O Brasil na imprensa alemã (23/11)
23 de novembro de 2022Tagesschau − Partido de Bolsonaro contesta resultado eleitoral (23/11)
Cerca de três semanas após o segundo turno, que foi perdido por Bolsonaro, o Partido Liberal (PL) apresentou reclamação contra o resultado, exigindo que a autoridade eleitoral invalide a maioria dos votos lançados nas urnas eletrônicas. O partido citou um erro de software que, segundo especialistas independentes, não afetou a confiabilidade dos resultados eleitorais.
As autoridades eleitorais já proclamaram o adversário de Bolsonaro, o ex-chefe de Estado de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva, vencedor do segundo turno. Ele derrotou o presidente de direita com 50,9% dos votos, Bolsonaro obteve 49,1%. Foi o resultado mais apertado em uma corrida presidencial desde o retorno do Brasil à democracia em 1985. Mesmo numerosos aliados de Bolsonaro já aceitaram o resultado, e ele próprio ainda não admitiu publicamente a derrota.
O presidente do PL, Valdemar Costa, disse a repórteres em Brasília que cerca de 59% de todas as máquinas utilizadas no segundo turno no dia 30 de outubro apresentaram mau funcionamento. Estas teriam impedido a reeleição de Bolsonaro. Segundo apuração do PL, se os votos dessas urnas fossem anulados, Bolsonaro teria vencido a eleição com 51,05%.
O chefe do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, disse imediatamente que o tribunal só consideraria a solicitação se o partido de Bolsonaro apresentasse um pedido em 24 horas incluindo também a anulação dos resultados do primeiro turno. Neste, o Partido Liberal conquistou mais assentos em ambas as casas do Legislativo do que qualquer outro partido.
Süddeutsche Zeitung (SZ) − Neymar, agora você vai pagar! (23/11)
No final de outubro, na Cinelândia, no centro do Rio, milhares se aglomeraram para comemorar a vitória do candidato presidencial de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva sobre o candidato de extrema direita Jair Bolsonaro. Eles também cantaram uma música sobre o jogador de futebol ativo mais famoso do Brasil. "Ei, Neymar, vai ter que declarar", gritavam, mas não era por simpatia.
"Ei, Neymar, agora você vai ter que declarar seus impostos", queriam dizer. Nessa noite, foram ouvidas canções de deboche ao número 10 da Seleção também em São Paulo e outras grandes cidades brasileiras.
Neymar Jr., o jogador de futebol mais caro do planeta e um dos garotos-propaganda do comércio desinibido da Fifa, nunca foi muito rigoroso quanto às suas obrigações fiscais. Mas por muito tempo a maioria dos brasileiros ignorou isso com a mesma ternura que fizera com seu machismo e suas escapadas. Quando ele fraturou seu inestimável pé mágico antes da Copa do Mundo na Rússia, o país ainda rezava coletivamente por sua recuperação, enquanto o convalescente deixou que um sósia o representasse em seus inúmeros compromissos promocionais e de marketing.
Hoje, é mais provável que muitas orações sejam sobre maldições de todos os tipos, e cada vez mais brasileiros estão admitindo isso abertamente. Metade do país rompeu com Neymar − ou Neymar com esta parte do país, que se pode chamar de a melhor metade porque é a metade democrática.
Nas últimas semanas e meses, o ex-herói nacional do futebol Neymar se transformou em figura política em seu país. Ele mesmo escolheu isso ao intervir massivamente na campanha presidencial por meio do poder de seus seguidores digitais. E do lado do antidemocrata, glorificador da ditadura, misógino e mentiroso Bolsonaro.
Antes do primeiro turno, Neymar disse que apoiava Bolsonaro por causa de "seus valores". Antes do segundo turno, ele postou um vídeo em que fazia uma dança de "vote Bolsonaro". Ele também anunciou que dedicaria seu primeiro gol na Copa do Mundo do Catar ao presidente, quando este ainda não havia sido derrotado. Agora, quantos brasileiros torcem para que esse gol nunca chegue? Estima-se que 50,9%. Os que votaram em Lula no dia 30 de outubro.
Naturalmente circulam boatos de todos os tipos, e é por isso que Neymar ficou do lado de Bolsonaro tão decididamente. E o boato mais comum foi espalhado pelo próprio Lula no popular podcast Flow. Neymar provavelmente está com medo de que ele, Lula, como presidente, descubra quantas dívidas fiscais Bolsonaro perdoou secretamente ao jogador de futebol. Os cantos maliciosos na noite da eleição também se referiam a isso: Neymar, agora você também vai ter que pagar!
Está bem documentado que ainda existem algumas contas pendentes com as autoridades fiscais brasileiras. Neymar está sob investigação por sonegação de impostos no Brasil há quase oito anos. Segundo apurou a imprensa brasileira, em 2021 teria depositado o equivalente a cerca de 15 milhões de euros numa conta fiduciáriacomo garantia de eventuais dívidas fiscais.[...] Neymar e seu pai também estão enfrentando acusações de fraude e corrupção na Espanha. Trata-se principalmente da duvidosa transferência de Neymar do Santos para o Barcelona em 2013.
O fato de o governo Bolsonaro ter comprado o afeto do herói do futebol com tolerância legal não é, pelo menos, um pensamento completamente despropositado. Por outro lado, também há muitos indícios de que essa explicação não vai longe o suficiente. Porque Neymar obviamente é bolsonarista por convicção. Anos atrás, ele foi fotografado de braços dados com o presidente extremista de direita. Naquele ano, ele convidou Bolsonaro para sua suposta Fundação Neymar, sem fins lucrativos, em Praia Grande, não muito longe de Santos. O pai e empresário de Neymar, assim como sua irmã Rafaella, uma influenciadora conhecida nacionalmente, também são eleitores declarados de Bolsonaro.
Acima de tudo, Neymar nunca se distanciou publicamente do fato de que sua camisa amarelo-canário com o número 10 se tornou em uniforme padrão e a etiqueta de identificação dos grupos extremistas de direita e antidemocráticos do Brasil. Quem bloqueia uma rodovia no Brasil hoje porque acha que a eleição de Lula é uma conspiração, quem vai ao quartel e exige golpe de Estado, geralmente usa a camisa de Neymar. E também uma bandeira do Brasil como capa.
Isso também é trágico porque "a amarelinha", como é carinhosamente chamada essa camisa, já foi um símbolo de integração. Se há uma coisa com que se concorda nesse tecido maluco que leva o nome de Brasil, dos gaúchos do Sul à metrópole industrial de São Paulo e aos povos indígenas da Amazônia, é o amor pela amarelinha.
Ela perdeu a inocência ainda em 2015/16, durante a onda de protestos da direita conservadora contra a então presidente Dilma Rousseff, que terminou em golpe parlamentar e em frenesi amarelo-canário. Aldyr Garcia Schlee, o homem que desenhou essa camisa na década de 1950, ficou profundamente envergonhado com essa instrumentalização política. Garcia Schlee acompanhou amargamente a queda de Dilma e a ascensão de Bolsonaro. Ao ver os fanáticos da direita se manifestarem com sua camisa, ele disse em entrevista ao SZ: "Gostaria de nunca ter inventado isso." Na Copa do Mundo de 2018, ele torceu para o Uruguai.
Aldyr Garcia Schlee morreu aos 83 anos em novembro de 2018, pouco mais de duas semanas depois que centenas de milhares de brasileiros comemoraram a vitória eleitoral de Bolsonaro com camisas amarelas de futebol. Pelo menos ele foi poupado das danças populistas de direita de Neymar.
O atual capitão da Seleção não é de forma alguma a única celebridade do esporte a se assumir ser fã Bolsonaro. A lista vai de Ronaldinho, Romário, Rivaldo, Robinho e Cafú, [...] aos ex-campeões mundiais de Fórmula 1 Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet. Mas ninguém fez isso de forma tão descarada quanto Neymar − e os outros senhores já encerraram suas carreiras há muito tempo. Neymar, por sua vez, chega ao Catar em grande forma esportiva, a julgar pelo que foi visto recentemente. Se conseguir conquistar esse troféu, mais cedo ou mais tarde Jair Bolsonaro também deverá tê-lo nas mãos.
Die Zeit – Fã-clube dos torturadores (22/11)
Vendo de fora, parece quase bizarro: milhares de brasileiros marcham há semanas em frente aos quartéis, bloqueiam rodovias e pedem um golpe de Estado aos generais. Os manifestantes vestem as cores nacionais, verde e amarelo, tocam hinos militares em alto-falantes portáteis e até experimentam formações de marcha amadoras. "Intervenção militar já", lê-se em seus cartazes, ou "SOS para os soldados!".
"Não me lembro de nenhum outro exemplo na história recente em que as pessoas praticamente idolatraram os muros do quartel", diz Christoph Harig em entrevista ao Zeit Online. O cientista político do Instituto de Relações Internacionais da Universidade Técnica de Braunschweig é a pessoa certa para responder a tais perguntas: ele é um especialista em assuntos militares brasileiros e pesquisa questões de segurança internacional em todo o mundo. Há alguns anos, o próprio Harig passou algum tempo em unidades militares brasileiras para fins de pesquisa e mais tarde lecionou na Universidade Federal de Hamburgo.
É questionável o que os manifestantes querem. "Parte da população, especialmente a classe média alta, obviamente preferiria aceitar uma ditadura militar do que um retorno ao poder do Partido dos Trabalhadores (PT) e de seu presidente Lula da Silva", diz o cientista político.
Em outras palavras, eles prefeririam ver tanques nas ruas e generais no palácio do governo do que aceitar o resultado das recentes eleições. Em 30 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro, um ex-capitão com laços estreitos com os militares, perdeu nas urnas. Mas, para os bolsonaristas radicais, seu sucessor eleito, Lula da Silva, é o Anticristo, e muitos até acreditam (sem nenhuma evidência) em fraude eleitoral.
Para Harig, está claro que a alta patente militar está ajudando a alimentar estas manifestações: "Os militares poderiam simplesmente impedir isso e dizer: 'Parem com isso, esta é uma área militar", afirma.
"Mas os militares obviamente não têm interesse em fazer isso. Presumo que as manifestações no quartel são vistas com complacência. Eles também apoiam o movimento com todo tipo de declarações vagas sobre 'liberdade de manifestação' e sobre as supostas 'preocupações legítimas' desses manifestantes."
Bild – Ataque de arrogância de Neymar (20/11)
O Brasil, um dos grandes favoritos da Copa, chegou ao Catar no sábado. Os campeões mundiais recordistas estão hospedados no luxuoso hotel The Westin Spa e foram euforicamente celebrados na chegada por cerca de 400 torcedores. Eles sonham com um sexto título da Copa do Mundo − o que para a superestrela Neymar já parece realidade.
O jogador do PSG é arrogante ou confiante?
No voo do campo de treinamento em Turim (Itália) para o emirado, Neymar vestiu o calção azul da seleção, em que se vê o brasão da CBF e "Brasil" escrito em letras amarelas.
Normalmente, estão bordadas ali cinco estrelas, que representam os cinco triunfos do país em Mundiais: 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002. Mas no calção de Neymar há uma sexta estrela, que ele aparentemente acrescentou de forma digital. Ao chegar ao destino, ele adicionou: "Os últimos serão os primeiros...".
O Brasil começará sua campanha na Copa na quinta-feira, contra a Sérvia. O objetivo: ganhar a sexta estrela. Um triunfo é especialmente importante para Neymar. Pois somente como campeão mundial é que ele se tornará um herói na história do futebol brasileiro.
O torneio no Catar é a terceira Copa do Mundo de Neymar depois de 2014 e 2018 − e provavelmente sua última chance. Em um documentário do DAZN, ele anunciou, em 2021, sua aposentadoria da seleção: "Acho que esta será minha última Copa do Mundo."
Berliner Zeitung – Tolerância zero contra o desmatamento (18/11)
"O Brasil está de volta" foi o recado de Luiz Inácio Lula da Silva − e a comemoração após seu discurso foi quase tão alta na conferência mundial do clima quanto num estádio. Mas ele não falou sobre o futebol brasileiro.
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Em sua primeira viagem ao exterior desde a vitória nas eleições, ele falou no Egito sobre um assunto ainda maior e mais importante do que o futebol e que está tirando seu país do isolamento político: "O Brasil está pronto para participar mais uma vez do esforço de criar um planeta mais saudável".
O político de esquerda prometeu mudanças reais para salvar a Amazônia das queimadas e do desmatamento em massa promovidos por Bolsonaro. A missão de Lula: "desmatamento zero".
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Sem a proteção da Amazônia, disse Lula, não haverá proteção do clima no mundo. Para agir contra o desmatamento, ele quer reconstruir órgãos de monitoramento. Qualquer um que contribuir para o desmatamento será rigorosamente responsabilizado. Além disso, haverá um ministério para os povos indígenas, para que possam participar de negociações com dignidade. Lula também propôs que a região amazônica do Brasil sediasse a cúpula do clima da ONU em 2025.
Lula, que governou o Brasil até 2010 e cuja condenação por corrupção foi posteriormente anulada, já havia formado uma aliança com a Indonésia e a República Democrática do Congo para proteger as florestas tropicais.
Ele pediu aos países industrializados que cumpram suas promessas − como o financiamento internacional do clima, com a garantia de fornecer 100 bilhões de dólares ao ano para proteção climática em países pobres de 2020 a 2025. Ele escreveu nas redes sociais: "O combate às mudanças climáticas deve ser um compromisso do Estado brasileiro. Trabalharemos pelo futuro do nosso país e do planeta, que é um só e de todos."
rw/lf