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O fenômeno bizarro das crianças loucas por skincare

Nina Lemos
Nina Lemos
13 de agosto de 2024

A indústria de cosméticos, extremamente lucrativa, parece ter encontrado um novo filão: mirar nas crianças e criar assim uma geração de dependentes-consumidores que vão comprar a vida toda.

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Porta de uma loja da Sephora em Paris
"Sephora é uma das marcas de produtos de beleza mais badaladas e caras de nossos tempos."Foto: Abdullah Firas/ABACA/picture alliance

No vídeo, ela mostra sua rotina de beleza e seus produtos favoritos. Na bancada de maquiagem, ela quase nem aparece dada a quantidade de produtos como hidratantes, séruns e outros "creminhos" e fórmulas de marcas de beleza famosas e caras, como a Drunk Elephant e a Bubble. São cerca de 20 potes e frascos.

A gente podia achar exagerado se a influenciadora em questão fosse uma mulher adulta, mas cada um faz o que quer. O problema é que quem aparece no vídeo é uma criança de 10 anos. Além disso, o vídeo é exibido no TikTok de seu pai, o influenciador britânico Jonathan Joly, que possui cerca de 3,7 milhões de seguidores nessa rede social e 1,87 milhões no Instagram.

A filha de Joly é apenas uma das milhares de representantes do fenômeno "Sephora Kids" (crianças Sephora, em tradução literal). A Sephora é uma das marcas de produtos de beleza mais badaladas e caras de nossos tempos, com lojas espalhadas mundo afora. A tendência perturbadora tem alarmado dermatologistas.

Não é para menos. Na rede preferida pelas crianças, o TikTok, os vídeos de rotina de beleza protagonizados por crianças estão por todo lado. Com faixas na cabeça como adultos, meninas com menos de 10 anos mostram que são obcecadas por produtos de beleza. Algumas delas usam produtos que contém retinol (um ácido com efeito "rejuvenescedor") e muitos outros produtos que não são indicados para crianças.

"A gente usa esse rolinho para espalhar o creme, o movimento tem que ser para fora, assim, para não criar rugas no futuro", fala uma menina de apenas 8 anos em um dos centenas de vídeos que assisti para escrever esse texto. A mãe, do lado, sorri. Ela não diz que a filha não devia estar preocupada com isso e que, inclusive, os sinais do envelhecimento são algo natural, não um monstro a ser temido por crianças.

É claro que as "Sephora Kids" são principalmente meninas, as maiores consumidoras de produtos de beleza. A indústria de cosméticos, extremamente lucrativa, parece ter encontrado um novo filão: mirar nas crianças e criar assim uma geração de dependentes-consumidores que vão comprar a vida toda. Ideia de gênio (do mal).

É claro que crianças não passam a seguir rotinas de beleza e a sonhar com produtos de belezas caros "do nada". Elas são influenciadas pelas redes sociais, em um círculo vicioso, onde cada vez mais meninas mostrando vídeos de skincare vão levar outras a fazer o mesmo. Elas também são mais suscetíveis aos apelos de consumo.

Pais influenciadores

Acho que a maioria dos pais sabe que crianças não devem estar preocupadas com envelhecimento e que esses produtos podem fazer mal real para a pele e mente dos filhos. Mas há também o mundo dos pais influenciadores que lucram expondo seus filhos na internet. Alguns desses parecem ter entendido que filmar crianças seguindo rotinas de beleza ou comprando produtos gera cliques e, logo, dinheiro.

Uma das tendências no Youtube são vídeos do estilo "deixei minha filha gastar R$ 7 mil na Sephora", nos quais vemos crianças correndo dentro de lojas e comprando produtos de adulto como se estivessem na Fantástica Fábrica de Chocolates – um filme antigo que marcou a infância de muitas de nós. Só que, ao invés de correrem o risco de caírem em lagos de chocolate, elas podem se afogar em ácido retinóico.

E não sou só eu que estou falando. O fenômeno causa preocupação em dermatologistas de todo mundo. Segundo a Associação Britânica de Dermatologia, muitos dos produtos podem causar irritações em peles jovens e também alergias graves.

Além disso, eles alertaram para o fato de que muitos dos produtos são vendidos em embalagens sugestivas, muitas vezes brilhantes e coloridas, e, portanto, atraentes para as crianças. Até os nomes são atraentes, não? Eu mesma, confesso, à primeira vista, pensei que a Drunk Elephant e a Bubble eram marcas destinadas para crianças. Não são.

No site da Drunk Elephant, eles explicam que há produtos que podem ser usados por menores de 12 anos e que outros não são recomendados. Eles listam também quais as crianças menores de 12 podem usar sem medo. A Bubble também apresenta no site uma lista de produtos indicados para "iniciantes", ou seja, menores de 13 anos. Mas, bem, então está liberado para uma jovem de 15 anos usar creme antienvelhecimento?

Entre as perguntas e respostas do site da Drunk Elephant, uma me chamou atenção: "Bebês podem usar Drunk Elephant?". Se essa pergunta está lá é porque há quem faça rotina de skincare em bebês. E, sim, eu vi um vídeo no TikTok onde uma bebê de uns seis meses passava por uma.

E a tendência de aceitar o envelhecimento?

É no mínimo curioso que as crianças estejam usando produtos para prevenir rugas (sic) justamente em um momento em que o mundo todo fala da luta contra o etarismo e também de envelhecer sem medo.

Meu palpite: na verdade não estamos avançando tanto assim nesse ponto. Existem exemplos pontuais de mulheres famosas que envelhecem lindamente sem procedimentos, claro. Mas muitas mulheres seguem escravas, principalmente em países como o Brasil e os Estados Unidos (campeões mundiais de cirurgias plásticas e procedimentos estéticos).

Se nossas crianças já estão tão envenenadas com os vírus da juventude eterna e do consumismo desenfreado é porque alguma coisa está muito errada. E a indústria de beleza, que lucra com a insatisfação feminina, agradece.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.