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O Brasil deveria revisar sua meta de inflação?

Fernando Caulyt
17 de fevereiro de 2023

A meta de inflação vem sendo alvo de críticas de Lula. Economistas ouvidos pela DW afirmam que pode ser contraproducente alterá-la para 2023. Entenda.

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Prédio do Banco Central do Brasil
A meta para a inflação é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), e cabe ao Banco Central adotar as medidas necessárias para alcançá-laFoto: Pedro Ladeira/AFP

A meta de inflação no Brasil se tornou alvo de repetidas críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas últimas semanas. Para ele, a ampliação da meta de inflação poderia abrir caminho para o Banco Central (BC) reduzir a taxa básica de juros, a Selic, que hoje está em 13,75% ao ano – o que impulsionaria a economia brasileira.

Em meio a embates entre Lula e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, houve economistas que classificaram a meta de inflação – atualmente de 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo – como irreal, devido à trajetória atual dos preços, que subiram nos últimos anos por causa da pandemia de covid-19 e da guerra entre Rússia e Ucrânia. Em 2022, o Brasil registrou inflação de 5,79%.

Alguns especialistas afirmaram ainda que o Brasil cometeu um erro ao reduzir o centro da meta de inflação, que foi mantida em 4,5% entre 2005 e 2018. Para eles, seria pertinente elevar a meta para próximo de 4%.

Porém, para economistas ouvidos pela DW, uma revisão da meta atual seria contraproducente, e a alteração poderia ser interpretada por agentes econômicos como um sinal negativo.

Revisar ou não a meta?

A meta de inflação de 2023 foi definida em junho de 2020 pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), que ainda manteve na época as metas de inflação para 2020, 2021 e 2022, respectivamente, em 4%, 3,75% e 3,5%. 

Na época, o governo destacou que a decisão mantinha o ritmo de reduções graduais da meta a cada ano, conduzindo o Brasil gradualmente para níveis de meta de inflação observados por grande parte das economias emergentes. E, ainda, que a pandemia contribuiria para a redução da meta, porque a crise econômica faria a maior parte dos preços cair – o que, na verdade, não ocorreu.

O CMN precisa definir as metas de inflação até o final de junho de três anos antes. Ou seja, o órgão deverá decidir a meta de 2026 até junho deste ano.

"O Brasil não deveria revisar neste momento a meta de inflação [de 2023], pois isso poderá surtir um efeito contrário. Quer dizer, os agentes econômicos podem achar que o BC será mais flexível com a inflação, e isso pressionaria a taxa de inflação e de juros no futuro", afirma Joelson Sampaio, professor de economia da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EESP).

O especialista acha importante não alterar a meta de inflação para este ano, mas discutir uma possível revisão para 2024, 2025 e 2026. "O ato de perseguir a meta passa uma mensagem de que o país está comprometido com a política monetária. Mesmo que o Brasil não atinja a meta, ele está perseguindo a meta – e isso é o mais importante", frisa Sampaio.

Também para Josilmar Cordenonssi, professor de Finanças e Economia da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), o Brasil não deveria revisar a meta de inflação atual, porque os efeitos de política monetária levam ao menos seis meses para surtir efeitos na economia real. Além disso, esse movimento seria uma péssima sinalização para o futuro.

"É contraproducente, já que todos pensariam: 'Afinal, a meta de inflação é para valer ou não?' Portanto, essa incerteza pode minar a credibilidade da política monetária neste momento e no futuro. É muito difícil conquistar credibilidade, mas muito fácil de perdê-la", diz Cordenonssi.

Ele aponta que os EUA e a zona do euro têm metas de inflação de 2%. "Mesmo a inflação na zona do euro tendo alcançado quase 10% [em 2022], não há uma discussão sobre alteração na meta para alinhar as expectativas com relação ao futuro. E isso não é uma questão meramente financeira", acrescenta.

O Brasil adotou o sistema de metas para a inflação em 1999, com uma meta inicial de 8%. Segundo o BC, desde a criação do regime de metas, a inflação ficou fora do intervalo de tolerância em sete anos: 2001, 2002, 2003, 2015, 2017, 2021 e 2022.

Vários países do mundo usam o sistema de metas de inflação desde os anos 1990 para definir limites para a variação de preços e evitar que eles fujam do controle – ficando altos ou baixos demais –, o que causa desequilíbrios na economia como um todo.

Relação direta entre Selic e meta de inflação

A Selic é um dos principais elementos da estratégia política monetária no Brasil, e o Banco Central usa a taxa básica de juros como uma ferramenta de controle da pressão inflacionária e para garantir a estabilidade dos preços.

Quando a inflação está acima da meta, como atualmente, o BC pode manter a Selic em patamares altos ou até mesmo aumentá-la para desestimular o consumo e favorecer a queda da inflação, pois os juros cobrados em empréstimos, financiamentos e cartões de crédito ficam mais altos – e, consequentemente, a demanda por bens e serviços diminui e pode contribuir para a redução dos preços.

Por outro lado, quando a inflação está abaixo da meta, o BC pode reduzir a Selic para estimular o consumo e aumentar a demanda por bens e serviços. A redução da Selic estimula a tomada de empréstimos, já que os juros cobrados nessas operações ficam mais baixos. Quer dizer, se os juros diminuem, o crédito fica mais em conta, e o consumo aumenta.

Autonomia do Banco Central

A autonomia do BC foi estabelecida em 2021, após o ex-presidente Jair Bolsonaro sancionar uma lei aprovada pelo Congresso. O presidente e os diretores do BC passaram a ter mandato fixo de quatro anos – e que não coincide com o do presidente da República.

Como a diretoria do órgão não pode ser demitida por subir a taxa de juros, a ideia da lei era blindar esses servidores de eventuais intervenções por parte do Poder Executivo em medidas como definição de juros e o controle da inflação, o que foi considerado por especialistas como um grande avanço institucional.

O BC tem autonomia para definir a Selic, porém, o CMN é o encarregado de decidir sobre crédito, meta de inflação e regulações sobre instituições financeiras. O CMN é formado atualmente pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad; pela ministra do Planejamento, Simone Tebet; e pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto. Cada um deles tem direito a um voto, e as decisões são tomadas por maioria simples.

O CMN se reuniu pela primeira vez no governo Lula nesta quinta-feira (16/02), porém, a reunião não incluiu discussões sobre a revisão da meta de inflação. Dois dias antes, Haddad já havia sinalizado que o tema não estava na pauta do encontro e, portanto, não seria discutido.