Nova era imperial se inicia no Japão
30 de abril de 2019Com a abdicação do imperador Akihito, nesta terça-feira (30/04), seu reinado, denominado Heisei ("trazer a paz"), chega ao fim após cerca de 30 anos. Começa a era Reiwa.
Foi uma época pouco gloriosa para o Japão. O milagre econômico terminou, a China substituiu o país insular como segunda maior economia do mundo. A população envelheceu, o Estado se endividou como nenhum outro. No país fala-se de "décadas perdidas".
Durante a era Heisei, houve 17 diferentes primeiros-ministros, dos quais apenas quatro governaram por mais de dois anos. A constância e a confiabilidade foram asseguradas pelo imperador Akihito e sua esposa Michiko.
Eles prestaram uma importante contribuição a essa época, dando consolo à população através de encontros com vítimas de desastres naturais, e fizeram da manutenção da memória da Segunda Guerra Mundial a consciência moral da nação.
Consolando e advertindo, Akihito atribuiu novo significado à instituição do imperador, definida pela Constituição pós-guerra como um "símbolo de unidade nacional e estatal".
Quando Akihito subiu ao Trono do Crisântemo, em 7 de janeiro de 1989, a família imperial ainda estava em crise. Seu pai, Hirohito, perdera o caráter divino devido à derrota na Segunda Guerra, tentando depois em vão se aproximar do povo. A reverência dos japoneses diante do tímido monarca permanecera simplesmente exagerada.
Mas, logo após a guerra, Hirohito aclamou uma monarquia constitucional tendo o Reino Unido como modelo. Ele escolheu Elisabeth Gray-Vining como professora particular, a fim de que seu filho fosse educado para se tornar um novo tipo de imperador.
A autora americana de livros infantis transmitiu ao adolescente ideias estrangeiras e percepções europeias de monarquia. Contra a resistência da corte, Akihito casou-se mais tarde com uma plebeia, criou os dois filhos em sua própria casa e os enviou para estudar em Oxford.
Imperador popular
Akihito também quis modernizar a instituição do tenno (imperador). "Como todos os monarcas anteriores, eu gostaria de ter sempre em mente a felicidade dos cidadãos e, ao mesmo tempo, buscar uma regência que se encaixe nos tempos atuais", anunciou Akihito poucos meses depois de subir ao trono.
Junto a sua esposa, ele aumentou o número de aparições públicas e tornou a popularidade uma prioridade. Depois de uma erupção vulcânica em 1991, Akihito e Michiko visitaram as vítimas em roupas casuais, ajoelharam-se diante delas e as consolaram. Isso chocou os conservadores, mas inspirou o povo e a mídia.
Assim, o casal imperial encontrou seu próprio estilo. A partir de então passou a apertar as mãos de vítimas de desastres, visitar asilos de idosos e instalações para deficientes, encontrando sempre palavras calorosas.
"Esse novo estilo foi bem-recebido pelo povo, justamente na era Heisei, quando a desigualdade social crescia e muitos se sentiam deprimidos e sem perspectivas", explicou o especialista em assuntos imperiais Hideya Kawanishi, da Universidade de Nagoya.
Assim, Akihito tornou-se um símbolo de integração nacional, como estabelecido pela Constituição. Quanto mais a população respondia positivamente, mais o imperador intensificava suas atividades.
Seu outro foco foi o legado histórico do pai, em cujo nome as tropas imperiais conquistaram metade da Ásia. Até hoje, a elite conservadora do Japão reluta em reconhecer e desculpar-se pelo sofrimento causado pela guerra.
Nesse ponto, Akihito pôde deixar sua marca, embora fosse proibido de fazer declarações políticas pela lei imperial. Para suas primeiras viagens ao exterior, o tenno escolheu a Indonésia e a China. No Império do Meio, lamentou a agressão pelo Japão e elogiou as conquistas da cultura chinesa, lembrando os japoneses de quanto sua própria cultura deve à China.
Por ocasião do 70º aniversário do fim da Segunda Guerra em 2015, enquanto o primeiro-ministro nacionalista Shinzo Abe renunciou à palavra "arrependimento", o imperador enfatizou "uma profunda autocrítica" em seu próprio discurso.
"Para ser franco, Akihito se comprometeu mais com uma reconciliação sustentável do Japão com os vizinhos asiáticos do que a maioria dos primeiros-ministros da era Heisei", apontou o historiador Torsten Weber, do Instituto Alemão de Estudos do Japão, em Tóquio.
Mais tarde, o casal imperial visitou as Filipinas e muitos cenários de batalhas entre o Japão e os EUA no Pacífico. Devido a suas algemas legais, Akihito não pôde se desculpar pela guerra, mas sempre encontrou palavras de arrependimento cuidadosamente escolhidas e orou por todas as vítimas da guerra.
Como parte dessa diplomacia imperial, Akihito também quis visitar a Coreia do Sul, referindo-se a linhagens comuns com a Casa Real coreana Paekche. Contudo a visita seria sensível demais para o governo, devido ao conflito em torno da prostituição forçada de coreanas pelo Exército japonês.
"Para os líderes de opinião conservadores, Akihito não é considerado politicamente alinhado, embora eles gostem de cooptar o imperador para seus objetivos", comentou o historiador Weber.
Segundo conhecedores da família imperial, a decisão de Akihito de abdicar prematuramente deve-se à tentativa de forças conservadoras de limitar suas atividades, aludindo a sua idade e saúde.
Sob essas circunstâncias, consta que Akihito temera que a nova imagem imperial evanescesse e a permanência da instituição fosse novamente ameaçada. "Akihito quer abdicar prematuramente para passar suas atividades intocadas ao filho", deduz o especialista em assuntos imperiais Kawanishi.
E isso pode dar certo: em fevereiro último, o novo imperador Naruhito prometeu seguir os passos de seus pais. Reiwa, o nome da nova era, é formado por dois caracteres kanji, significando "ordem" e "paz" ou "harmonia".
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