Você pega o seu telefone celular para ver as horas. Quando dá por si, já está há meia hora perdida num buraco negro de vazio, assistindo sem pensar a vídeos no Instagram que mostram pessoas desconhecidas fazendo coisas idiotas, como dar conselhos (bobos), arrumar malas e outros nadas semelhantes. Antes de sair, você passa por seu feed, vê amigos e conhecidos voltando da ginástica, postando comidas saudáveis e, mesmo se sentindo angustiada, tem dificuldade de largar o celular e ir cuidar da vida.
Isso não acontece porque somos "fracos".
Vamos ser claros e lembrar: joguinhos e redes sociais foram feitos para viciar. A ideia é que passemos cada vez mais tempo conectados, perdidos em feeds de Instagram ou TikTok, vendo propagandas e consumindo. E para isso, eles usam estudos e ferramentas superprofissionais. Se você ainda não viu o filme O enigma das redes, veja, tem na Netflix. Se até para nós, adultos, é praticamente impossível se controlar e largar esse vício que nos deixa ansiosos e angustiados, imagine o que acontece com a cabeça das crianças e adolescentes, cujos cérebros estão sendo formados e amadurecendo? Pois é.
O uso abusivo de celulares por crianças e adolescentes é um problema de saúde pública. Celular conectado faz mal para crianças (e também para adultos, repito), e não sou eu que estou dizendo, mas instituições como a ONU e associações de médicos do mundo todo que alertam sobre os danos que redes, dancinhas, algoritmos e joguinhos aparentemente inocentes podem causar para crianças.
Há anos vemos as crianças e os adolescentes cada vez mais ansiosos e viciados em seus telefones sem fazer nada. Mas a maré talvez esteja mudando. Uma prova: muitos países e estados já proíbem o uso de celular em escolas. E, em São Paulo, o Movimento Desconecta, criado por pais de escolas particulares da cidade, lançou uma ideia muito simples. Eles propõem que pais passem a dar celulares para seus filhos só com mais de 14 anos. Isso tornaria mais fácil para que os responsáveis pudessem adiar o acesso de seus filhos ao aparelho, já que evitaria o efeito "todo mundo tem, menos eu" entre os adolescentes. "Ah, mas é importante saber onde um filho está em uma grande cidade", argumentam muitos, e com razão.
O movimento e também outros pais do Brasil e do mundo adotaram também uma outra estratégia para "desconectar” os jovens: dar para eles os mesmos aparelhos que já foram adotados por alguns jovens da geração Z: um dumb phone (um telefone burro). Esses aparelhos são iguais aos que tínhamos nos anos 2000. Eles servem para telefonar. Sim, gente, até esquecemos, mas aparelhos de telefonia celular também funcionam para fazer ligações telefônicas. Assim, as pessoas podem se comunicar durante emergências sem cair nos buracos negros das redes sociais.
Em seu livro recém-lançado A geração ansiosa (como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais), o psicólogo e autor de best-sellers Tom Haidt afirma que os transtornos mentais em crianças e adolescentes que passam o dia grudados em smartphones crescem em todo o mundo. O que ele fala não é exatamente surpreendente.
Em 2023, dezenas de estados dos EUA processaram a Meta e o Instagram sob a alegação de que elas contribuem para uma crise de saúde mental de jovens por meio da natureza viciante das suas plataformas de redes sociais. Há anos especialistas alertam sobre os perigos das redes sociais para jovens. E há anos fingimos que não vemos. Que bom que estamos acordando. Antes tarde do que nunca. Também no ano passado, a Unesco divulgou um relatóriono qual afirma ter imensa preocupação com o uso de celulares nas escolas. Esse é um problema sério. De verdade.
Celulares proibidos pelo mundo
Uma prova de que os pais (e eu, que escrevo este texto) não estamos sendo catastrofistas é o fato de vários países já proibirem o uso de celulares na escola. Esse é o caso, por exemplo, da Holanda e da França. No caso da Alemanha, a decisão é feita por escolas e estados. Mas, na maioria das escolas primárias, as crianças não podem usar celulares nem na hora do recreio. Alguns estados dos Estados Unidos, como Nova York e Califórnia, também querem implementar leis na mesma direção.
No caso do Brasil, os celulares já são proibidos em alguns locais, como, por exemplo, nas escolas municipais do Rio de Janeiro.
Poderíamos tentar seguir o exemplo e fazer um revival daqueles celulares estilo tijolão que usávamos nos anos 2000. Duvido que nos faça mal.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.