sul rapidamente localizou e resgatou parte dos destroços. O lançamento norte-coreano levou a ordens de evacuação na Coreia do Sul e no Japão. A capital sul-coreana, Seul, emitiu alertas através aos residentes para estarem preparados para deixarem as suas casas. Como não foram registados danos ou perturbações, o alerta foi cancelado.
Autoridades japonesas também ativaram o sistema de alerta de mísseis para a prefeitura de Okinawa, no sudoeste do Japão, que se acreditava estar na trajetória do foguete.
Testes velados?
A comunidade internacional acusava a Coreia do Norte de tentar esconder teste de tecnologia de mísseis balísticos em seus lançamentos de satélites. Os Estados Unidos afirmaram que o lançamento desta quarta apresentou tecnologias relacionadas aos banidos mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs).
Em resposta às acusações, Pyongyang sempre defendeu o direito de desenvolver sua indústria aeroespacial. Tanto o lançamento de mísseis balísticos quanto o de satélites exigem conhecimentos altamente avançados, segundo especialistas.
O regime de Kim está impedido de usar qualquer tecnologia de míssil balístico sob uma série sanções da ONU. Pyongyang, porém, desrespeita regularmente essas restrições e já testou vários armamentos do tipo somente neste ano.
Desde 2016, a Coreia do Norte desenvolveu e lançou três tipos de ICBMs, e agora parece estar genuinamente comprometida a colocar satélites funcionando em órbita.
"A Coreia do Norte disparou um míssil após o outro nos últimos anos sem qualquer justificativa", lembra Park Won-gon, professora de Estudos Norte-Coreanos na sul-coreana Universidade para Mulheres Ewha.
Segundo analistas, possuir um satélite em órbita funcionando não aperfeiçoaria somente a inteligência da Coreia do Norte sobre os inimigos, mas também seria uma prova de que o país pode acompanhar as outras potências espaciais em desenvolvimento na região.
Para Ankit Panda, do think-tank americano Fundo Carnegie para a Paz Internacional, Pyongyang poderia usar os satélites para atingir mais efetivamente a Coreia do Sul ou o Japão, além de verificar se os Estados Unidos e seus aliados estariam se preparando para um ataque.
Mais tecnologia e menos política
Segundo Takeshi Watanabe, pesquisador do Instituto Nacional para Estudos de Defesa do Japão, a Coreia do Norte mostrou nos últimos anos estar aparentemente mais focada em tecnologia do que em mensagens políticas, lembrando que no passado o país fez lançamentos em dias específicos independentemente das condições.
"A Coreia do Norte não pode manter a credibilidade de seus recursos contra o Japão, Estados Unidos e Coreia do Sul sem um lançamento bem-sucedido de satélite. Assim não pode ignorar seus cientistas", avalia Watanabe. O especialista acredita que Pyongyang não se apressará para efetuar um novo lançamento.
Devido ao seu isolamento, a Coreia do Norte não possui estações de base ao longo do mundo para se comunicar com seus foguetes e satélites, o que, segundo Brian Weeden, da ONG Fundação Mundo Seguro, é um desafio.
"Isso pode ser feito somente quando os satélites passam pela Coreia do Norte, o que para um satélite de órbita terrestre baixa seriam poucas vezes por dia", acrescenta.
cn/lf (Reuters, Efe, Lusa, AFP)