O PT mais uma vez contra a parede
7 de setembro de 2017Numa semana curta, em que a expectativa era de mais dificuldades para o governo Michel Temer, acabou sobrando para o PT e os dois ex-presidentes petistas. E tudo aconteceu em apenas 24 horas.
Primeiro, a cúpula do partido foi denunciada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por formação de organização criminosa no âmbito do inquérito do "quadrilhão", que apura desvios na Petrobras. Depois, os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff ainda foram alvos de outra denúncia por obstrução da Justiça, por causa da suas atuações na desastrosa nomeação de Lula como ministro, no início de 2016. Por fim, Antônio Palocci, veterano petista e antigo homem-forte do governo Lula, fez graves acusações contra o ex-presidente em depoimento ao juiz Sérgio Moro.
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Para Dilma, as denúncias marcaram sua entrada no mundo dos problemas com a Justiça, que vêm atormentando Lula, seu padrinho político, desde o ano passado. Após a denúncia por organização criminosa, a imprensa estrangeira destacou que a ex-presidente foi, pela primeira vez, formalmente acusada de envolvimento em esquemas de corrupção.
No caso de Lula, as duas denúncias e as acusações de Palocci aconteceram logo após a conclusão de uma bem-sucedida caravana pelo Nordeste, um evento de pré-campanha da sua candidatura à Presidência em 2018.
Já para o PT, as denúncias ocorrem num momento em que a sigla vinha assumindo uma postura crítica em relação às reformas promovidas pelo governo Temer e tentava se reorganizar para as eleições de 2018.
O que muda para Dilma?
Para especialistas ouvidos pela DW, apesar da gravidade dos novos fatos, eles não devem alterar substancialmente a maneira como o PT, Lula e Dilma são encarados, ao menos no curto prazo.
"Essa imagem de um PT atrelado a acusações de corrupção já vem de longa data, desde o esquema do mensalão. A imagem do partido já se erodiu há muito tempo", afirma o analista político Gaspard Estrada, do Observatório Político da América Latina e do Caribe do Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences Po).
"Já no caso de Dilma, essa impressão de que é a primeira vez que ela se vê envolvida em acusações é falsa. Embora desta vez haja um denúncia formal, não é a primeira vez que se levantam suspeitas sobre ela. O marqueteiro João Santana e a esposa, Mônica Moura, já haviam dito que Dilma participava do esquema de caixa dois do PT", diz o especialista.
Para o professor de ética Roberto Romano, da Unicamp, as acusações contra Dilma talvez façam alguma diferença na forma como ela é encarada por parte do público no exterior, especialmente quando concede entrevistas e palestras, abrindo espaço para questionamentos mais duros.
Desde o impeachment, em agosto de 2016, Dilma cultiva uma imagem de figura inocente derrubada por corruptos. Vários jornais, entre eles o New York Times e o Los Angeles Times, escreveram que a presidente era uma figura rara no meio político brasileiro por não ter sido alvo de processos por suspeita de corrupção.
Já no Brasil, as acusações devem fazer pouca diferença para o público. "A imagem dela já está desgastada desde o fim do primeiro mandato. Ela sempre foi desastrada. No Brasil, as posições já estão solidificadas. A maior parte das pessoas já desaprovava o governo dela. A militância dificilmente vai mudar sua opinião sobre o que acredita ser uma perseguição", diz Romano.
Para Estrada, a militância que encara o PT como alvo de perseguição vai entender também as novas acusações como uma prova disso. "Eles vão continuar achando que é uma caça às bruxas", diz.
Cautela com as acusações
Os dois especialistas também afirmam que as acusações devem ser vistas com cuidado. "É preciso ter em mente que vários delatores foram pegos mentindo ou não apresentaram provas. Basta ver os exemplos de Joesley Batista e do ex-senador Delcídio do Amaral. Então, no curto prazo, essas acusações não devem mudar muito o quadro", disse Estrada. Segundo ele, é preciso aguardar o desenrolar do processo para ver se as acusações são sólidas.
"Essas denúncias todas, incluindo a que foi apresentada contra Temer, têm tido dificuldades para traduzir acusações em provas, há muitos indícios e convicções. Pode ser que desta vez a Procuradoria-Geral tenha algo sólido, mas é preciso ver como os processos vão se desenvolver", afirma Romano.
Além disso, Janot, que deixará o cargo na semana que vem, pode ter se sentido compelido a apresentar novas denúncias contra o PT para se livrar de insinuações de que estaria beneficiando o partido por causa das acusações contra Temer. "Talvez tenha sido uma forma de equilibrar o jogo", avalia Romano.
Nas últimas semanas, Janot vinha sendo acusado por aliados de Temer de beneficiar indiretamente o PT ao apresentar acusações criminais contra o presidente no âmbito da delação da JBS. No início de agosto, a revista IstoÉ chegou a chamá-lo de "o procurador-geral do PT". A acusação foi repetida em redes sociais de grupos de direita. Pouco depois da apresentação da primeira denúncia contra o partido, no entanto, várias dessas páginas elogiaram o procurador-geral.
Lentidão do STF
Do ponto de vista legal, as duas denúncias devem demorar para ter efeitos práticos para Lula e Dilma no curto prazo. Elas foram apresentadas ao Supremo Tribunal Federal (STF), uma corte notoriamente lenta no julgamento de processos dessa envergadura.
No caso do mensalão, por exemplo, se passaram mais de seis anos entre a apresentação da denúncia e a conclusão do julgamento. Outros casos oriundos do esquema de corrupção na Petrobras também têm andado lentamente. Mais de dois anos depois da apresentação da primeira "lista do Janot", só cinco parlamentares se tornaram réus.
Já no caso das acusações levantadas por Palocci, o impacto deve ser maior no curto prazo e elas deverão contribuir para uma possível segunda condenação do ex-presidente por Moro. No momento, Lula e Palocci são réus em uma mesma ação por suspeita de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O processo apura a compra pela Odebrecht de um terreno para o Instituto Lula e de um apartamento em São Bernardo do Campo. Ao todo, Lula já acumula uma condenação, cinco processos em que aparece como réu e duas denúncias, além de diversos inquéritos.
Ainda no caso de Palocci, o episódio marcou a primeira vez que um petista do núcleo de poder dos governos Lula e Dilma resolveu desnudar esquemas de corrupção. O PT já havia sido alvo de acusações que partiram de pessoas que tinham bastante influência no partido, como Santana e Delcídio, mas nenhuma delas tinha a estatura de Palocci e uma relação tão próxima com os ex-presidentes. Palocci foi o idealizador da Carta ao Povo Brasileiro na bem-sucedida campanha petista de 2002 e foi ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil sob Dilma.
Diante de tantas acusações, o PT já traçou uma estratégia. Logo depois da primeira denúncia, a sigla soltou uma nota em que acusa a PGR de usar a denúncia para desviar o foco dos problemas da delação da empresa JBS. "Parece uma tentativa do atual procurador-geral de desviar o foco de outras investigações", afirmou o partido. Em relação a Palocci, a defesa de Lula classificou as declarações de "contraditórias" e disse que o ex-ministro, atualmente preso, busca um acordo de delação que "exige acusações falsas e sem provas".