O Estado paralelo do premiê da Hungria
30 de abril de 2021O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, é atualmente um dos políticos mais astutos da Europa. Para garantir seu poder, ele já recorreu a muitos artifícios – desde o alinhamento da maior parte da mídia do país a uma lei eleitoral que favorece seu partido, o Fidesz.
A última ideia de Orbán, no entanto, supera mesmo os limites do regime que construiu para si na Hungria, democrático apenas no papel. Um Estado paralelo está sendo estabelecido para permitir ao primeiro-ministro e sua elite governante continuar controlando quase todas as áreas estatais e da sociedade mesmo após deixar o governo.
O motivo: na Hungria, há um clima cada vez maior de mudança política. Muitas pessoas estão cansadas de Orbán e estão cada vez mais incomodadas com a arrogância e os casos de corrupção na família do primeiro-ministro, amigos e em círculos partidários. As pesquisas há muito afirmam que a oposição unida tem boas chances de substituir o Fidesz nas eleições no próximo ano.
Nome estranho
A instituição, que deveria impedir um governo não liderado por Orbán de assumir o poder real, leva um nome que soa tão inofensivo quanto estranho: "Fundação de gestão de ativos de interesse público implementadora de tarefas públicas".
Na terça-feira, o Parlamento em Budapeste aprovou por maioria de dois terços uma lei sobre este novo tipo de instituição e pela criação de 32 fundações similares.
A maioria delas passará a administrar universidades públicas – assim, quase todo o sistema de ensino superior estatal húngaro será transferido para o controle de fundações, incluindo as instituições vinculadas a elas, como hospitais universitários.
A parte menor, mas mais substancial das fundações tem um caráter geral e é encarregada de tarefas de quase todas as áreas do estado – de educação, família, arte, juventude e esporte passando por produção de mídia, proteção ambiental, agricultura e desenvolvimento econômico até relações internacionais e apoio às minorias húngaras no estrangeiro.
Bilhões
Com isso, é garantido que depois de uma mudança de governo todo novo governo terá que dividir o poder com um "governo paralelo oculto na administração, dirigido por Viktor Orbán", escreve o advogado e ex-parlamentar liberal András Schiffer.
As fundações são dotadas de uma fortuna de bilhões de dólares, difícil de ser quantificada: além das universidades e seus bens, as novas instituições também recebem imóveis de todos os tipos – de simples prédios a palácios, parques e florestas – bem como participações em empresas estatais.
Um exemplo é o Matthias Corvinus Collegium (MCC), originalmente uma pequena e não muito importante escola de elite relacionada ao Fidesz, fundada por András Tombor, um dos mais influentes assessores de Orbán e uma das lideranças do Fidesz. Numa canetada, o MCC recebeu 10% das ações da petrolífera MOL e da farmacêutica Gedeon Richter. Valor estimado: o equivalente a cerca de um bilhão de euros (R$ 6,5 bilhões). São somados a isso valiosos imóveis e terras em todo o país, assim como bilhões de florins adicionais do orçamento do governo.
As fundações funcionam de modo independente e não estão sujeitas a qualquer supervisão estatal. Elas só podem gastar seu dinheiro para o fim previsto, entretanto são livres para decidir de que forma o fazem. Uma emenda à Constituição aprovada em dezembro passado só permite mudanças na forma de funcionamento do sistema através de uma maioria de dois terços dos membros do Parlamento. É extremamente improvável que a oposição consiga tal margem num futuro próximo.
Curadores nomeiam sucessores
As novas instituições são dirigidas por conselhos de curadores cujos membros são nomeados pelo governo no momento da criação da fundação – por um período ilimitado. Os próprios curadores nomeiam seus sucessores. Entre os curadores já conhecidos estão ministros, secretários de Estado e numerosos empresários próximos de Orbán.
O governo explica a necessidade do novo modelo de fundações argumentando que o engajamento do Estado no século 21 deve ser repensado e que as tarefas públicas devem ser cumpridas de forma mais eficiente – de acordo com o texto explicativo da nova lei.
"Privatização predatória"
O bloco de oposição unificado da Hungria, por outro lado, ao qual os seis mais importantes partidos de oposição se uniram no final do ano passado, fala em "privatização predatória" e "roubo".
"Condenamos veementemente que o regime queira se salvar e transferir bens públicos e dinheiro de impostos para as mãos privadas do Fidesz", escreveram em um comunicado.
Miklós Ligeti, diretor do escritório húngaro da ONG Transparência Internacional, descreve o novo modelo de fundação como uma das medidas mais sérias desde que Orbán chegou ao poder em 2010, com uma maioria de dois terços do Parlamento. "A coisa toda é uma ideia perspicaz mas malévola, cujas dimensões só podem ser comparadas com a nacionalização comunista", diz Ligeti à DW. "E é um modelo absolutamente único, que não existe em nenhum outro lugar nesta forma, não nas democracias ocidentais, porque nelas existe o Estado de direito, e não nas ditaduras orientais porque nelas não é dado importância a formalidades."
Os partidos oposicionista húngaros prometem que irão abolir as novas fundações no caso de uma vitória eleitoral e devolver os seus bens ao Estado – e portanto ao público. Miklós Ligeti diz que para isso realmente seria preciso uma "revolução do Estado de direito".
"A única possibilidade que vejo seria invocar um artigo da Constituição húngara contra ditadura e arbitrariedade, segundo o qual 'todos têm o direito e a obrigação de agir por meio das leis contra tais esforços'."