Ações do Grupo Wagner fortalecem influência russa na África
Publicado 26 de fevereiro de 2023Última atualização 18 de abril de 2023No início, sua presença é apenas apenas um rumor, e depois vira um segredo de polichinelo: milhares de mercenários do Grupo Wagner, da Rússia, estão ativos em vários países africanos. Na República Centro-Africana, por exemplo, 1.890 "instrutores russos" estão apoiando as tropas do governo na guerra civil, segundo o embaixador russo. Na Líbia, diz-se que até 1.200 mercenários do Wagner estão lutando do lado do líder rebelde Chalifa Haftar. No Mali, a junta militar pró-russa e anti-Ocidente também trouxe, segundo observadores, centenas de combatentes do Wagner, que são acusados de graves violações dos direitos humanos no país.
Mas a presença do Grupo Wagner na África vai muito mais além, dizem especialistas. "O Wagner evoluiu, ao longo do tempo, dos serviços militares privados para uma rede de relações e negócios com empresas em vários países africanos", disse recentemente o analista Julian Rademeyer, da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional, à DW, durante a Conferência de Segurança de Munique. "Eles operam nesta zona cinzenta entre atividades mais ou menos ilegais, e cobrem bem toda a área", disse.
Sudão: a porta de entrada para a África
Os mercenários do Grupo Wagner atuam há anos especialmente no Sudão e com uma presença numerosa. Ainda durante a ditadura de Omar al-Bashir, a M-Invest – supostamente controlada pelo oligarca e chefe da organização paramilitar Yevgeny Prigozhin – recebeu a licença para explorar minas de ouro no país. O contrato de segurança das minas da M-Invest ficou com o Grupo Wagner.
Em 2017, Bashir se encontrou com o presidente russo, Vladimir Putin, em Sochi para o anúncio do início de "uma nova fase" de cooperação. Bashir prometeu a Putin que o Sudão poderia ser para a Rússia a "chave para a África". Em troca, ele garantiu apoio militar, o que, no entanto, não conseguiu impedir sua queda em abril de 2019.
Mesmo enquanto o Sudão se esforça para voltar à ordem constitucional, os mercenários do grupo continuam no país e conseguiram ainda aumentar sua influência sobre as forças militares sudanesas. O governo militar deseja a todo custo manter o controle sobre o Sudão – e, aparentemente, recebe apoio ativo do Grupo Wagner. Em troca, o Kremlin tem acesso a lucrativas minas de ouro.
Analistas afirmam que o interesse da Rússia no país se resume ao acesso a recursos naturais – que incluem, além do ouro, manganês e silício. Moscou teria ainda um interesse especial em jazidas de urânio.
Instrumento para influência russa na África
Rademeyer publicou com seus colegas recentemente um relatório sobre o Grupo Wagner na África. "Nele, analisamos que o Grupo Wagner é hoje o ator russo mais influente na África, e que suas atividades e as de suas empresas de fachada exercem uma influência maligna sobre o continente."
A Rússia está buscando maior influência na África. E o Grupo Wagner provavelmente é um instrumento para isso tanto quanto visitas oficiais do ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, acordos de cooperação militar e, às vezes, fornecimento gratuito de alimentos e fertilizantes. Isso ajuda a explicar por que Moscou conseguiu registrar 15 abstenções da África na última resolução da ONU sobre a guerra de agressão na Ucrânia, e Eritreia e Mali ficaram ainda mais claramente do lado da Rússia votando contra a resolução.
O grupo, supostamente nomeado em homenagem ao compositor alemão Richard Wagner, foi fundado em 2014 pelo empresário Yevgeny Prigozhin, que é leal a Putin – e desde então tornou-se um ator privado indispensável para os interesses russos. Prigozhin declarou recentemente pela primeira vez que também estava por trás da fábrica de trolls Internet Research Agency, que alimenta as redes sociais, especialmente no Ocidente, com desinformação favorável aos interesses da Rússia. Campanhas para influenciar as populações africanas também podem ser encontradas na pesquisa da Giatoc sobre o Grupo Wagner.
O Kremlin usa o Wagner como um "instrumento de diplomacia na África", disse um representante do coletivo de pesquisa All Eyes on Wagner em uma entrevista à DW. O grupo monitora as atividades do Wagner no mundo inteiro. A identidade do representante é conhecida dos editores mas, para sua proteção, ele usa o pseudônimo Gabriel.
Ele diz que os mercenários no terreno estão vinculados a empresas subsidiárias. "Na Rússia, as empresas militares privadas são proibidas, mas de certa forma é permitido a empresas militares privadas russas operar fora da Rússia", diz Gabriel. "E há a aprovação do Kremlin sempre que a marca Wagner desenvolve suas atividades na África."
Negócios com madeira, ouro, açúcar e álcool
De acordo com pesquisas internacionais, a marca Wagner também é ativa em áreas que vão além do setor de segurança. Em julho, o All Eyes on Wagner, junto com 11 meios de comunicação parceiros europeus, revelou como o Grupo Wagner estava tendo grandes ganhos com a preciosa madeira tropical da República Centro-Africana. Segundo o relatório, o governo de Bangui havia concedido a uma subsidiária uma concessão irrestrita de extração em uma área de 187 mil hectares.
O caso da mina de ouro Ndassima, na República Centro-Africana, é semelhante: aqui, de acordo com pesquisas, a concessão de uma empresa de mineração canadense foi revogada em favor de uma empresa de Madagascar, que também aparece no relatório Giatoc como uma subsidiária do Grupo Wagner.
Uma reportagem da revista The Africa Report aponta como a rede Wagner supostamente importou equipamentos pesados de mineração através do porto marítimo camaronês de Douala. Enquanto isso, até três comboios de caminhões vão semanalmente de Bangui a Douala para transportar as matérias-primas, protegidos por homens da Wagner com armas pesadas.
Para governos africanos sem dinheiro em caixa, pode ser bastante atraente pagar pelos serviços do Wagner com autorizações de mineração ou acesso ao mercado, afirma Gabriel: "Eles não têm que gastar dinheiro, mas podem simplesmente dizer: 'Aqui, por 25, 50 ou 100 anos, você pode explorar esta mina sem nenhum problema'".
"Em todas as áreas lucrativas, os russos dominam"
Na República Centro-Africana, o Grupo Wagner parece estar diversificando ainda mais seus negócios. Por exemplo, está tentando forçar a empresa de açúcar francesa Sucaf a sair do mercado, disse Joseph Bendounga, chefe do partido de oposição MDREC. Em entrevista à DW, ele deu outro exemplo: "Eles estão em vias de enquadrar a cervejaria francesa Castel como apoiadora e financiadora de forças terroristas. Em todas as áreas que trazem dinheiro, inclusive alfândega e impostos, os russos são os senhores."
A First Industrial Company, que produz cerveja e bebidas alcoólicas em Bangui – e, segundo o relatório Giatoc, aparentemente está registrada em nome de um empresário russo cujo nome continua crescendo na rede Wagner – poderia se beneficiar disso.
A Rússia não nega os vínculos com a First Industrial Company. Um porta-voz da embaixada russa em Bangui disse à DW: "Está indo bem, porque as bebidas feitas de acordo com receitas russas são muito populares na República Centro-Africana." Ele disse que o objetivo era popularizar a cultura russa entre a população centro-africana e fazer negócios. Um investidor privado pode fazer o que quiser, disse o porta-voz: "Afinal de contas, essa é a lei do livre mercado."
Guerra na Ucrânia – e novos planos na África?
As atividades econômicas da rede Wagner na África parecem seguir crescendo, apesar de mercenários do grupo estarem agora lutando do lado russo na guerra contra a Ucrânia. "Em alguns casos, muitos mercenários foram retirados para lutar na Ucrânia, mas outros permanecem no terreno", disse Rademeyer, analista da Giatoc, à DW. "As atividades continuam, às vezes em um nível inferior. Mas não há sinais de que a guerra na Ucrânia esteja levando à retirada dos mercenários do Wagner da África".
Pelo contrário, pouco antes do aniversário de um ano do início da guerra, em 24 de fevereiro, o Wall Street Journal noticiou, citando fontes da inteligência americana, que o Grupo Wagner estava planejando um golpe no Chade junto com os rebeldes locais.
Rademeyer teme que o "Wagner continuará com sua metástase e crescimento na África enquanto não houver intervenção contra essas influências. A Europa e seus parceiros devem trabalhar muito melhor com a África para isso."
Colaboraram: Dirke Köpp, Kossivi Tiassou, Sandrine Blanchard e Bob Barry