O laboratório da extrema direita no norte da França
20 de abril de 2017Duas equipes de TV alemãs e uma japonesa visitam a pequena Hénin-Beaumont, no norte da França. Há três anos, o partido populista de direita Frente Nacional (FN) governa a cidade, antigo centro de mineração, vendo-a como uma espécie de campo de provas. O interesse no povoado de 27 mil habitantes, com taxa de desemprego de quase 20%, é grande, especialmente porque, no próximo domingo (23/04), a candidata do partido, Marine Le Pen, pretende aguardar o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais não com a elite que despreza, em Paris, mas sim aqui, em seu "laboratório".
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O porta-voz da prefeitura de Hénin-Beaumont, Christopher Szczurek, guia os jornalistas pelo prédio da prefeitura e pela Praça do Mercado. Aonde quer que vá, é cumprimentado calorosamente com dois beijos no rosto. Especialmente as mulheres mais velhas, com cabelo branco e bolsa imitando crocodilo se interessam por ele. Sczurek distribui panfletos, outros partidos não são vistos no mercado nesta manhã chuvosa.
"As pessoas adoram a Frente Nacional porque está presente e se preocupa com as pessoas. É simples assim. Quando nosso rival estava na prefeitura, havia muitos problemas. Agora as pessoas estão simplesmente contentes com o modo como fazemos as coisas. Abaixamos os altos impostos. Agora, as pessoas parecem estar felizes", afirma o ativista da FN.
Os rivais eram os socialistas, que governaram Hénin-Beaumont por quase 70 anos. Depois de vários escândalos, a FN conquistou a maioria absoluta da câmara local em 2014. O prefeito Steeve Briois não tem tempo para as equipes de filmagem. Ele é muito ocupado, porque, enquanto alto funcionário do partido, tem que dar consultoria à patroa Le Pen durante a campanha.
Ele manda dizer que obviamente está muito orgulhoso com o fato de a candidata vir comemorar sua vitória no primeiro turno justamente em sua comunidade. Algumas sondagens preveem vitória no primeiro turno da candidata populista de direita. Mas no segundo turno, no dia 7 de maio, são prognosticadas poucas chances de vitória para ela.
Desemprego permanece alto
No mercado da cidade, muitos manifestam aprovação à Frente Nacional. "Tudo mudou para melhor, a cidade está mais limpa, há mais ofertas culturais, e o prefeito vem e fala com você", diz um idoso. Em meio a sapatos, roupas e alimentos baratos, famílias de imigrantes de Marrocos e Argélia também fazem compras. Mas eles não querem ser filmados.
"Muitas pessoas simplesmente não se importam com a política", afirma um homem diante de uma barraca de flores. "Os políticos são políticos, no mundo todo. E na França, parece que todos têm o mesmo programa. No final, nada vai mudar."
O desemprego na estruturalmente fraca Hénin-Beaumont permanece elevado após três anos de gestão da FN. Muitos pequenos empresários no centro do lugarejo ainda enfrentam dificuldades. Bares fecham, as fachadas de muitos prédios estão com reboco caindo, janelas estão lacradas com tábuas e pregos. No entanto, há mais policiais nas ruas e mais festivais da cidade. Canteiros de flores estão sendo construídos. Os prédios da prefeitura e da igreja estão sendo restaurados.
Clima político deteriorado
"Mas por trás da fachada, a coisa está desmoronando", reclama David Noel, secretário do Partido Comunista, sentado em seu escritório, localizado a poucos metros da prefeitura. Sob um cartaz do revolucionário Che Guevara, Noel afirma que o clima político se deteriorou radicalmente em Hénin-Beaumont.
"Há constantes abusos verbais e insultos terríveis", frisa, acrescentando que a oposição é alvo de ataques. O prefeito Briois alimenta uma rivalidade com o jornal local Voix du Nord, que ele chama de publicação esquerdista. Serge Décaillon, da associação filantrópica Secours Populaire Français (SPF), denuncia que a administração local corta subvenções e rescinde contratos de locação de entidades de assistência à população carente, que a FN diz serem comandadas por ativistas de esquerda.
"A cidade se tornou muito mais xenófoba", acusa Etienne Balde, que trabalha para uma organização que ajuda a refugiados. "Isso é um enorme problema para a Frente Nacional, embora em Hénin-Beaumont praticamente não haja refugiados. Eles querem ir para outro lugar."
Balde afirma que antes de a FN assumir a prefeitura de Hénin-Beaumont, havia doações modestas da cidade para sua organização. "Agora, a torneira foi fechada. Não somos mais desejáveis", lamenta. "A nível nacional, a Frente Nacional mostra uma imagem bem boa. Mas ao olhar de perto, se vê que eles estabelecem uma espécie de ditadura a nível local", diz.
Questão migratória
O "laboratório" dos populistas de direita ganhou especial atenção na mídia quando o prefeito afirmou querer construir um muro contra a crescente criminalidade. Após debates acalorados, o muro se revelou ser uma construção na altura da cintura, com uma abertura para passagem. Ele era apenas um recurso para reduzir a velocidade do trânsito em uma área residencial.
Também a Carta para uma cidade sem imigrantes, anunciada pelo prefeito, permaneceu sem consequências. "Porque, de qualquer forma, quase não existem migrantes que queiram vir para Hénin-Beaumont", frisa Szczurek. A proibição de pedir esmolas no centro da cidade foi anulada por um tribunal.
A política anti-imigração, que Le Pen usa para atrair votos, parece não mobilizar os habitantes de Hénin-Beaumont. A cidade recebeu nos últimos 100 anos imigrantes belgas, italianos, poloneses e norte-africanos. Szczurek acredita que uma vitória da Frente Nacional nas eleições para presidente quase não afetará Hénin-Beaumont.
"Eu não sei se isso fará muita diferença. Cada cidade tem seus problemas especiais. Temos de nos adaptar aos problemas específicos de cada lugar. Não há uma ideologia abrangente ao país. Nós enfrentamos a realidade com alta eficiência. É por isso que funciona", diz.
O próprio Szczurek descende de imigrantes poloneses, mas isso não faz com que ele tenha problemas com a FN. A família dele, afinal, é francesa há muito tempo. "Já os novos imigrantes, aí é outra coisa", pondera.
No domingo, Le Pen deve discursar em sua cidade-exemplo, em um pavilhão que leva o nome do ex-presidente socialista François Mitterand. "Não é o ideal, mas não se trata de uma declaração política", diz Szczurek.