Transgênicos
3 de março de 2010Passaram-se 12 anos sem que as lavouras na Europa fossem ameaçadas por um novo tipo de transgênico. Mas a situação mudou na última terça-feira (02/03): a Comissão Europeia autorizou o plantio da batata Amflora, tipo geneticamente modificado criado pela Basf.
O único transgênico autorizado para o plantio nos países do bloco até então era uma variedade do milho da Monsanto, que recebeu liberação em 1998. A decisão de inserir a Amflora foi tomada depois de 10 anos de discussão – e recebida com furor pela ala ambientalista.
"Não, não estamos nada felizes. Ficamos chocados que essa tenha sido logo uma das primeiras decisões da nova Comissão. Agora tememos que decisões semelhantes venham na sequência", revela Heike Moldenhauer, representante da ONG Friends of the Earth na Alemanha.
Segundo a Comissão, a nova batata transgênica deverá ser usada apenas na indústria – a fécula do tubérculo poderá ser empregada, por exemplo, na produção de papel. Mas Heike não duvida que o tipo transgênico possa aparecer no prato do europeu. "Não estou segura, porque é impossível fazer um controle e segregar totalmente o tipo transgênico".
O motivo para tamanha preocupação é fato de que a Amflora é resistente a antibióticos e essa característica pode ser transferida a pessoas que consumam a batata transgênica.
Fora de controle
Enquanto isso, no Brasil, chega ao mercado a primeira semente transgênica desenvolvida totalmente em laboratório nacional. A soja Cultivance foi criada pela Embrapa, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, numa parceria com a Basf. O processo todo, do início do projeto até a autorização para a comercialização, levou 12 anos.
Para Elíbio Rech, diretor do projeto e cientista da Embrapa, não há qualquer polêmica no assunto. "A meta que temos hoje no mundo é triplicar a produção de grãos do planeta nos próximos 30 anos. Isso não vai acontecer sem o uso da biotecnologia, dos transgênicos."
Com a nova liberação da CTNBio, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, os produtores brasileiros têm 21 variedades de transgênicos no mercado, de três culturas diferentes: soja, algodão e milho. Mas o negócio nem sempre foi legalizado: a entrada de semente geneticamente modificada em solo brasileiro deu-se por volta de 1997, contrabandeada da Argentina.
"O contrabando que vinha da Argentina para o Rio Grande do Sul – e não pouco – era a semente de soja da Monsanto", esclarece Rafael Cruz, do Greenpeace. A comercialização dos transgênicos só foi liberada pelo governo brasileiro em 2005 e, segundo Rafael, a situação já estava fora de domínio.
O representante do Greenpeace adverte: o Brasil tem zero controle sobre as plantações transgênicas. "Não dá para saber o quanto da área plantada é de transgênico, o quanto se tem de transgênico no Brasil, se são usadas sementes ilegais nas lavouras, por exemplo", declara Cruz.
De fato, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento informou que não faz o controle da produção transgênica, somente a fiscalização, ou seja, observa se as regras e o uso das sementes estão de acordo com a lei brasileira.
Explosão dos transgênicos
O único dado referente ao Brasil disponível é tabulado pelo ISAAA, International Service for the Acquisition of Agri-Biotech Applications. O órgão, que tem centros nos Estados Unidos, África e Ásia, é uma instituição sem fins lucrativos – e que tem entre a lista de doadores a gigante em biotecnologia Bayern.
As informações referentes a 2009 indicam que o Brasil ultrapassou a Argentina em produção de transgênicos, ocupando o segundo lugar no ranking mundial. O relatório afirma que o plantio saltou de 5,6 milhões de hectares em 2008 para 21,4 milhões no ano passado, o maior crescimento registrado num país em 2009, segundo o ISAAA. E o órgão prevê que o cultivo de transgênicos deve continuar em ascensão nas lavouras brasileiras.
O primeiro lugar ainda é dos Estados Unidos, que tem 64 milhões de hectares de grãos geneticamente modificados. Na Europa, seis países plantam quase 95 mil hectares em transgênicos – só a Espanha é responsável por 80% de todo o milho geneticamente modificado na União Europeia.
Segundo Heike Moldenhauer, a área ocupada por transgênicos na Europa corresponde a apenas 0,05% do total. "Os europeus têm, sim, uma resistência a alimentos desse tipo", admite.
Na avaliação da ambientalista, os consumidores na Europa não gostam de levar pra casa um vegetal que tenha sido criado para adquirir grande resistência contra herbicida e pesticida. "Isso significa que a pessoa vai comer um alimento carregado dessas substâncias, porque o produtor pode usá-las em grande proporção, porque isso não vai prejudicar a colheita", completa.
Ao contrário da situação no Brasil, Moldenhauaer afirma o controle na União Europeia é melhor. "Temos brechas na lei, mas também temos mais transparência, o que possibilita saber onde os transgênicos estão sendo plantados. Tudo isso é registrado e a informação é aberta ao público".
Na UE, seis países baniram o cultivo de transgênico: França, Hungria, Áustria, Luxemburgo, Grécia e, por último, a Alemanha.
Para o bem e para o mal
O impacto das lavouras transgênicas ainda é um tema que encontra respostas muito díspares.
"Não existem estudos do impacto na saúde, só em cobaias. Todos os experimentos são muito caros e alguns mostram impactos preocupantes, já outros não mostram nada", admite Rafael Cruz.
O ambientalista do Greenpeace cita um estudo conduzido pelo governo austríaco em 2008: ratos que receberam ração de milho transgênico apresentaram uma diminuição do tamanho do fígado e perda de peso depois de terceira e quarta cria.
O experimento foi conduzido por 20 semanas, e a dieta das cobaias continha 33% de um tipo de milho transgênico da Monsanto. Os ratos que submetidos a uma dieta sem alimento geneticamente modificado tiveram um ciclo de reprodução normal.
Já o cientista Elíbio Rech, da Embrapa, ressalta as conclusões de uma publicação de 2009 da The Royal Society, instituição científica britânica. Segundo o estudo, o cultivo de transgênicos ajuda o produtor a ter uma lavoura mais sustentável, pois diminuiu o uso de fertilizantes – e também o de emissões de CO2.
"O uso dos transgênicos vai permitir um refinamento progressivo das variedades existentes, direcionando para aumento de produtividade, e de resistência a doenças, à seca... É um caminho sem volta, não existe qualquer possibilidade de haver um retorno", sentencia Elíbio Rech.
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Simone Lopes