Meu nome é Nelci Aparecida de Oliveira, sou mãe de dois filhos, Luciana e Cristiano, tenho quatro netos e gostaria de contar minha história.
Parei de estudar quando tinha 13 anos de idade. Lembro que minha família estava em condições muito precárias. Meu pai já era falecido e toda a responsabilidade de nossa família estava nas mãos de minha amada mãe, que precisava garantir a sobrevivência de cinco filhos através de trabalhos na roça.
Sou a segunda mais velha e não via muito sentido na escola. Eu assumia muitas responsabilidades, sinto que me tornei adulta cedo demais, e naquele contexto eu achava que não havia nada com que a escola pudesse me ajudar. Além disso, lembro que eu ia às aulas e não conseguia me concentrar de jeito nenhum.
Parei de frequentar a escola para ajudar minha mãe a cuidar de meus irmãos e, honestamente, não me arrependo. Eu não poderia ser apenas uma observadora frente à imagem de uma mulher que lutava tanto e sofria, muito provavelmente, na mesma medida.
Com 15 anos eu fugi de casa com meu namorado. Eu o amava muito e aquela atitude parecia correta. Logo em seguida me casei e tive minha primeira filha, a Luciana. O Cristiano nasceu quatro anos depois.
Em alguns momentos eu pensava em voltar para a escola, mas naquelas circunstâncias já era muito difícil.
Após alguns anos eu me separei e tudo ficou ainda mais desafiador, pois eu, assim como minha guerreira mãe, precisei dedicar minha vida ao trabalho para garantir a sobrevivência de meus filhos. Na época eu vendia pastel com suco na rua aos finais de semana e também trabalhava de manicure.
Arrependimento
O arrependimento de não ter concluído a escola apareceu em muitas fases da minha trajetória e assumia as mais diversas formas. Aos 20 anos eu tive a chance de ver minha irmã mais nova, aquela que tanto ajudei a cuidar, concluir o ensino médio e não pude evitar de imaginar que aquela poderia ter sido eu.
Durante a criação de meus filhos, teve muitos momentos em que eu tinha vontade de ver o dever de casa deles e ajudá-los, mas eu simplesmente não tinha a habilidade necessária para isso – nem mesmo para ajudar em contas tão simples quanto a tabuada – e isso me trazia um grande sentimento de impotência.
Também já passei por diversas situações em que sentia falta de habilidades do dia a dia, como saber conversar e escrever de uma forma mais bonita e organizada.
Assim se passaram 30 anos e, recentemente, em 2017, minha guerreira matriarca faleceu. Isso me trouxe muitas tristezas e desilusões. Uma das memórias que guardo dela é de que sempre me incentivava a voltar a estudar. Meu novo esposo, que terminou o ensino médio, também me incentiva. Eu vejo como ele fala e escreve bem e tenho muita vontade de desenvolver as mesmas habilidades.
Vontade de voltar à escola
Começou a nascer dentro de mim uma vontade muito forte de voltar para a escola e tomei a decisão final quando lembrei de uma memória muito emocionante que tenho com meu pai: quando eu tinha 7 anos, ele penteava meu cabelo e dizia "Filha, você vai ser muito importante e um dia será médica".
Eu ainda não entendia bem o que significava, mas lembro de minha mãe criticar, dizendo que morávamos na roça, e pedir para que ele parasse de incentivar sonhos que nunca seriam realizados. Hoje entendo os dois e me dói saber que na vida de minha mãe sobrava pouco espaço para sonhar.
Se tem uma coisa que fiz em minha vida foi trabalhar e descobri uma paixão muito grande pela carreira de manicure, mas entendo minhas limitações e gostaria muito de me especializar para poder atuar como podóloga. Eu sabia que não poderia fazer isso sem antes ter o diploma do ensino médio e isso se tornou uma grande meta, pois ao me especializar eu terei a oportunidade de aumentar minha renda e também, em algum nível, cumprir a profecia de meu pai e ter uma atuação dentro do recorte da área da saúde.
Enfrentando desafios
Tenho duas amigas que me apresentaram a EJA. Elas estudavam lá e me explicaram que era uma oportunidade de eu terminar meus estudos e ter o tão sonhado diploma.
Foi ainda em 2017 quando reiniciei meus estudos na sétima série do fundamental, no colégio Alfredo Mariem, em Rondonópolis (MT). Era no período noturno e foi um grande desafio, pois durante o dia era uma correria, mas à noite, ir na escola, era para mim um compromisso que eu cumpria mesmo com chuva ou cansaço. Com muita fé e força de vontade eu estava lá, firme e forte, com o sonho do diploma.
Em 2020 veio a pandemia e as aulas presenciais foram suspensas. O ensino online para mim, sendo mãe, avó e tendo passado mais de 30 anos sem estudar, não foi fácil, mas a garotinha de 13 anos em mim me mantinha forte e resiliente.
Educação proporciona melhora financeira
Uma das minhas motivações é conseguir melhorar financeiramente e hoje entendo como a educação pode nos proporcionar isso. Talvez minha mãe, se tivesse tido a oportunidade de estudar, não precisaria ter trabalhado tão arduamente e teria, em vez disso, verdadeiramente vivido e aproveitado sua vida.
Pensar nisso me causa muita dor. Infelizmente eu não posso ajudá-la agora, mas penso em garantir um futuro diferente e melhor para minha família. Não pude ajudar meus filhos com o dever de casa, mas hoje eu e meu neto de 9 anos falamos sobre a lição de casa e tudo o que ele está aprendendo eu aprendi na EJA e consigo ajudá-lo. Ele até brinca que precisamos estudar para as provas.
A Nelci de hoje nunca teria abandonado a escola e teria concluído no período regular, mas não posso voltar no passado. Em meu presente, entendo a Educação de Jovens e Adultos como uma oportunidade sensacional e enquanto houver adultos que pararam de estudar quando jovens, é necessário que essa modalidade continue existindo.
Para mim ela significou não apenas uma mudança na minha vida, mas também na de toda minha família. Sinto que escrevo melhor, me comunico melhor, entendo melhor a sociedade e tenho a habilidade de, inclusive, fazer um melhor gerenciamento do dinheiro que ganho no salão. Muitas contas básicas eu não sabia fazer e nem sei se ganhava dinheiro mesmo ou não.
Aos professores e toda a organização da EJA: minha eterna gratidão. O trabalho de vocês é especial e necessário. Aos que, assim como eu, não concluíram o ensino médio: nunca é tarde e tenham força para voltar. O conhecimento adquirido irá ajudar vocês nos mais diversos aspectos de suas vidas, assim como aconteceu comigo.
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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1
Este texto foi escrito por Nelci Aparecida de Oliveira, de Rondonópolis (MT), e reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.