O insustentável peso da previdência
6 de junho de 2016O governo do presidente interino Michel Temer afirma que pretende aprovar uma reforma da previdência ainda neste ano. No momento, a previsão é que o rombo no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), responsável pelo pagamento das aposentadorias e benefícios dos trabalhadores do setor privado, alcance até 146 bilhões de reais em 2016 – um aumento de 70% em relação ao ano passado.
“À primeira vista não é nenhum segredo por que essa conta não fecha: o gasto é maior do que a arrecadação”, afirma o economista Raul Velloso.
Recentemente, a crise econômica pressionou ainda mais as contas. Com menos trabalhadores com carteira assinada, também caiu o tamanho das contribuições. No entanto, os problemas estruturais que pressionam a Previdência vêm se acumulando nas últimas décadas.
No momento, o principal canal da sangria da previdência é a aposentadoria rural, que na prática funciona como uma “assistência social” – ao contrário dos urbanos, trabalhadores rurais não precisam contribuir por um tempo mínimo para se aposentar.
Em 2015, o rombo nessa modalidade atingiu 94,5 bilhões de reais. Com regras mais generosas, a arrecadação nessa modalidade é baixa e cobriu só 7% dos gastos no ano passado. Parte desse prejuízo ainda foi coberto pela previdência urbana, que gerou um superávit de 5 bilhões, fazendo com que o rombo do INSS no ano passado ficasse em 89 bilhões de reais. Essa tem sido a regra nos últimos anos: a previdência urbana financiar a rural.
O problema é que a previdência urbana já mostra falta de fôlego para garantir a aposentadoria dos seus próprios trabalhadores. Em dezembro, ela registrou seu primeiro déficit desde 2008. Nos quatro primeiros meses de 2016 o rombo chegou a 6,4 bilhões de reais. No mesmo período de 2015, havia um resultado positivo de 7,1 bilhões.
Segundo o economista João Luiz Mascolo, do Insper, parte desse prejuízo pode ser explicada pela crise, mas o ritmo de aumento de gastos nos últimos anos já vinha corroendo aos poucos o superávit. Entre as causas estão a indexação do valor do piso da aposentadoria ao salário mínimo, que proporcionou aumentos acima da inflação, e o aumento da expectativa de vida da população, que faz com que mais pessoas se aposentem e recebam benefícios por mais tempo.
Em 1988, a expectativa de vida era 62,6 para homens e 69,8 para mulheres. Em 2014, de 71,6 e 78,8 anos, respectivamente. Com tudo isso, as despesas só vêm aumentando. Em 2007, os gastos da Previdência alcançavam 185 bilhões de reais. Hoje, passam de 400 bilhões.
O sistema também permite distorções que não existem em outros países. Pelas regras atuais, a idade mínima de aposentadoria – 60 anos para mulheres e 65 anos para os homens – só é exigida para quem quer se aposentar por idade.
Mas também é possível se aposentar por tempo de contribuição – 30 anos para mulheres e 35 para os homens – usando uma fórmula progressiva, a chamada 85/95, que consiste em uma soma de pontos referente ao período de contribuição e idade.
Nesse caso, por exemplo, um homem que começar a contribuir aos 18 anos já pode se aposentar aos 53 anos, quando atingir 95 pontos. Para as mulheres, são 85 pontos. O sistema pretende aumentar progressivamente os pontos necessários até chegar a uma fórmula 90/100 em 2026, o que deve ajudar a aumentar um pouco a idade de quem pedir a aposentadoria
Como diminuir o rombo?
Para especialistas, o atual sistema é insustentável. Segundo cálculos do pesquisador do Ipea Paulo Tafner, quem se aposenta por tempo de contribuição recebe o benefício por um prazo médio de 23 anos (homens) e 29 anos (mulheres). Já a média do tempo de pagamento de países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) está entre 19 e 21 anos. “Não é possível manter tantos aposentados por três décadas nesse sistema”, afirma o economista Velloso.
Para diminuir o rombo, o governo interino propõe instituir uma idade mínima, que pode ser fixada em 65 anos (sem diferença entre homens e mulheres) até mesmo para quem quiser se aposentar pelo fator 85/95, eliminando janelas para que pessoas se aposentem com pouco mais de 50 anos. Também existem planos para desvincular as aposentadorias do salário mínimo.
Um grupo de trabalho foi instituído para discutir propostas, mas ele acabou sendo boicotado por várias centrais sindicais, que não querem nem ouvir falar sobre reforma e consideram que o aumento progressivo da fórmula 85/95, instituído no ano passado, já é suficiente. No lugar da idade mínima, as centrais propõem, entre outras medidas, diminuir as isenções fiscais concedidas pelo governo a microempresários, que devem alcançar 20 bilhões de reais este ano.
Para o economista Mascolo, ainda que a instituição de uma idade mínima obrigatória seja necessária, o governo ainda assim vai passar longe dos verdadeiros problemas das aposentadorias.
“A previdência urbana vai enfrentar problemas, mas fica claro que a rural e a pública estão pressionando mais os gastos”, afirma. “Ninguém ousa mexer com funcionários públicos e o setor produtivo e movimentos sociais não querem nem ouvir falar de mudanças para trabalhadores rurais para arrecadar mais. Assim vai sobrar para os trabalhadores urbanos, uma maioria silenciosa que reclama menos.”
Servidores federais e militares recebem seus benefícios da previdência pública. Em 2016, o rombo nesse setor deve alcançar 70 bilhões de reais. A diferença entre o rombo estimado do INSS, de 146 bilhões, e o do setor público é que o primeiro atende mais de 28 milhões de pessoas (entre aposentados, pensionistas e segurados), enquanto o segundo apenas 1 milhão de servidores e militares da reserva. “É um número espantoso. A maioria dos brasileiros trabalha para financiar a aposentadoria de uma elite”, conclui Mascolo.