Festival mostra o passado e o presente do punk
10 de maio de 2012Em inglês, a palavra punk significa algo sem valor, ruim ou podre. No imaginário da maioria das pessoas, punk é sinônimo de cabelos moicanos, alfinetes e barulho. Mas essa subcultura, que nasceu nos anos 1970, como a voz simples e brutal da juventude sem perspectivas, serve, até os dias de hoje, para expressar pontos de vista políticos por meio de barulho e com poucos recursos.
Com mais de 30 anos de existência, o movimento conseguiu sobreviver e se adaptar ao presente. Essa evolução e um retrato atual do movimento pelo mundo globalizado podem ser vistos no primeiro Festival de Cinema Punk de Berlim.
Mas, afinal, o que é um filme punk? "São filmes que tratam da temática punk, incorporam a estética, têm personagens ou são feitos por punks", explica o criador e curador do festival Cornelius Schulz. Dono de uma gravadora e uma agência que organiza shows punk, essa é a primeira empreitada dele na área do cinema.
A ideia para o festival surgiu depois que Schulz viu um filme no Festival de Cinema Australiano no ano passado. "Conversei com o pessoal do Moviemento (cinema onde acontece o evento) e eles toparam na hora fazer um festival de cinema punk. Sabia de alguns filmes que queria ver no festival, mas também comecei a pesquisar. Alguns meses depois, estou realizando o festival", declarou.
Inspirado numa música do Dead Kennedys, o festival tem o sugestivo nome de Too drunk to watch (bêbado demais para assistir) e busca fugir dos clichês e mostrar que o movimento sobreviveu todos esse anos não apoiado na estética, mas na ideologia.
Mesma ideologia, diferentes lutas
O movimento que nasceu nos Estados Unidos e no Reino Unido no meio da década de 1970 pregava a liberdade individual e o inconformismo através da estética "faça você mesmo" (do it yourself) e das músicas simples, rápidas e barulhentas.
Partes dessa história está documentada em alguns filmes selecionados para o festival, que mostram as particularidades da cena em lugares como o Canadá, Chicago ou a antiga Alemanha Oriental. O filme Punk is not dead retrata a resistência do movimento na Europa até os dias de hoje.
Usando depoimentos e cenas de show, o documentário Afro-Punk mostra a pequena presença dos negros norte-americanos na cena e como a variedade cultural é importante tanto para o movimento punk quanto para o movimento negro.
“Um dos filmes mais surpreendentes da seleção é Punk in Africa. Entrei em contato com o filme recentemente e o queria muito na mostra”, declarou o curador. "Durante o apartheid, muitas bandas, como National Wake, quebraram tabus por terem membros brancos e negros, algo que era proibido", completou.
O documentário mostra que o movimento punk foi pioneiro na integração racial no país, tanto nos palcos e socialmente em shows e festas. Musicalmente, a fusão do punk com o reggae e ritmos locais deu origem a uma identidade própria. Hoje sem o regime de segregação, as bandas punk com integrantes brancos querem mostrar que também são africanas.
A globalização levou o punk a lugares nunca antes imaginados. Beijing Punk mostra como a cena chinesa está à procura da verdadeira China e usa o punk para se expressar num país onde palavras como revolta, rebelião e liberdade podem ser perigosas. Já a juventude coreana do filme Korean Punk Rock achou sua voz através do punk, mesmo muitas vezes não sabendo o limite entre estética e política.
O outro lado do punk
"Não temos apenas documentários sérios, mas também filmes que as pessoas possam acompanhar com uma cerveja e se divertir", disse Schultz. "Não é apenas um festival de cinema político, queria também mostrar o outro lado do movimento."
O lado divertido do punk pode ser visto principalmente na seleção de ficção do festival. O terror para rir parece ser uma característica dos filmes punks. Em Punk Rock Holocaust cenas de shows reais de artistas como The Used, Pennywise e Rancid são alternadas com mortes que acontecem nos bastidores de um festival, com grandes doses de sangue. Já o curta francês Attack of living dead punkers mostra que zumbis também podem ter ideologia.
A comédia se mistura ao documentário, ficção e o musical no britânico Punk Slurt. Outro filme que brinca com os gêneros em nome da diversão é Hard Core Logo. O filme tematiza a suposta morte do movimento com participações de conhecidos músicos como Art Bergman e Joey Ramone.
A produção cultural recente do punk mostra que o movimento não é apenas uma moda passageira ou uma relíquia do passado, mas uma expressão da vida e da liberdade através da energia e da agressividade da música, que, apesar de simples, está mais do que viva. "Sendo sério ou engraçado, ser punk é acima de tudo ser político", concluiu Schultz.
Autor: Marco Sanchez
Revisão: Alexandre Schossler