Perseguição antissemita culminou nos Pogroms de Novembro
Publicado 9 de novembro de 2013Última atualização 9 de novembro de 2023"Eu me lembro muito bem da manhã do dia 10 de novembro",diz W. Michael Blumenthal. "Meu pai foi preso bem cedo e, no meio da agitação da minha mãe, consegui correr para a rua. Eu vi as vitrines estilhaçadas na Kurfürstendamm e a sinagoga da Fasanenstrasse, de onde saía fumaça, mas não tinha mais fogo."
Na época, Blumenthal, americano que nasceu em Berlim, acabara de completar 12 anos.
Humilhação em plena rua
Na noite de 9 para 10 de novembro de 1938 – no episódio dos Pogroms de Novembro, que também ficaram conhecidos como "Noite dos Cristais" – ocorreram cruéis arruaças populares contra os judeus em toda a Alemanha e na Áustria. Milhares de sinagogas e casas de oração foram saqueadas, destruídas e incendiadas.
Em plena rua, as pessoas eram humilhadas, espancadas, em alguns casos até assassinadas só por serem de origem judaica. A polícia apenas observava. O corpo de bombeiros não interferia nas sinagogas e lojas de judeus em chamas, mas apenas nas casas em redor.
E os pogroms eram apenas o início de uma política de extermínio. Já em 10 de novembro, 30 mil homens judeus eram levados para os campos de concentração de Dachau, Sachsenhausen e Buchenwald – entre eles também o pai de Blumenthal.
"Ainda me lembro das palavras da minha mãe, quando ele foi levado embora por dois policiais: 'O que está acontecendo? O que vocês vão fazer com ele? O que foi que ele fez?'. Mesmo sendo criança, a pessoa sente o medo dos adultos, neste caso, da minha mãe."
Pretexto para perseguição
Desde a tomada de poder pelos nazistas, em 1933, agressões físicas e intimidações antissemitas faziam parte de um triste cotidiano na Alemanha. Dois anos mais tarde, as Leis de Nurembergue "para proteção do sangue e da honra alemã" definiam quem era judeu; muitos deles já haviam sido eliminados do exercício da profissão. Outras leis restringiam o acesso deles em espaços públicos. Em muitos casos, propriedades judaicas haviam sido desapropriadas, ou "arianizadas", como queria o jargão do regime.
Ainda assim, "é importante que se entenda o novembro de 1938 como um corte na história", explica o historiógrafo Raphael Gross. "Depois de 1938, encerra-se aquilo que se chama de época do judaísmo alemão. A sociedade alemã passou a ser outra."
Pretexto oportuno para os Pogroms de Novembro fora o assassinato do diplomata alemão Ernst vom Rath por Herschel Grynszpan, um judeu de 17 anos, no dia 7 de novembro, em Paris. As arruaças antissemitas começaram em algumas cidades da Alemanha assim que o rádio anunciou o ato. No entanto, o pogrom só irrompeu em nível nacional dois dias mais tarde, depois que o próprio Adolf Hitler pronunciou o comando para tal.
A partir de Munique, onde toda a liderança nazista se reunira para comemorar o aniversário do golpe de Estado de Hitler, o ministro da Propaganda, Joseph Goebbels, fez, por fim, um discurso ordenando explicitamente que se destruíssem as lojas dos judeus e queimassem suas sinagogas. A polícia não deveria interferir, o corpo de bombeiros só tinha que proteger a propriedade "ariana". Saques estavam proibidos.
A incitação foi colocada em prática naquela mesma noite em Berlim, Colônia, Hamburgo, Frankfurt, em cidadezinhas, lugarejos – por fim, em toda a Alemanha. "Por todos os motivos pensáveis, os alemães ou participaram ou se omitiram", recorda Blumenthal.
Isso não significa que lhes agradasse o que estava ocorrendo, ressalva, "mas ninguém disse nada". "O novembro de 1938 transcorreu diante de todos os olhos, diante da imprensa internacional, diante das representações diplomáticas, diante de todos os cidadãos", ressalta o historiador Gross.
Diplomatas horrorizados
Todos os diplomatas estrangeiros sediados na Alemanha informaram a seus países de origem sobre a situação. Hermann Simon reuniu relatos de embaixadores e cônsules ativos no país em 1938, de Hamburgo a Innsbruck, de Colônia a Breslau (hoje Wrocław, Polônia).
"Os relatos estão cheios de repulsa e trazem termos como 'barbárie cultural'", conta Simon. Apesar da interdição oficial, saques ocorrem nos dias 9 e 10 de novembro: "Pelas ruas se viam bandos de jovens ostentando objetos de culto roubados das casas de oração israelitas", registrava, por exemplo, o conselheiro diplomático do Brasil.
O cônsul-geral da Polônia em Leipzig narra o drama de uma família judaica polonesa. "A esposa de Sperling foi despida e os espancadores tentaram violentá-la". O embaixador letão descreve como a avenida berlinense Kurfürstendamm "parecia um campo de batalha". O representante finlandês menciona "crítica aniquiladora" por parte da população alemã. Um comentário bem frequente era "eu me envergonho, como alemão", relata.
O mundo não reagiu
No entanto, os diplomatas não enviaram nem reivindicações concretas, nem sugestões de medidas a seus países. "Impera uma expectativa e a esperança enganosa de que será possível se arranjar com o regime, de alguma forma", comenta Hermann Simon. No geral, a reação às notícias é relativamente restrita.
Raphael Gross complementa que, na sequência do novembro de 1938, começou a ação humanitária internacional Kindertransport, também intitulada Movimento de Crianças Refugiadas: a emigração de menores judeus para a Inglaterra, com o fim de salvá-los da perseguição nazista. "Alguns Estados reagiram, sim, mas muito pouco."
Naquele momento ainda não era possível prever que os nazistas fossem engendrar o plano de assassinar todos os judeus do mundo. Assim, o conselheiro diplomático da Itália escrevia, em 11 de novembro de 1938: "Não é imaginável que um dia 500 mil pessoas sejam todas colocadas diante do paredão, ou condenadas ao suicídio, ou que venham a ser trancadas num gigantesco campo de concentração".
Um erro de avaliação fatal: ainda em 1938, a família de Blumenthal conseguiu escapar de navio, da Itália para Xangai, numa viagem que durou um mês. A essa altura, esse era o único lugar do mundo em que refugiados sem visto ainda tinham permissão para desembarcar.