Hungria proíbe adoção de crianças por casais do mesmo sexo
15 de dezembro de 2020O parlamento da Hungria aprovou nesta terça-feira (15/12) um pacote de medidas anti-LGBT que inclui a inscrição na Constituição da noção tradicional de gênero e uma medida que na prática bane completamente a adoção de crianças por casais do mesmo sexo. O parlamento é controlado pelo Fidesz, o partido de ultradireita do primeiro-ministro Viktor Orbán.
"A mãe é uma mulher, o pai é um homem", decreta uma emenda à Constituição aprovada com o apoio de mais de dois terços dos deputados. "A Hungria defende o direito das crianças de se identificarem com seu gênero de nascimento e garante sua educação com base na identidade constitucional de nossa nação e nos valores baseados em nossa cultura cristã", acrescenta a emenda.
Outra medida do pacote teve como alvo a adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Ela estabelece que apenas pessoas casadas poderão adotar crianças e que pessoas solteiras precisarão de uma permissão especial do ministério responsável pelos assuntos de família. Na Hungria, o casamento gay não é permitido, então, na prática, a lei exclui casais do mesmo sexo.
Organizações de direitos humanos condenaram as mudanças aprovadas pelos deputados húngaros. O diretor da Anistia Internacional no país, David Vig, disse que as "novas leis discriminatórias, homofóbicas e transfóbicas são apenas o último ataque das autoridades húngaras à população LGBT" e que se trata de "um dia negro para a comunidade LGBT da Hungria".
A ONG também publicou em seu site várias declarações de repúdio de membros de organizações LGBTQ. "Essa tentativa de empurrar essas novas leis discriminatórias, homofóbicas e transfóbicas é parte de um ataque contínuo às pessoas LGBTI pelas autoridades húngaras", disse Katrin Hugendubel, da Associação Internacional de Gays e Lésbicas (ILGA, na sigla em inglês).
Pacote aprovado após escândalo da "orgia gay"
O novo pacote foi aprovado mesmo após o recente escândalo envolvendo József Szájer, um dos fundadores do Fidesz, e que foi um dos principais promotores da Constituição aprovada por Orbán em 2011, um ano depois da chegada do partido ao poder. O documento já antecipava uma série de medidas anti-LGBT e o que seus apoiadores classificam como "defesa da família" e dos "valores da Hungria".
No final de novembro, Szájer, que atualmente cumpre mandato como eurodeputado, foi flagrado pela polícia em Bruxelas no que foi descrito como uma "orgia gay". A batida ocorreu porque os participantes estavam desrespeitando as normas de distanciamento impostas para combater a pandemia. O caso levou críticos do governo Orbán a acusar o Fidesz de hipocrisia.
Em maio, a Hungria, já havia proibido a mudança de sexo em documentos de identidade e o reconhecimento jurídico de pessoas transgêneros. A medida ocorreu pela substituição da palavra sexo por "sexo atribuído no nascimento" em certidões de nascimento, casamento e óbito.
Na prática, isso passou a impedir que as pessoas trans e intersexuais pudessem alterar o nome e obter a documentação correspondente à sua identidade de gênero. O "sexo atribuído no nascimento" foi definido como "sexo biológico baseado em características sexuais primárias e cromossomos". Previamente, no país que é membro da União Europeia desde 2004, as pessoas estavam autorizadas a solicitar uma alteração de sexo no seus documentos.
Após ter limitado a independência da Justiça e da mídia em geral quando regressou ao poder em 2010, Orbán iniciou um projeto de "nova era" cultural destinado a promover os valores cristãos e tradicionais. O movimento se intensificou na sequência da sua reeleição, em 2018.
No início de maio, o parlamento húngaro também rejeitou a ratificação de um tratado internacional destinado a reforçar a proteção das mulheres vítimas de violência, mas entendido pelo governo húngaro como promotor "da ideologia destruidora do gênero".
Antes disso, Budapeste tinha já retirado os estudos de gênero da lista dos manuais universitários. O país ainda costuma ser elogiado pelo ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo. O brasileiro já afirmou que os governos dos dois países têm "proximidade de ideias".
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