Museu em SP contará história do judaísmo e da arte judaica no Brasil
29 de novembro de 2013A exemplo de grandes cidades como Berlim e Nova York, São Paulo vai ganhar no segundo semestre de 2015 um Museu Judaico. O projeto arquitetônico será um dos destaques, já que o complexo vai integrar as linhas clássicas de uma antiga sinagoga, inaugurada em 1932, com um moderno anexo em vidro, o que fará do museu uma referência urbana para a região central da maior metrópole brasileira.
O museu, por meio de seu acervo e exposições itinerantes, vai focar no judaísmo, na história dos judeus no Brasil e na arte judaica. Na prática, servirá para preservar o legado de tradições e costumes de um povo com uma longa trajetória e de forte influência na economia e na cultura brasileira. A expectativa dos responsáveis é que o Museu Judaico se torne um dos ícones culturais locais, como a Pinacoteca ou o Museu da Língua Portuguesa.
"Cidades onde houve uma importante imigração judaica já têm seus museus, como Berlim e Nova York", disse Roberta Alexandr Sundfeld, diretora-executiva do Museu Judaico de São Paulo, em entrevista à DW Brasil. "E o Brasil, para onde vieram muitos judeus, ainda não tinha um museu, somente centros culturais e arquivos históricos. É importante termos um lugar para mostrar quem são os judeus, de onde eles vieram e as diferenças nos ritos."
A ideia de transformar a sinagoga Beth-El num museu começou a ganhar contornos em 2000, quando foi fundada a Associação de Amigos do Museu Judaico de São Paulo. A partir daí, o projeto foi ganhando adeptos e tomando forma. A sinagoga foi cedida por meio de comodato em 2006 e, assim, o projeto arquitetônico foi definido, preservando as características originais da sinagoga e incorporando traços de modernidade.
O custo total do museu está estimado em cerca de 22 milhões de reais, valor que está sendo captado em grande parte por meio da Lei Rouanet e doações de empresas privadas e pessoas físicas. A instituição também recebeu do governo alemão, por meio de um programa de restauração de sinagogas do Ministério das Relações Exteriores, uma verba de 310 mil euros (cerca de 1 milhão de reais).
Exposições de Berlim, Israel e Nova York
As exposições no novo museu terão três enfoques: o judaísmo, os judeus no Brasil e a arte judaica. A primeira parte vai mostrar o que é o judaísmo no sentido religioso do povo e contar sobre as festas judaicas, os rituais de vida judaica como o nascimento, brit-milá [circuncisão], bar-mitzvá [celebração da maioridade religiosa judaica, quando o jovem atinge 13 anos], casamento e também o enterro.
A seção sobre os judeus no Brasil terá uma abordagem cronológica de como eles chegaram ao país, a Inquisição, a vinda dos holandeses para o Recife, a imigração marroquina para a Amazônia, a imigração russa para as colônias do Rio Grande do Sul, os imigrantes que vieram para São Paulo na década de 1920 e o Holocausto do ponto de vista brasileiro.
"Vamos abordar, por exemplo, o governo de Getúlio Vargas, como eram as relações desse presidente com a Europa no período da Segunda Guerra Mundial, as deportações que aconteceram e as pessoas que não puderam emigrar porque Vargas não permitiu, além da história de uma família que emigrou para o Brasil em decorrência do Holocausto", complementou Sundfeld.
A terceira abordagem, a das artes, vai reunir obras de artistas judeus e também de artistas não-judeus que retratem a vida da comunidade. Está previsto, também, que o Museu Judaico de São Paulo receba obras e exposições itinerantes dos museus de Berlim, Israel e Nova York.
"Já estamos em contato com o Museu Judaico de Nova York, que tem um acervo gigantesco guardado e manifestou interesse em emprestar algumas obras", comenta Sergio Daniel Simon, presidente do Museu Judaico de São Paulo em entrevista publicada no site do museu. "E também com o Museu de Israel, que é fantástico. Eles têm exposições temporárias que podem ser montadas em São Paulo, se conseguirmos patrocínio."
Até o momento, o museu possui em seu acervo mais de 700 peças relacionadas à Segunda Guerra Mundial e continua recebendo doações ou empréstimos, tais como fotografias, objetos de uso cotidiano, vestidos e xales bordados, objetos ligados à religião, livros e candelabros.
Judeus no Brasil
Os judeus estão presentes no Brasil desde a viagem de descobrimento comandada pelo almirante português Pedro Álvares Cabral, em 1500. Na construção do "Novo Mundo" destacam-se os cristãos-novos, a diáspora ibérica e a presença dos judeus durante o período colonial.
De acordo com Rosana Schwartz, historiadora e socióloga da Universidade Mackenzie, três séculos de Inquisição na Península Ibérica contribuíram, se não para o genocídio, ao menos para o abafamento de boa parte da cultura, religião e arte de um povo de tão rica formação humanística.
"A assimilação deles na cultura brasileira foi imposta pela Inquisição, sob pena de expatriação ou morte, deixando muitas características judaicas no substrato dos brasileiros por causa do ambiente de convivência e tolerância que o Brasil proporcionou", complementa Schwartz.
O maior fluxo de judeus para o Brasil foi durante a invasão e posterior ocupação de parte do Nordeste pelos holandeses, entre 1630 e 1654. Banqueiros judeus estabelecidos em Amsterdã financiaram, desde o início do século 16, a manufatura açucareira. A partir da invasão, houve um aumento da presença judaica na região. Não é à toa que a primeira sinagoga da América foi construída em Recife.
"Após a expulsão dos holandeses, os judeus foram perseguidos e, embora existam registros de sua presença durante o ciclo do ouro, no século 18, eles só voltarão a ter uma expressão de maior importância quando, a partir do século 19, judeus sefarditas vindos principalmente do Marrocos chegam à região Amazônica brasileira e formam uma importante comunidade", diz Schwartz.
Outro importante ciclo se deu no contexto da substituição da mão-de-obra escrava pela de imigrantes, a partir de 1870, quando milhões de imigrantes se dirigiram para as regiões sudeste e sul do Brasil, incentivadas pelo governo que desejava sanar a questão da falta de trabalhadores e branquear a população.
Esse ciclo se encerra quase ao mesmo tempo em que começam a chegar, em menor número, os judeus perseguidos pelos regimes fascistas europeus, no início da década de 1930. Durante o nazismo, mais de 20 mil judeus emigraram para o Brasil, onde acharam um novo lar e contribuíram para o desenvolvimento econômico e cultural do país.