Impacto para o brasileiro
31 de agosto de 2008O cenário estudantil europeu não será mais o mesmo depois de 2010. A implementação do Processo de Bolonha, que visa a reestruturação do sistema de ensino superior, está a pleno vapor no continente.
Na Alemanha, país que iniciou o debate sobre a necessidade de mudanças no ensino, 67% dos cursos superiores oferecidos atualmente em universidades já correspondem aos novos critérios.
Para avaliar o impacto dessas alterações para o estudante brasileiro que pretende estudar ou já estuda na Alemanha, a DW-WORLD.DE conversou com autoridades e estudantes brasileiros, no Brasil e na Alemanha.
Fator Tempo
Através da proclamada "mobilidade educacional", um estudante poderá iniciar um programa de bacharelado, com uma duração de três anos, em qualquer universidade européia vinculada ao Processo de Bolonha.
Ele não poderá, porém, exceder esse período, porque ambos os programas − o bacharelado e o mestrado − têm que ser concluídos dentro de cinco anos. Ou seja, se o aluno levar quatro anos para concluir seu bacharelado, terá apenas mais um ano para prosseguir com seu mestrado.
Este relativamente curto espaço de tempo para a conclusão dos cursos é, na opinião de Renato Janine Ribeiro, diretor de avaliação da Fundação Capes, o mais preocupante no novo sistema: "Receio que três anos não sejam suficientes para a conclusão de um doutorado."
O pernambucano Leonardo Nóbrega da Silva, 22 anos, tem opinião semelhante: "a implementação do Processo de Bolonha mostra que a universidade caminha para um propósito único de profissionalização e competitividade no mercado mundial". O estudante de Ciências Sociais na UFPE ressalta, ainda, que "um bachelor de três anos não permitirá que o aluno assista aulas que não as que fazem parte de sua grade obrigatória".
O fator tempo, porém, é para outros estudantes um dos grandes atrativos do novo sistema. Como para Luis Octávio Noschang, de 25 anos. O Processo de Bolonha, segundo Luis, "facilita a entrada e encurta o tempo de pós-graduação".
O gaúcho estuda Media Production (Produção de Mídia) na Escola Superior de Ciências Aplicadas de Darmstadt − graduação a ser concluída com o título de bachelor − e é só elogios ao novo sistema: "o Processo de Bolonha permitiu a criação do meu curso em parceria com uma instituição da Irlanda. Algo assim não seria possível no antigo sistema".
Qualidade ameaçada
A discussão em torno do tempo de estudo traz também outras implicações, como a possível perda de qualidade. Lilian dos Santos, que estudou Sprachlehrforschung (Linguística Aplicada ao Ensino de Idiomas) na Universidade de Hamburgo, graduação concluída com o título de magister, receia que o novo sistema exclua o estudante não europeu: "Espero que ainda haja espaço para as diferenças culturais nas universidades européias".
Já Eline Seelig veio de Brasília para estudar Letras na Universidade de Flensburg (gradução a ser concluída com o título de bachelor). Na opinião da estudante de 23 anos, a Alemanha, ao adotar o Processo de Bolonha, "jogou a excelência e a reputação do seu antigo sistema de educação superior no lixo".
A universitária está desgostosa: "comecei a estudar por achar que iria encontrar a verdadeira 'Geisteswissenschaft' [ciência humana] e o que enfrentei na realidade foi uma máquina que produz profissionais o mais rápido possível e de forma mais econômica."
Leia na próxima página a opinião de autoridades brasileiras sobre o Processo de Bolonha e o reconhecimento de créditos adquiridos no exterior.
Também parte do corpo docente alemão vê o novo sistema com desconfiança. Christian Bode, secretário-geral do DAAD na Alemanha, afirmava em 2006 que, apesar de muitas instituições alemãs de ensino superior estarem satisfeitas com o Processo de Bolonha, ainda havia no país "muitos professores absolutamente contrários" a ele.
Bode, ele próprio um "protagonista pró-ativo do Processo de Bolonha", dizia ainda que, para muitos catedráticos alemães, o receio de abandonar boas tradições, "substituindo-as por tradições anglo-americanas", poderia vir a "deteriorar o que ainda resta de positivo na educação superior da Alemanha". O medo, àquela altura, ainda era grande. E parece não ter de todo desaparecido. Talvez seja por isso que cursos mais tradicionais, como os de Medicina e Direito, ainda não façam parte do Processo de Bolonha.
Reconhecimento de créditos
Também a questão de revalidação de créditos preocupa estudantes e autoridades. Se na Europa a revalidação de créditos parece não ser mais entrave – através do Diploma Supplement (DS) – para o estudante não europeu, como o brasileiro, a situação é diferente.
Para Naomar de Almeida Filho, reitor da Universidade Federal da Bahia, a questão referente ao reconhecimento de créditos adquiridos no exterior é ainda complicada: "Isso será um problema, devido à não correspondência de arquiteturas curriculares". O prognóstico do reitor é pessimista: "um título de master, por exemplo, obtido numa universidade européia, dificilmente será reconhecido como equivalente ao mestrado no Brasil".
O secretário de Educação do MEC, Ronaldo Mota, também vê o novo sistema com ressalvas. O secretário informa a existência de discussões em volta da criação de um Sistema Brasileiro de Transferência de Créditos, o qual tende a estimular e facilitar o trânsito de estudantes entre todas as instituições, brasileiras e estrangeiras. A discussão encontra-se, porém, ainda no início.
O secretário ressalta a necessidade de se fazer uma diferença entre reconhecer créditos e revalidar diplomas: "O primeiro tende sim a ser muito facilitado, ao adotarmos novos hábitos e criarmos uma cultura que valorize a mobilidade acadêmica".
Com relação à revalidação de diplomas, porém, ele é mais cuidadoso: "a menos que se altere a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, essa decisão [a revalidação de diplomas] continuará a ser prerrogativa das instituições apropriadas".