O papel da Europa para tentar conter a violência no Sudão
26 de abril de 2023Diante da violência que eclodiu no Sudão devido aos embates entre dois grupos militares rivais, a onda de manifestações que, em 2019, exigiu a deposição do ditador Omar al-Bashir parece parte de um passado distante.
Embaixadas e organizações internacionais ainda tentam retirar seu pessoal do país, mas muitos já se perguntam o que podem fazer para evitar que a violência resulte numa guerra civil que pode se mostrar devastadora.
Nesta segunda-feira (24/04), ministros do Exterior da União Europeia, reunidos em Luxemburgo, falaram à imprensa sobre os esforços de seus países para retirar pessoal do Sudão. Mas alguns foram além.
UE pode fazer mais
O chefe da diplomacia do bloco, Josep Borrell, apelou às duas partes, lideradas pelo general Abdel Fatah al-Burhan, das Forças Armadas, e Mohammed Hamdan Dagalo, do grupo paramilitar Forças de Apoio Rápido (FAR), a considerarem baixar as armas e negociar. "É necessário parar a guerra, baixar as armas e começar a conversar e a procurar uma solução política porque não há uma solução militar", disse Borrell.
O ministro do Exterior da Finlândia, Pekka Haavisto, disse que não é justo que todos os estrangeiros deixem o Sudão num momento como esse e alertou que a Rússia pode ocupar o espaço vago. "Se sairmos [o Ocidente], também deixamos espaço para soldados do [Grupo] Wagner e da Rússia jogarem o jogo deles", declarou, em referência ao grupo privado de mercenários do empresário russo Yevgeny Prigozhin, ligado ao presidente Vladimir Putin. "Penso que a Europa deve elevar seu papel no Sudão."
Haavisto disse que a União Europeia deve assistir não apenas seus cidadãos, mas também os residentes de Cartum. "A UE pode fazer mais", disse.
Próximos passos
O especialista Theodore Murphy, do Conselho Europeu de Relações Externas, observou que não apenas a Rússia, mas vários outros países têm interesses no Sudão.
"Acho que não é producente encarar isso como envolvendo apenas a Rússia. Soldados do Wagner, que sabidamente atuam em vários países instáveis da África, já estão há algum tempo no Sudão, apoiando as Forças de Apoio Rápido", disse.
Ele acrescentou que todos os vizinhos do Sudão têm grandes interesses no destino do país, assim como os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita.
Há temores de que o conflito possa ultrapassar as fronteiras e se alastrar por outros países, criando instabilidade regional e econômica, bem como uma grande onda de refugiados.
A União Europeia criticou o golpe de Estado de 2021, mas manteve relações com os líderes de facto do país ao mesmo tempo que sublinhou seu apoio a um governo civil e democrático.
Murphy afirmou que, encerradas as retiradas de pessoal, o foco dos atores internacionais deveria ser um cessar-fogo que permita o ingresso de ajuda humanitária às pessoas mais vulneráveis.
Depois, a UE, junto com seus parceiros, deveria avaliar qual influência tem sobre as partes beligerantes e como exercê-la.
A favor dos civis
A União Europeia tem sido criticada por financiar projetos supostamente voltados a controlar a migração oriunda da região.
O Processo de Cartum, um fórum sobre migração entre a União Europeia e países do Chifre da África, incluindo o Sudão, começou ainda na ditadura de Al-Bashir, que governou o país de 1989 a 2019.
A emissora catari Al Jazeera citou Dagalo — que já foi acusado pela ONG de direitos humanos Human Rights Watch de supervisionar abusos de civis, incluindo tortura, assassinatos extrajudiciais e estupros em massa — afirmando que as Forças de Apoio Rápido estiveram envolvidas nas tentativas da União Europeia de parar a migração.
"A UE sempre afirmou que não financiou diretamente as Forças de Apoio Rápido, o que pode mesmo ser verdade", comentou o especialista Gerrit Kurtz, do Instituto Alemão para Relações Internacionais e de Segurança (SWP). "Mas países-membros aparentemente cooperaram com elas."
Al-Burhan e Dagalo se uniram para derrubar Al-Bashir em 2019 e se uniram novamente em 2021 para afastar o governo civil. Por fim, voltaram-se um contra o outro numa ferrenha luta pelo poder.
Kurtz observou que a UE, nos seus esforços de paz, deveria valorizar o papel central que as instituições civis têm nos processos políticos e não permitir que sejam os generais a ditarem termos e condições.