Nos tempos da Berlim Ocidental
20 de fevereiro de 2013No início de janeiro, depois de anos sumido, David Bowie lançou uma nova canção, inspirada nos tempos que passou em "West Berlin", a antiga Berlim Ocidental. Em tom reflexivo, um pouco triste, Where are we nowfaz referências aos anos 70 e 80, à residência do cantor no bairro de Schöneberg. Hoje o lugar abriga um consultório odontológico. Muitos dos bares e discotecas da época não existem mais, a lendária Dschungel, o Risiko, badalado ponto de encontro de jovens punks.
"Sem toque de recolher"
A designer de moda Claudia Skoda era amiga de David Bowie na época. Ela não gostou do clipe da música Where are we now, achou-o muito triste e sombrio. Claudia gosta de lembrar da West Berlin dos anos 70 e 80, uma cidade onde se podia trabalhar "de acordo com o princípio do prazer", sem a pressão financeira que existe nos dias de hoje. Em 1973, ela já tinha sua própria confecção, e conquistou sucesso internacional duradouro com sua grife de roupas.
Claudia apareceu para a entrevista à DW vestindo casaco de cor creme e longo pulôver cinza, ambos criação própria, acompanhada por um cão airedale terrier bliss – que também poderia ter sido desenhado por ela. Sua confecção não fica mais num velho prédio do bairro boêmio de Kreuzberg, mas no bairro Mitte. Claudia conta com prazer sobre a antiga Berlim Ocidental e as histórias de sua juventude, mas sem transparecer qualquer tom nostálgico.
A vida acontecia à noite, nas danceterias – na época chamadas discotecas: a Park, mais tarde a Dschungel. Música psicodélica, shows ao vivo, ao amanhecer, a "saideira" nos bares gays, por último, o italiano da avenida Ku'damm, para comer uma fatia de torta. "Em Berlim não havia toque de recolher", lembra Claudia com um sorriso.
As noitadas também incluíam discussões políticas, cujos temas eram os processos judiciais contra a organização guerrilheira RAF, o movimento punk, os squatters– jovens que ocupavam prédios abandonados. E, claro, havia o Muro que atravessava a metrópole, fazendo com que o lado oriental fosse, ao mesmo tempo, próximo e distante. Em Berlim Ocidental era possível ouvir as notícias oriundas dos dois lados do Muro. Essa sensação de que há um mundo ao lado e ao mesmo tempo tão distante, não existe mais, diz Claudia Skoda.
Olhar em retrospectiva
Wolfgang Müller acabou de lançar um livro sobre a subcultura da West Berlin, com tiragem de 1.500 exemplares que se esgotou em apenas três semanas. Em quase 600 páginas, o autor apresenta um caleidoscópio de histórias, registros e reflexões, sem saudade ou glorificação do passado, mas de forma animada e às vezes bizarra.
Müller é um tipo despretensioso, com alergia a clichês e a explicações simplórias. Na época da West Berlin, ele estudava arte, mas achava a cena local de galerias muito conservadora. Acabou por fazer música "em legítima defesa". Nos anos 80 fundou a banda de música experimental Die Tödliche Doris (a mortífera Doris), lançada no Festival Genialer Dilletanten ("Dos diletantes geniais", mas com grafia intencionalmente errada). O local era a casa de shows Tempodrom, na época uma tenda de circo.
Esse espírito livre, e muitas vezes amadorístico, é o que caracterizava a subcultura de Berlim Ocidental. Altamente subvencionada, mas ao mesmo tempo negligenciada, a cidade oferecia aos artistas – ou aos que pensavam ser artistas – oportunidades únicas para desenvolver seu trabalho. Berlim também oferecia asilo para muitos que fugiam do serviço militar, pois moradores da cidade não podiam ser recrutados.
Liberdade para criar
Ainda não havia as hordas de turistas, mas muitos estrangeiros iam com frequência à cidade. Entre eles, David Bowie, que tinha muito interesse na vida de Berlim Ocidental. Wolfgang Müller, natural de Wolfsburg, no estado vizinho da Baixa Saxônia, lembra que a metrópole era um refúgio para aqueles que se opunham "pressão da instrumentalização econômica" que começava a prevalecer na Alemanha Ocidental dos anos 80. Assim, o Muro, também trouxe vantagens, pois seu lado ocidental oferecia um nicho para o desenvolvimento de estilos de vida alternativos, argumenta.
Até hoje Berlim atrai aqueles que gostam de experimentar novidades, tanto na vida noturna quanto nas artes ou em projetos profissionais. O que não significa que as possibilidades sejam as mesmas de antigamente. Muito do que era escandaloso então, está hoje incorporado ao mainstream. Além dos artistas e boêmios, também os investidores descobriram o potencial da cidade. E se eles trazem verbas, também fazem subir o custo de vida.
Segundo Wolfgang Müller, um ponto onde o lado bom da antiga "West Berlin" ainda resiste é a Galerie Studio St. St., no bairro de Neukölln. O local, de difícil definição, é uma mistura de galeria, cabaré e salão de eventos. A dona do local, a transsexual Juwelia, tem um talento especial para receber as pessoas com simplicidade, sem reparar se "os sapatos que elas usam são caros ou baratos".
E onde estamos agora?
Uma janela colorida e iluminada brilha na Sanderstrasse. Lá dentro existe um mundo rosa e brilhante, com quadros grandes e pequenos nas paredes. São imagens de bolos, pessoas numa festa, pernas dobradas trajando meias-calças, garrafas de champanhe – quase tudo pintado por Juwelia. Ela recebe os clientes pessoalmente, vestida de calça de pano simples, longos cabelos louros e um olhar alegre e curioso.
Juwelia pede desculpas por a Galerie Studio St. St. estar meio parada naquela noite. O piano na sala dos fundos está silencioso. Mas ainda assim o local é divertido. Embaladas por discos da Pantera Cor-de-Rosa, vinho espumante rosé e um bolo de aniversário de chocolate de uma semana atrás, as conversas se desenrolam em sofás e poltronas revestidos de cetim.
Um casal de Londres dá uma passada pelo local, conta que pretende grafitar uma parede no bairro Mitte no dia seguinte. Não há menu de bebidas, bebe-se o que houver na hora e se deposita o pagamento numa lata. Lá para a uma hora da madrugada, a pessoa sai meio embriagada para a rua, com a certeza de ter descoberto um lugar mágico.
Ah, Berlim, nós te amamos sim, também hoje em dia.
Autora: Anna Ilin (rc)
Revisão: A. Schossler/A. Valente