"O presidente de um país não pode confrontar a ciência"
8 de abril de 2020No início de março, Ian Bremmer, presidente e fundador da Eurasia Group, considerada a principal consultoria de risco político do mundo, reconheceu ter enviado a seus clientes a revisão de curto prazo mais problemática que escreveu desde a fundação da Eurasia, em 1998. Em meio à pandemia do novo coronavírus, o relatório trazia um cenário de instabilidade social no horizonte, com rebeliões no sistema prisional dos EUA por falta de medicamentos e o aumento do nacionalismo e da xenofobia no âmbito internacional.
Atento a todas as partes do globo, o analista foi surpreendido pela postura do presidente Jair Bolsonaro perante o avanço da covid-19, a doença provocada pelo coronavírus, no país. No Twitter, o analista classificou Bolsonaro como o líder mais ineficaz do mundo democrático para lidar com a crise.
Em entrevista à DW Brasil, Bremmer afirma que a Eurasia baixou as projeções e expectativas para o Brasil em função do cenário atual. "O presidente de uma nação não pode confrontar a ciência e o bem-estar de seus cidadãos. Além disso, ele está minando a sua própria popularidade e causando divisões dentro da base de apoio à agenda de reformas econômicas no Congresso Nacional, o que pode conduzi-lo ao impeachment. No plano internacional, ele virou motivo de chacota", critica.
DW Brasil: O senhor afirmou no Twitter que Bolsonaro é o líder mais ineficaz do mundo democrático para lidar com a pandemia do novo coronavírus. Como a postura do presidente impacta a imagem do Brasil na comunidade internacional?
Ian Bremmer: Obviamente, há prejuízos. É muito pior do que o dano à imagem do Brasil provocado pelos incêndios florestais na Amazônia e os comentários absurdos feitos pelo presidente na ocasião. Todos sabemos que ele é um causador de problemas, um populista que gosta de dizer coisas inapropriadas e, por isso, é chamado de "Trump dos trópicos". Contudo, nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump não está em confronto com seus próprios médicos. Nesta segunda-feira (06/04), Bolsonaro esteve muito perto de demitir o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o que seria um enorme desastre.
O presidente de uma nação não pode confrontar a ciência e o bem-estar de seus cidadãos. Além disso, ele está minando a própria popularidade e causando divisões dentro da base de apoio à agenda de reformas econômicas no Congresso Nacional, o que pode conduzi-lo ao impeachment. No plano internacional, ele virou motivo de chacota. É verdadeiramente lamentável, pois seu governo reunia condições para realizar as maiores reformas econômicas do mercado emergente nos últimos anos. Quando confrontado com o coronavírus, porém, sua ação foi desastrosa.
As atitudes de Bolsonaro afastam investidores estrangeiros do Brasil?
Com certeza. Nós rebaixamos nossas projeções e expectativas para o Brasil em função da crise pandêmica. As principais razões são a condução de Bolsonaro, associada ao risco de que não consiga levar adiante a agenda de reformas econômicas e, em vez disso, volte-se para a sua base populista, mais ligada aos temas de segurança. Isso criaria muitas divisões no país. São elementos que abrem espaço para um impeachment após esta crise. Mas devemos nos questionar se existe, no Brasil, um alinhamento dos parlamentares para aprovar continuamente as reformas necessárias. É muito imboprovável que haja, na minha opinião.
A crise do coronavírus não afeta só o Brasil. É horrível para todos. A resposta exige muitos recursos, e a doença á altamente perigosa para a população. Por essas razões, os mercados emergentes serão atingidos com mais força. Os sistemas de saúde não são tão bem estruturados, há maior dificuldade de implementar o distanciamento social, e os governos são mais fracos, com menos recursos para combater o problema. Para piorar, o impacto de paralisar a economia é mais profundo. Não bastassem essas grandes dificuldades, o Brasil tem um líder afirmando que é tudo mentira, que o isolamento não é necessário, e atacando os governadores.
Qual é o cenário mais provável para a economia mundial após a crise pandêmica: mais protecionismo ou mais globalização? São os Estados ou as corporações que sairão mais fortes?
Claramente, teremos mais nacionalismo e menos globalização. Estamos observando que uma cadeia de produção just-in-time (sob demanda) é muito eficiente e leva ao crescimento, mas não é muito resiliente em momentos de crise, quando você precisa de maior armazenamento. Iremos observar um grande desemprego, ao passo que os governos serão chamados a fazer resgates, estímulos e nacionalizações. Em contrapartida, deverão exigir que sejam contratados mais pessoas de seus países.
Essas razões se somam à guerra comercial que já estava sendo travada por EUA e China, motivada pela disputa tecnológica em torno do 5G. Haverá mais e mais processos de regionalização, com maior atenção às fronteiras e diferenciação entre as políticas econômicas nacionais. Devemos esperar também movimentos internos contrários ao livre mercado e à abertura de fronteiras. Obviamente, isso implica que os Estados se tornarão mais poderosos, ante um enfraquecimento das corporações.
Corporações de todas as áreas da atividade econômica?
Com exceção do setor tecnológico, cujas empresas serão muito fortalecidas, mas por estarem alinhadas aos governos. Isso já está ocorrendo na China e irá ocorrer nos EUA. Vamos precisar que essas companhias trabalhem em estreita colaboração com os governos, para garantir a possibilidade de rastrear as pessoas: saber se já tiveram a doença, por onde viajaram, em que bairros estiveram, se foram testadas, se estão assintomáticas. As empresas de tecnologia serão vistas como estratégicas e, por consequência, mais alinhadas aos governos.
Devemos esperar um fortalecimento do populismo nacionalista?
Acho que veremos um forte populismo em vários países. Mas é importante frisar que observamos uma ascensão do nacionalismo populista quando a economia global vivia o mais longevo bull market (expressão do mercado financeiro para um momento favorável) desde a Grande Depressão. Havia muito crescimento, mas também uma desigualdade em alta, especialmente no mundo desenvolvido. Essas disparidades serão acentuadas pela crise atual.
Os CEOs vão querer que suas empresas sejam mais eficientes e tenham menos empregados. A economia do conhecimento possibilita a distância social e o home office. Porém, os trabalhadores mais pobres serão expostos a maiores riscos, adoecerão mais e terão maior dificuldade para voltar ao trabalho. Além disso, não haverá muito apoio disponível dos Estados. São razões que irão impulsionar o populismo.
Como o atual cenário pode impactar a campanha à reeleição de Donald Trump?
É uma pergunta interessante. Por um lado, Trump tem uma aprovação de 46%, a maior desde o início do mandato. O recorde é de George W. Bush, que alcançou 92% após o 11 de setembro, o dobro. Jamais será possível para Trump ter uma aprovação majoritária, acima dos 60%. O resultado atual vem a reboque da atuação na pandemia. Nesta crise, os americanos querem um líder. Mas vale lembrar que na França, Itália, Alemanha e Coreia do Sul, o salto de aprovação que os líderes tiveram foi maior do que nos EUA. Acredito que a maré positiva na aprovação de Trump não se sustente por muitos meses.
Ele terá em mãos uma economia com muitos problemas, que vai precisar de muito apoio, com um nível de desemprego alto. Isso irá reduzir sua aprovação, o que dificulta uma vitória nas urnas.
Como o senhor vê a condução geopolítica da China durante a pandemia?
Definitivamente, a China está usando a pandemia para aumentar sua influência geopolítica. O surto veio da China, eles mentiram sobre isso e não permitiram a entrada de agentes do CDC (Centro de Controle de Prevenções e Doenças) dos EUA, da OMS (Organização Mundial de Saúde).
Em meados de janeiro, não se sabia exatamente o que acontecia dentro do país. Eles esconderam da própria população e do restante do mundo. Mais de 5 milhões de chineses viajaram a partir de Wuhan, e 400 mil saíram do país. Por essa razão é que há epidemia na Itália, Irã e EUA. Eles foram totalmente responsáveis pela origem do surto.
Mas, desde então, a China vem respondendo de forma muito efetiva, com uma quarentena rígida e vigilância completa. A cadeia de produção da economia estará operando em máxima capacidade em maio, enquanto EUA e União Europeia estarão paralisados. Isso os fortalece. Além disso, os chineses são responsáveis pela cadeia de suprimentos de saúde e não faltará quem precise desses equipamentos desesperadamente. Ainda por cima, eles estão fazendo doações, inclusive de profissionais de saúde, que estão levando para diversos países, inclusive a Itália.
Os EUA não estão fazendo nada disso, e têm dificuldades para responder à crise internamente. O país está abdicando de liderança, não está coordenando ações com seus aliados e outras nações.
Deverá haver pressão para que empresas dos EUA saiam da China, ou retaliações contra a tecnologia 5G do país asiático?
Definitivamente, haverá retaliações sobre o 5G. Esta briga está crescendo, e virão sanções mais duras contra os chineses. Os americanos irão pressionar ainda mais os aliados para que fiquem longe do 5G. A questão é se isso será efetivo, com tantos países que não confiam em Trump e não sentem que ganham muito com os EUA no momento. Portanto, vejo uma guerra fria tecnológica entre EUA e China, com potencial de expansão para os setores de serviços e manufaturas, à medida que empresas americanas forem reduzindo sua presença na China. Mas não tenho certeza de quantos países ao redor do mundo seguirão os EUA.
Na Alemanha, o governo da chanceler Angela Merkel viu sua popularidade aumentar durante a pandemia, enquanto a extrema direita teve ligeira queda na aprovação. Como o senhor vê esse resultado?
É fruto do bom trabalho que a Merkel vem fazendo. Ela é uma cientista de formação, agiu rápido, conduziu testagem massiva, é confiável. Está no cargo há muito tempo, é uma líder forte e estável em um período de crise. O resultado não me surpreende. Todos os líderes que assumem o comando da situação têm registado alta de popularidade. Na Alemanha, vimos um salto bem maior do que Trump teve nos EUA.
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