O culpado é o cotonete
26 de março de 2009A mulher devia ser uma fera. Seus indícios foram encontrados pela primeira vez em 1993, no estado da Renânia-Palatinado, no apartamento onde uma aposentada de 62 anos fora assaltada e estrangulada. Em 2001, um homem de 61 anos foi morto em Freiburg, igualmente estrangulado. Na cena do crime, foram encontrados traços do DNA da mesma pessoa do sexo feminino.
Desde aí até março de 2009, o material genético da "mulher sem rosto" assombrou a polícia como um fantasma – onipresente, inexplicável. Entre a Alemanha e a Áustria, foi detectado em seringas de drogas, nos locais de assaltos a estabelecimentos comerciais e a residências, roubos de carros, assassinatos – em parte com requintes de crueldade –, num total de 39 delitos.
Fantasma eclético e internacional
Segundo as análises laboratoriais, a "pessoa desconhecida do sexo feminino" (no jargão da polícia alemã, UWP – unbekannte weibliche Person) teria cerca de 40 anos de idade e seria originária do Leste Europeu. Porém, assim como o raio geográfico e a gama de crimes, é estranhamente ampla a variedade de círculos criminosos em que ela se move, envolvendo-se com albaneses, croatas, eslovacos, franceses, poloneses, romenos, sérvios, teuto-iraquianos e outros.
O caso mais espetacular ocorreu em 25 de abril de 2007, em Heilbronn, no estado de Baden-Württemberg, sudoeste alemão. A policial Michéle Kiesewetter, de 22 anos, foi fuzilada junto a seu carro de patrulha. Seu companheiro de plantão sobreviveu, com graves ferimentos cranianos, mas não guarda qualquer lembrança do incidente.
A partir daí, a enigmática criminosa ganhou da imprensa um apelido: "O Fantasma de Heilbronn".
Revelações desconcertantes
Porém, a cada nova aparição do DNA, aumentava a desorientação das autoridades. E surgiram as primeiras suspeitas de que algo pudesse estar errado. Nove rapazes invadiram em 2007 uma escola no estado do Sarre para roubar computadores. Numa lata de refrigerante, a polícia encontrou, mais uma vez, amostras do "DNA fantasma". Contudo, os delinquentes asseguraram que nenhuma mulher participara do assalto.
Estranho é também o fato de as amostras serem encontradas em três estados alemães vizinhos, assim como na Áustria, porém não na Baviera. O site stern.de oferece a explicação mais plausível: segundo as informações de que dispõe, a polícia bávara usaria cotonetes de outro fabricante.
Em dezembro de 2008, falando ao noticiário de TV heute journal, o médico legista Bernd Brinkmann apontou para a "possibilidade mínima" de que os utensílios de coleta de amostras pudessem estar contaminados. "É possível terem sido utilizados em todas as cenas de crime materiais de uma mesma firma, como luvas descartáveis, recipientes ou pipetas de plástico, que hajam sido adulterados por uma funcionária desatenta com seu próprio material genético."
Mas o Departamento Estadual de Investigações (LKA) de Baden-Württemberg rechaça as especulações: "Não há qualquer indício de que houve contaminação", declara. No início de 2009, o estado ofereceu a maior recompensa de sua história para quem apresentasse informações que levassem à captura dos assassinos da policial: 300 mil euros.
O cotonete é o culpado
Dezesseis anos após seu início, o mistério parece chegar ao fim. Nesta quarta-feira (25/03), a Promotoria Pública de Saarbrücken anunciou haver "dúvida justificada" sobre a existência do "Fantasma de Heilbronn".
As evidências levam realmente a crer que os cotonetes empregados em todas as investigações em questão hajam sido contaminados com o DNA de uma pessoa do sexo feminino envolvida no processo de produção. Pois, apesar de matar vírus, bactérias e fungos, mesmo a esterilização mais meticulosa não impede as impurezas genéticas introduzidas por células humanas – sejam restos de pele, suor ou outras secreções, dizem especialistas.
Segundo o secretário do Interior de Baden-Württemberg, Heribert Rech, o fabricante dos utensílios deve contar com consequências jurídicas, caso fique provado que impurezas levaram à falsificação dos resultados dos testes de DNA. Desde o assassinato da policial em 2007, os custos de trabalho e material haveriam sido "gigantescos", afirmou.
Ao mesmo tempo, Rech defendeu tanto a polícia – que "fez um trabalho notável" – quanto a análise genética, em si. "Quanto melhores e mais sensíveis os instrumentos de medição, mais fatais são as consequências de um erro". Este seria o risco dessa técnica, porém "o ocorrido não prejudica a imagem dos testes de DNA. Não há outro instrumento de investigação tão confiável. Vamos continuar fiéis a ele", assegurou o secretário.
Autor: Augusto Valente
Revisão: Roselaine Wandscheer