O fim da era Janot
15 de setembro de 2017Há cerca de um mês, a imprensa brasileira apostava que o fim de mandato do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, seria marcado por mais uma enxurrada de denúncias contra o meio político, que colocaria Brasília mais uma vez contra a parede.
"Enquanto houver bambu, vai ter flecha", disse Janot em julho, dando o tom do que se esperava do seu papel na Procuradoria-Geral da República (PGR) até o fim do mandato, que se encerra oficialmente neste domingo (17/09).
No entanto, a previsão, embora não tenha se revelado incorreta, foi incompleta. Na reta final, a lista de alvos de suspeitas passou a envolver a própria PGR. A apresentação de novas denúncias contra o presidente Michel Temer, seus aliados do PMDB e PP e até ex-aliados do PT, acabou tendo que dividir os holofotes com as controvérsias crescentes da delação da J&F, que envolvem o ex-braço direito do procurador-geral, o procurador Marcelo Miller, suspeito de ter atuado ilegalmente a favor da holding bilionária.
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Assim, o combativo Janot dos últimos anos acabou tendo que atuar como um personagem na defensiva, correndo para conter os danos causados à sua própria imagem e à da PGR.
Ao longo do mandato, mudanças na postura de Janot surpreenderam. Antes de assumir o cargo como chefe da PGR, Janot era conhecido pela postura discreta e conciliadora nas quase três décadas que passou no Ministério Público. Ao tomar posse, suas promessas pareciam modestas: reduzir o número de processos em poder da PGR e tentar melhorar a relação do órgão com o Congresso, bastante desgastada após o julgamento do mensalão.
Quatro anos depois, o discreto deu lugar ao mais conhecido e marcante procurador-geral da República desde a adoção da Constituição de 1988 (que conferiu poderes inéditos ao Ministério Público). A monotonia da redução de processos deu lugar a denúncias explosivas contra figuras como Temer, o ex-deputado Eduardo Cunha, o senador Renan Calheiros, o tucano Aécio Neves e os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Nunca se viu tantos políticos acossados ao mesmo tempo. Ele ainda conseguiu atirar suas últimas flechas ao apresentar uma segunda denúncia contra Temer nesta quinta-feira.
Ofensiva contra políticos
O pontapé inicial, no entanto, não partiu do próprio Janot, mas da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, que acabou envolvendo a PGR quando a prisão de doleiros e empresários acabou mostrando uma trilha que levaria ao meio político, o qual só poderia ser investigado pelo procurador-geral.
Ao abraçar a Lava Jato, Janot passou a conviver com acusações de políticos de que estaria favorecendo ou perseguindo algum grupo. Ainda no governo Dilma, foi acusado de fazer o jogo da oposição. No governo Temer, foi a vez de o novo presidente acusá-lo de tentar derrubar sua administração.
Tal reação do mundo político se deu na esteira de uma série de episódios históricos. A PGR sob Janot conseguiu no Supremo Tribunal Federal (STF), entre outras coisas, o afastamento pela primeira vez um presidente da Câmara (Eduardo Cunha) e a prisão de um senador (Delcídio do Amaral) e ainda apresentou uma inédita denúncia criminal contra um presidente da República (Michel Temer).
Sob Janot, a PGR entregou mais de uma denúncia por mês contra políticos nos últimos dois anos, período em que a Lava Jato chegou ao meio político. De saída para dar lugar a Raquel Dodge, Janot limpou as gavetas e apresentou cinco novas denúncias nos últimos dez dias. Tal como havia prometido, ele também conseguiu reduzir em 70% o acervo de processos em seu gabinete.
O resultado prático de tantas denúncias ainda é misto. Apesar do barulho, a maior parte ainda continua nos estágios iniciais. Das duas "listas de Janot", feitas com base na delações iniciais da Lava Jato e depois da delação da Odebrecht, apenas cinco políticos com mandatos se tornaram réus no STF. Temer também acabou se revelando um oponente mais formidável, conseguindo derrubar na Câmara a denúncia criminal apresentada pela PGR. São poucos que apostam que a segunda denúncia, apresentada na quinta-feira (14/09) deve avançar.
O próprio Janot afirma ter ficado decepcionado com o ritmo das investigações. "A velocidade não foi aquela que eu gostaria que tivesse sido", disse em julho.
De "ingrato" e "desqualificado" a "sério e decente"
Em boa parte do mundo político atingido por Janot, a opinião sobre ele naturalmente não foi favorável. Temer, acusado de corrupção passiva e de ser o comandante de uma organização criminosa, disse que Janot fez "trabalho trôpego" com o objetivo de "parar o país". Lula, também denunciado como "grande idealizador" de organização criminosa, chamou o procurador de "ingrato".
Nenhum dos desafetos foi mais célebre do que o controverso ministro do STF Gilmar Mendes, que é sempre criticado por sua proximidade com políticos e foi alvo de um pedido de suspeição de Janot. Segundo Mendes, Janot foi "o procurador mais desqualificado da história da Procuradoria". Já o ministro do STF Luís Roberto Barroso afirmou recentemente que o procurador-geral é uma pessoa "séria e decente" que "tenta fazer seu trabalho".
Fora desse meio, a discussão sobre o legado do procurador-geral ainda está em andamento. Para o procurador Paulo Roberto Galvão, da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, a gestão de Janot foi "o ápice" da profissionalização do Ministério Público (MP) desde 1988.
"Nesse período, o MP identificou áreas de atuação realmente prioritárias e colocou o combate à corrupção como a principal delas. Janot criou setores como a secretaria de cooperação internacional, e isso levou a uma multiplicação das possibilidades de investigaçã", disse Galvão. "Ele também tomou a decisão de prosseguir com a Lava Jato não importando onde o caso pudesse chegar."
Para o jurista e ex-desembargador Walter Maierovitch, o saldo dos dois mandatos de Janot é positivo. "Ele se saiu bem. No começo, chegou a ser acusado de perseguir um grupo político para beneficiar outro, mas as denúncias mostraram que ele tratou todos como iguais no combate à corrupção", avaliou.
Segundo Maierovitch, as controvérsias em torno da colaboração do empresário Joesley Batista, da JBS, não são suficientes para reverter o saldo positivo da gestão do procurador-geral.
"Diante de tanto que foi feito, era natural que erros fossem cometidos. A própria legislação brasileira – que exige que as investigações se desenrolem em um ritmo muito rápido, longe do ideal, para garantir o andamento do processo – acabou prejudicando Janot", disse.
Ainda segundo Maierovitch, o fato de o procurador Miller, que trabalhava para Janot, ter sido aparentemente cooptado pela J&F explicita mais a infiltração e capacidade das organizações criminosas do que a postura de Janot.
Mais crítico, o jurista e advogado Lenio Streck, afirma que Janot atuou como um "procurador da Lava Jato", e não como se espera que atue um chefe da PGR. "O MP vive uma crise de identidade, Janot, em vez de agir como chefe de um órgão imparcial, acabou agindo como parte, como acusador sistemático ou advogado de acusação, como se os fins sempre justificassem os meios", afirmou.
"O MP deveria atuar como magistrado, que não tem lado. Seu lado é a lei e a Constituição. Por exemplo, cabia a Janot verificar o episódio da divulgação ilegal das escutas envolvendo Lula e Dilma, mas ele nada fez", concluiu o advogado.
Pós-PGR
Após deixar a chefia da PGR, Janot deve retornar à função de subprocurador-geral, que exercia antes do comando do órgão. Depois de se aposentar, deverá passar por uma quarentena de três anos afastado de funções que tenham relação com a procuradoria.
Ele também disse que pretende atuar no futuro na área de compliance de empresas, setor que planeja e regula práticas para evitar que elas cometam crimes, uma atividade que vem ganhando importância depois de várias companhias serem atingidas pela Lava Jato.
"O compliance é um passo à frente no nosso processo civilizatório. O objetivo é evitar o ilícito. O caminho vai ser este. É o que eu imagino para mim depois que eu me aposentar", afirmou Janot em agosto, evidenciando que não pretende deixar a Lava Jato completamente para trás.