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O advogado brasileiro que virou operário em Portugal

14 de dezembro de 2021

Quando Eduardo Silva Medeiros se mudou para o país europeu, em 2015, o plano era ficar apenas dois anos e meio; agora ele e a família não pensam mais em voltar ao Brasil.

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Eduardo Silva Medeiros, a esposa e duas filhas
Eduardo com a família em PortugalFoto: Privat

A rotina de Eduardo Silva Medeiros, de 44 anos, é regrada como a de qualquer operário. Depois de deixar as filhas, de 11 e 9 anos, na escola, ele caminha até uma fábrica de sistemas hidráulicos e bate o cartão. Entre 8h e 16h30 ele é uma engrenagem na linha de produção de onde saem descargas, bombas d'água e estruturas correlatas para torneiras e afins. Enquanto isso, ele pensa.

"O que eu tenho de fazer, mecanicamente, me permite um luxo que é ter as oito horas de trabalho para pensar", comenta o gaúcho, nascido na cidade de Santiago. "Às vezes fico até com medo de pensar muito longe e não conseguir voltar."

Entre os pensamentos, está sua própria trajetória, é claro. E a felicidade de ter abdicado da possibilidade de, em suas próprias palavras, ter se tornado "um pobre homem rico" como advogado no Brasil. Em troca, está construindo uma vida mais tranquila na cidade de Aveiro, no norte de Portugal.

A escolha de Eduardo tem sido muito comum a conterrâneos que querem sair do país. De acordo com dados do Ministério das Relações Exteriores, já são 276.200 os brasileiros que vivem no pequeno país europeu, ligado historicamente ao Brasil. Facilidades vão desde o idioma a acordos que permitem o exercício de algumas profissões sem muitas dificuldades burocráticas. Portugal é, hoje, o segundo país no mundo com mais brasileiros.

Mas, no caso de Eduardo, o pontapé inicial da mudança foi, na realidade, uma oportunidade acadêmica de sua mulher, a designer Cristiane.

Gráfico mostra para onde vão brasileiros que emigram

"Papai mora na rodoviária?"

Em 2014, o advogado gaúcho enfrentava semanalmente um trajeto de quase 500 quilômetros para ver a família. Enquanto Cristiane e as filhas viviam em Caxias do Sul, o trabalho — como advogado de uma grande construtora — obrigava Eduardo a passar a semana em Rio Grande.

"Todos os domingos, à noite, a Cris me levava para a rodoviária. Um dia, uma de minhas filhas perguntou: 'mamãe, por que é que o papai mora na rodoviária e não em casa com a gente?'. Aquilo doeu muito", recorda.

Para piorar o cenário, a construtora onde ele trabalhava começava a se ver envolvida na megaoperação Lava Jato, que então vivia seu auge. Em Rio Grande, as obras eram relacionadas à exploração do pré-sal.

"Eu tinha um bom salário e, naquele momento, teria um bom acréscimo. Eles me ofereceram uma promoção, e financeiramente era aquilo que chamamos de irrecusável", diz.

Ao mesmo tempo, Cristiane, que era professora de uma faculdade privada em Caxias do Sul, estava no meio de um processo para fazer o doutorado na Universidade de Aveiro. O plano era ficarem apenas dois anos e meio, justamente o prazo em que ela conseguiria eliminar os créditos. A família viveria de economias acumuladas. "No meio tempo, eu tentaria fazer um mestrado em ciências políticas", conta Eduardo.

Quando ele recebeu a proposta de promoção, Cristiane disse que "tudo bem, podemos adiar a ideia de Portugal". Eduardo respondeu: "Nada disso, eu estou apenas contando que já disse não à construtora." Seus chefes, na época, argumentaram que apenas um em um milhão recusaria tal vaga.

"Lembro que meu pai [médico] perguntou o que eu iria fazer em Portugal, já que estava recusando essa melhora no trabalho. Eu respondi: 'olha, eu varro o chão, eu limpo peixe, eu faço o que tiver de fazer'", conta. "Eu sou tranquilo, não preciso de absolutamente nada."

Bilíngues em português

Em 7 de abril de 2015, com as malas cheias de pertences e sonhos, os quatro desembarcaram em Portugal. "Trouxe também meu sotaque do pampa do Rio Grande do Sul, porque isso vai morrer e ser enterrado comigo", comenta Eduardo.

A adaptação foi natural. A escola das meninas, pública, a 50 metros de casa e a universidade a 500 possibilitou que o casal fizesse tudo a pé ou de bicicleta. "E logo nos acostumamos com a segurança, caminhando à noite sem nos preocuparmos com carteiras, computadores, essa velha história", pontua. "Uma paz de espírito."

As crianças rapidamente aprenderam a se comunicar como os portugueses. "Se tornaram bilíngues em português, o brasileiro em casa e o europeu na escola e com os amigos", diz o pai.

Dois anos depois, Eduardo já sabia que queria ficar mais. Cristiane também sabia. Mas como ambos tinham o acordo dos tais dois anos e meio, ninguém ousava desrespeitar o combinado. "Estava com isso entalado na garganta. Um dia, caminhávamos na praia e eu disse: Cris, tenho uma coisa para te confessar — por mim, não volto!", relata. Como ela pensava o mesmo, o consenso foi automático.

Mas então era preciso que ambos procurassem empregos. Ela suspendeu o doutorado e arrumou trabalho em uma gráfica. Ele interrompeu os estudos de ciência política e foi tentar ganhar a vida com o que desse. Trabalhou como vendedor de planos telefônicos e de alarmes. Depois, conseguiu um posto em uma fábrica de pás eólicas.

Agora, busca pela casa própria

Em 2018, Cristiane conseguiu retornar ao doutorado, desta vez como pesquisadora remunerada. Dois anos atrás, Eduardo mudou de emprego. Segue operário, mas agora em uma fábrica de sistemas hidráulicos.

"Sinceramente, foi uma das melhores coisas que aconteceram na minha vida. Primeiro, por experimentar um trabalho diferente, eu nunca tinha feito nada além da advocacia no Brasil", conta. "A outra vantagem é que quando eu bato o cartão e tiro as minhas luvas, não tenho preocupações extras: sou inteiramente da minha família, e isso é um luxo imenso."

Ele vê a profissão atual como algo temporário — ainda quer voltar aos bancos acadêmicos para mergulhar nas ciências políticas. Como a família, decidida a ficar em Portugal, está em processo de buscar uma casa própria, o emprego fixo é importante.

"Agora que melhoramos de vida, adquirimos a capacidade de nos endividarmos. A credencial de ter trabalho efetivado, mesmo que seja numa fábrica, me deixa mais bonito para o gerente do banco. E logo estarei pedindo um financiamento imobiliário", conta.

Diariamente, das 8h às 16h30, esses planos também protagonizam os pensamentos de Eduardo.