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Crise e arte

Carlos Albuquerque28 de outubro de 2008

Colecionadores elevaram os preços de obras de arte às alturas. Retirada de Picasso de leilão da Sotheby's e cancelamento de contratações pelo MoMA de Nova York são indícios de que bolha do mercado da arte pode estourar.

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Caveira de diamantes de Hirst preconiza crise no mercado da arte, dizem críticosFoto: AP

Acontecimentos recentes, como a retirada de um quadro de Picasso de um leilão da casa londrina Sotheby's, anunciada nesta terça-feira (28/10), levam a crer que a atual crise financeira global passou definitivamente a afetar o mercado da arte, no qual uma pergunta não queria calar, há anos: quando iria acabar o boom inigualável dos últimos anos provocado por uma demanda com traços histéricos que levou a preços astronômicos das obras de arte.

Até mesmo a recente onda de figurativismo na pintura foi atribuída ao atendimento do gosto de novos e antigos ricos colecionadores de países industrializados e emergentes que acabaram transformando arte em lifestyle.

Cinismo macabro e cintilante

Para muitos críticos, a crise do mercado da arte foi a mensagem da obra Pelo amor de Deus (2007), do artista britânico Damien Hirst – uma caveira de platina incrustada de 8.601 diamantes, vendida a um grupo anônimo de investidores por 50 milhões de libras esterlinas (62,5 milhões de euros). O cinismo macabro e cintilante de Hirst foi entendido como o início do fim da corrida do ouro no inflacionado mercado da arte.

Nem mesmo após o boom da New Economy, no final dos anos de 1990, a confiança dos colecionadores em artistas novos ou consagrados foi abalada. Investir em arte continuou valendo a pena. O recente leilão de 223 obras de Damien Hirst pela casa londrina de leilões Sotheby's, que arrecadou 140 milhões de euros em setembro último, afastara inicialmente o medo de que a crise financeira afetasse o mercado.

Motivos evidentes

Kombo Gerhard Richter gestaltet Südquerhausfenster im Kölner Dom
Richter fez novo vitral da Catedral de ColôniaFoto: picture-alliance/ dpa

No entanto, foi a própria Sotheby's que não conseguiu vender, no último dia 17/10, uma importante pintura do artista alemão Gerhard Richter, por vários anos considerado o artista mais caro ainda vivo. Ninguém ousou pagar os cerca de 9 milhões de euros pedidos pelo quadro Jerusalém (1995). No mesmo leilão, a pintura Caveiras (1976), do americano Andy Warhol, trocou de dono por 5,5 milhões de euros, bem abaixo dos esperados 8,75 milhões de euros.

Por medo de as turbulências dos mercados financeiros também se repetirem no mercado de arte, a renomada casa londrina de leilões anunciou a retirada da pintura cubista de Picasso Arlequim (1909), avaliada em 24 milhões de euros, do leilão que realizará na próxima segunda-feira (03/11).

Apesar de o chefe do departamento de impressionistas e artistas modernos da Sotheby's haver justificado a retirada por "razões privadas", os motivos são evidentes, anunciou o jornal The New York Times.

Cena artística norte-americana

Por depender principalmente de patrocínio privado, sobretudo a cena artística norte-americana está propensa a ser atingida pela crise. Neste contexto, o diretor do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), Glenn Lowry, declarou ao citado jornal nova-iorquino: "Nós sabemos que uma tempestade está sobre o mar e que chegará à terra. Não temos ainda idéia de sua dimensão e de quando chegará".

Na semana passada, o MoMA, carro-chefe do mundo artístico americano, cancelou novas contratações de pessoal. Ainda neste ano, o orçamento será reduzido em 10%. Outras instituições também tomaram medidas de economia. O Museu de Arte Contemporânea de Honolulu, no Havaí, teve de demitir 25 pessoas, mais da metade de seu pessoal.

A dependência da arte norte-americana do dinheiro privado é enorme. Somente em 2006, os americanos doaram cerca de 10 bilhões de euros para instituições culturais. Por outro lado, a contribuição do governo norte-americano para o fomento à arte e à cultura representa somente uma fração desta quantia. Em comparação, na Alemanha, os subsídios federais, estaduais e municipais para a cultura perfazem cerca de 8 bilhões de euros.

Futuro na crise

Max Hollein
Max Hollein acredita no futuro da arteFoto: picture-alliance /dpa

Também na importante feira de arte Frieze, que aconteceu entre 15 e 18 de outubro em Londres, o dinheiro não correu tão solto como nos últimos anos. Quadros do artista figurativo alemão Neo Rauch, que antes eram vendidos em apenas meia hora apesar do preço de quase 1 milhão de euros, não conseguiram compradores. O Deutsche Bank, um dos principais patrocinadores da Frieze, ainda não vê motivos para retirar seu patrocínio cultural.

Entre as instituições alemãs mais prejudicadas pela falência do grupo financeiro norte-americano Lehman Brothers, estão a Schirnhalle e o Museu Städel de Frankfurt, dirigidos por Max Hollein, filho do arquiteto austríaco Hans Hollein.

É longa a lista de patrocinadores privados de Hollein, que agora sente os efeitos da crise. Comentando seus efeitos no mercado da arte, o diretor declarou, em entrevista à Spiegel Online, que o mercado da arte não é algo autônomo e, como no final dos anos de 1980, a bolha do mercado da arte também estourou devido a uma crise financeira.

Otimista quanto ao futuro, Hollein acresceu: "Mas isto não quer dizer que, em tempos difíceis, nada mais é possível. O Museu de Arte de Nova York foi criado no ano da crise de 1929".