O fim da Alemanha comunista visto por seu serviço secreto
22 de setembro de 2019"Ultrassecreto!", consta da folha de papel ligeiramente amarelada datada de 8 de outubro de 1989, tratando da "atual situação política interna da RDA", a República Democrática Alemã. No dia anterior, o regime comunista, encabeçado pelo chefe de Estado e de partido Erich Honecker, celebrara seus 40 anos de existência. Mas não é disso que trata o relatório de sete páginas do Ministério de Segurança do Estado (MfS), conhecido como Stasi. Pelo contrário: ele temia "que o Estado socialista e a ordem social na RDA estejam em sério perigo".
Um mês mais tarde, em 9 de novembro, caía o Muro de Berlim, mostrando como a preocupação era justificada. O fim da RDA era agora apenas uma questão de tempo, e não passaria nem um ano até a Reunificação Alemã, em 3 de outubro de 1990.
A essa altura, há muito o Stasi se tornara história, dissolvida sob a pressão dos ativistas dos direitos civis durante a revolução pacífica. Ironia da história: as referências ao fim que se aproxima podem ser encontradas nos relatórios secretos do Partido da Unidade Socialista da Alemanha (SED), agora disponíveis no livro Die DDR im Blick der Stasi (A RDA na visão da Stasi).
A "Informação nº 519/89", de 5 de dezembro de 1989, descreve em detalhes como cerca de 50 membros da oposição invadiram o gabinete do Stasi, em Leipzig. Após eles terem ocupado o aparato "em seus pontos nevrálgicos", "a repartição distrital ficou paralisada". As forças propulsoras são grupos com nomes programáticos: Iniciativa Paz e Direitos Humanos (IFM), Novo Fórum (NF) e Despertar Democrático (DA). Nomes que aparecem com frequência crescente nos relatórios do Stasi, no terceiro trimestre de 1989.
Os protagonistas são descritos no jargão típico da polícia secreta comunista: "quase exclusivamente funcionários conhecidos da Igreja reacionária e outras forças de oposição hostis". Um deles era Peter Grimm, cofundador do IFM e editor do jornal clandestino Grenzfall.
Uma experiência fundamental para o então jovem de 24 anos foi a reação da RDA à repressão brutal do movimento democrático na China: os governantes em Berlim Oriental se solidarizaram de forma demonstrativa com os comunistas de Pequim."Uma escalada de tensão estava à vista", afirma Grimm, 30 anos depois, "quem se comporta irracionalmente não é previsível."
O medo de uma reação semelhante por parte do vulnerável regime da RDA contra sua própria população era assustadoramente real em 1989. Hans Modrow, o político do SED responsável pelo distrito de Dresden, também suspeitava disso. Na Alemanha Ocidental, ele era considerado um portador de esperança, alguém capaz de iniciar reformas democráticas na RDA, na linha do então chefe do Kremlin, Mikhail Gorbachev.
E, de fato, é Modrow quem, apenas quatro dias após a queda do Muro de Berlim, segue um novo rumo como novo chefe de governo. Os ativistas de direitos civis o instam, na assim chamada Mesa Redonda de fevereiro de 1990, a nomear membros da oposição para seu gabinete. A tentativa de Modrow de salvar o Stasi na nova era, sob o nome Gabinete de Segurança Nacional (AfNS), falha.
Poderoso durante 40 anos, o Stasi é atropelado pelos acontecimentos de tal forma, que não registra com uma única palavra a histórica abertura da fronteira, em 9 de novembro. A historiadora Daniela Münkel se questiona até hoje por que essa espantosa lacuna nos relatórios do Stasi de 1989, de costume pedantemente detalhados.
Uma explicação possível: a queda do Muro de Berlim fora mostrada ao vivo na televisão em todo o mundo. "O que mais há para relatar?", pergunta retoricamente a editora do atual volume da série Die DDR im Blick der Stasi.
Em novembro de 1989, o Ministério de Segurança do Estado alemão-oriental estava apenas preocupado em assegurar a própria existência, afirma Münkel. Esse esforço fútil também se reflete nos relatórios. Com o Muro já aberto há cinco dias, o Stasi ainda fazia autopublicidade: "Em muitas discussões, os funcionários do MfS expressam sua vontade e disponibilidade para apoiar ativamente o curso da mudança e ajudar a restaurar a relação de confiança entre o partido e o povo", consta de um relatório sobre a "situação atual".
Mas já era tarde demais, a chegada de uma nova época era irreversível. A historiadora Daniela Münkel conclui: o Stasi ainda tinha tudo sob controle no primeiro semestre de 1989, mas isso mudou quando a oposição da RDA se tornou um movimento de massas. Tentou-se salvar o que ainda poderia ser salvo e, no final, o serviço secreto comunista se tornou um "cronista de sua própria queda".