Maduro segue sem divulgar resultados completos
1 de agosto de 2024Mais de 72 horas depois de declarar Nicolás Maduro como “vencedor”, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela seguia no final da manhã desta quinta-feira (01/08) sem divulgar os resultados completos da eleição presidencial no país, realizadas no último domingo.
Paralelamente, o CNE também cancelou uma coletiva de imprensa prevista nesta quinta-feira pela manhã.
A demora do regime em divulgar os resultados e as atas da votação, considerando que o sistema de votação da Venezuela é eletrônico, vem sendo encarada por países vizinhos e pela oposição como um sinal de que o regime não quer admitir uma derrota e está tentando ganhar tempo para fraudar o pleito com a fabricação de números.
Regime segue sonegando resultados completos
Até o momento, tudo o que o regime anunciou sobre as eleições foi a leitura, na madrugada de segunda-feira, de uma simples folha de papel com números arredondados pelo presidente do CNE, Elvis Amoroso, um aliado de Nicolás Maduro.
Na ocasião, diante das câmeras, Amoroso anunciou que seu padrinho político havia vencido o pleito com 51,2% dos votos, quando a contagem estava supostamente em 80%, e que o resultado era irreversível.
E tem sido apenas isso mais 72 horas depois. Na tarde de quinta-feira, o site do CNE seguia fora do ar, e o regime ainda não havia disponibilizado todas as atas da eleição. Não se sabe nem mesmo se a contagem total foi de fato completada.
Os dados vagos divulgados até agora pelo regime provocaram imediatamente desconfiança entre boa parte da comunidade internacional e acusações de fraude.
A oposição, que montou uma enorme operação para fotografar o máximo de boletins de urna e atas possíveis durante o pleito, afirma que tem como provar que seu candidato, Edmundo González, teve mais que o dobro de votos que Maduro.
Na quarta-feira, Maduro, ao ser questionado por um jornalista sobre a demora da divulgação dos dados detalhados, culpou a ação de supostos hackers e disse que o CNE está em meio “uma batalha cibernética nunca antes vista”.
Paralelamente, Maduro também pediu para que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) audite as eleições. O anúncio foi fortemente criticado por observadores, já que passa longe de uma avaliação independente, considerando que a corte é fortemente aparelhado pelo regime de Maduro. Recentemente, o TSJ, a mais alta corte do país, barrou candidatos da oposição no pleito presidencial. Em 2017, o TSJ ainda teve papel central em cassar os poderes da Assembleia Nacional, à época controlada pela oposição.
Brasil assume embaixadas de dois países na Venezuela
Após expulsão de diplomatas pelo regime de Maduro, Itamaraty vai ser responsável pelas representações do Peru e Argentina – e proteção de opositores abrigados na representação nesta última. Regime segue sonegando divulgação de resultados completos.
A pedido dos governos do Peru e da Argentina, o Brasil assumirá as embaixadas da Argentina e do Peru em Caracas, após o regime de Nicolás Maduro ordenar a expulsão de diplomatas desses países, que assumiram posições críticas em relação à divulgação do resultado da eleição presidencial venezuelana.
Nesta quinta-feira (01/08), a bandeira brasileira foi hasteada na representação argentina em Caracas. Na prática, o Brasil ficará responsável por atender os interesses diplomáticos desses dois países, incluindo a proteção dos prédios e de cidadãos. E, crucialmente, o Brasil também ficará responsável pelos cuidados de seis opositores venezuelanos que procuraram proteção na embaixada argentina. Nos últimos dias, agentes do regime chavista cercaram a sede da embaixada e chegaram a cortar a luz do prédio.
Além da Argentina e Peru, o regime chavista também expulsou o corpo de diplomático do Chile, Costa Rica, Panamá, República Dominicana e Uruguai.
Nesta quinta-feira, presidente da Argentina, Javier Milei, agradeceu publicamente o governo brasileiro em mensagem na rede X. "Agradeço imensamente a disposição do Brasil em assumir a custódia da embaixada argentina na Venezuela. Os laços de amizade que unem a Argentina ao Brasil são muito fortes e históricos."
"Durante todo esse processo eleitoral, o regime venezuelano aplicou seu esquema repressivo, complementado por ações destinadas a distorcer completamente o resultado eleitoral, tornando-o vulnerável para a manipulação mais aberrante", prossegue a organização. "O manual completo da manipulação fraudulenta do resultado eleitoral foi aplicado na Venezuela na noite de domingo, em muitos casos de forma muito rudimentar.
Oposição diz que tem como provar que venceu
A líder oposicionista María Corina Machado garantiu na segunda-feira que a oposição tem meios para provar a "vitória esmagadora" de Edmundo González Urrutia nas eleições presidenciais.
"Temos 73,2% das atas e, com este resultado, o nosso presidente eleito é Edmundo González Urrutia [...] A diferença foi tão grande, tão grande, a diferença foi esmagadora, a diferença estava em todos os estados da Venezuela", frisou a ex-deputada, ao lado de González, líder da Plataforma Unitária Democrática (PUD), o maior bloco da oposição.
Machado indicou que, de acordo com 73,2% das atas, Maduro obteve 2.759.256 votos, enquanto González, 6.275.182. A oposicionista explicou que todas essas atas foram verificadas e digitalizadas. Elas já foram disponibilizadas num portal de internet criado pela oposição.
Nesta quinta-feira, um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros e estrangeiros a partir dessas atas também indicou que González venceu a eleição presidencial com 66,1% dos votos contra 31,3% de Maduro. O levantamento mostra inclusive que a oposição avançou sobre antigos redutos políticos do chavismo.
Protestos, repressão e mortes
Protestos se espalharam por toda a Venezuela desde que o CNE declarou Maduro, há 11 anos no poder, como o vencedor do pleito. A polícia do regime vem reagindo com violência contra os manifestantes. Vídeos registraram várias estátuas que representam Hugo Chávez – o antecessor e padrinho político de Maduro – sendo derrubadas e vandalizadas pelo país.
Pelo menos 11 pessoas foram mortas no país desde que a eleição terminou, de acordo com o grupo de direitos humanos venezuelano Foro Penal. Prisões de oposicionistas também foram registradas em várias cidades.
O país já foi palco de grandes ondas de protestos em 2013, 2014, 2017 e 2019, que tiveram como gatilho tanto a ruína econômica que aflige a Venezuela quanto acusações de manipulação de resultados eleitorais. Em todos os casos, o regime reagiu com violência, e a repressão deixou dezenas de mortes.
Na terça-feira, Maduro e seu principal aliado legislativo, Jorge Rodriguez, chefe do Congresso, acusaram González e a líder da oposição, María Corina Machado, de fomentar a violência. Em um discurso transmitido pela televisão estatal, ele declarou que os manifestantes da oposição haviam agredido civis e iniciado incêndios, exigindo que González respondesse por eles.
Rodriguez foi ainda mais direto ao insistir que ambas as figuras da oposição deveriam ser presas pelos crimes dos manifestantes: "Seus chefes deveriam ir para a prisão", disse ele aos legisladores, acusando González de liderar uma "conspiração fascista".
Em uma coletiva de imprensa a jornalistas de diferentes países, Maduro partiu para a ofensiva e culpou a tensa situação e o isolamento diplomático da Venezuela a grupos conspiracionistas de ultradireita, que ele conceituou como inimigos políticos "perversos e macabros".
Reação internacional
O resultado oficial divulgado pelo CNE só foi reconhecido na maioria por países aliados de Maduro, incluindo ditaduras ou regimes que encenam eleições de fachada regularmente. Maduro recebeu felicitações da China, Rússia, Irã, Nicarágua, Cuba e Belarus.
Já o Chile, Argentina, Estados Unidos, Espanha, Uruguai, Paraguai, Costa Rica foram críticos e sinalizaram suspeitas de fraudes no processo. A União Europeia pediu "total transparência".
O subsecretário de Estado dos EUA para o Hemisfério Ocidental, Brian Nichols, afirmou na quarta-feira que estava claro que Edmundo González havia recebido mais votos do que Nicolás Maduro, na declaração mais contundente vinda de uma autoridade de Washington até o momento. "Está claro que Edmundo González Urrutia derrotou Nicolás Maduro por milhões de votos", disse Nichols, durante reunião na Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington.
Já o governo do Peru foi mais longe, e anunciou na terça-feira que reconhece González como presidente eleito da Venezuela.
Ministros das Relações Exteriores do G7 também aprovaram uma declaração na quarta-feira expressando solidariedade ao povo venezuelano e preocupação com os resultados das eleições. Na declaração, os ministros pediram aos "representantes venezuelanos a publicação dos resultados detalhados das eleições com total transparência" e "que compartilhem imediatamente todas as informações com a oposição e observadores independentes".
O regime chavista reagiu à pressão externa ordenando a expulsão de diplomatas de sete países latino-americanos, incluindo o Chile.
O Brasil, por sua vez, após horas de silêncio, tem evitado felicitar Maduro, esperando mais dados sobre a votação. Em nota, o Itamaraty disse aguardar "a publicação pelo Conselho Nacional Eleitoral de dados desagregados por mesa de votação, passo indispensável para a transparência, credibilidade e legitimidade do resultado do pleito".
O presidente Lula, por sua vez, também cobrou a divulgação das atas eleitorais, mas ao mesmo tempo disse não ver "nada anormal" na tensão sobre os resultados no país vizinho e sugeriu que, em caso de disparidade nas atas, que a oposição procure a Justiça e espere. Na terça-feira, Lula ainda conversou com o presidente dos EUA, Joe Biden, sobre a crise Venezuela. Após a ligação, os dois países divulgaram notas reafirmando a importância da divulgação de dados completos do pleito pelo regime chavista. México e Colômbia também tem adotado uma linha similar ao Brasil.
OEA e ONG denunciam manipulação
Na terça-feira, uma das ONGs que atuou como observadora eleitoral independente nas eleições presidenciais da Venezuela, o Centro Carter afirmou que o pleito "não pode ser considerado democrático"e apontou "grave violação dos princípios eleitorais" na forma como as autoridades do país têm conduzido o processo e a divulgação do resultado.
O Centro Carter, uma ONG especializada em monitoramento eleitoral fundada pelo ex-presidente americano Jimmy Carter, teve papel de destaque em atestar a lisura de outros pleitos realizados sob o regime chavista, como o referendo de 2004 e as presidenciais de 2006. Em 2012, o americano elogiou publicamente o sistema de votação eletrônico do país.
O Departamento de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) declarou também que não tinha como reconhecer o resultado anunciado pelo CNE venezuelano, e apontou que o regime chavista aplicou todo o "manual da manipulação fraudulenta" para distorcer o resultado real.
Na quarta-feira, após abstenções do Brasil e da Colômbia, o Conselho Permanente da OEA rejeitou uma resolução que exigia maior transparência do regime venezuelano. Formada por 34 nações, a reunião extraordinária terminou com 17 votos favoráveis — um a menos do necessário para aprovação — além de 11 abstenções e cinco ausências.
Apesar da falta de consenso, o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, dirigiu palavras duras contra Maduro na quarta-feira e disse que pretende pedir um mandado de prisão contra o autocrata venezuelano ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia.
"Maduro prometeu um banho de sangue, e ficamos indignados ao ouvir isso e ainda mais indignados agora que ele está fazendo isso. Existe premeditação, traição, impulso brutal, ferocidade, vantagem superior. É hora de apresentar acusações e um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional contra os principais perpetradores, incluindo Maduro. É hora de Justiça. Vamos solicitar o indiciamento dessas acusações. Por um hemisfério livre de crimes contra a humanidade", disse Almagro durante a reunião do Conselho Permanente da OEA.
Eleições marcadas por arbitrariedades
O pleito presidencial deste ano na Venezuela foi visto como um dos mais importantes dos últimos anos, devido à insatisfação de grande parte dos venezuelanos com os rumos políticos, econômicos e sociais do país. A eleição do último domingo havia sido negociada e assinada entre a oposição e o regime em 18 de outubro de 2023, em Barbados, no Caribe, após mediação da Noruega e aval do Brasil.
O acordo previa não apenas eleições livres e justas em 2024, mas também a libertação de presos políticos, o que, em troca, renderia o alívio de algumas sanções impostas pelos Estados Unidos e pela União Europeia .
O regime chavista, no entanto, não demorou para começar a barrar candidatos oposicionistas, prender dissidentes e ameaçar o eleitorado rival. A líder da oposição, María Corina Machado, foi impedida de concorrer pela Justiça Eleitoral e, depois, pelo Supremo do país, ambos controlados pelo regime de Maduro. Corina Yoris, sua primeira substituta, também não conseguiu se registrar.
De última hora, a oposição se organizou em torno do diplomata aposentado Edmundo González Urrutia, 74 anos, um nome praticamente desconhecido, mas que acabou sendo aceito pelo regime para concorrer.
Em comícios da oposição, policiais e membros de coletivos chavistas frequentemente bloquearam acessos para dificultar a participação ou intimidar oposicionistas.
Em março, Maduro também classificou de "terrorista" o partido de María Corina, o Vem Venezuela (VV). Na sequência, sete membros do VV foram presos. Maduro também lançou várias ameaças, chegando a prever que a Venezuela seria palco de um "banho de sangue", caso o chavismo saísse derrotado.
O regime ainda impôs uma série de regras para o votos de venezuelanos que moram no exterior, que foram encaradas como uma tática para dificultar a participação da imensa diáspora do país: no final, menos de 1% dos 7,7 milhões de venezuelanos que vivem fora do país foram habilitados a votar.