"Maduro se recusou a enxergar a realidade"
1 de fevereiro de 2019O sociólogo e economista alemão Heinz Dieterich é conhecido por suas posições de esquerda e principalmente por ser autor de uma obra que serviu de inspiração para Hugo Chávez e por ter sido assessor do governo venezuelano até 2007.
Ele é diretor do Centro de Ciências de Transição na Universidade Autônoma Metropolitana (UAM) da Cidade do México e autor de Sozialismus des 21. Jahrhunderts (socialismo do século 21), além de ter escrito A sociedade global, junto com o renomado sociólogo americano Noam Chomsky.
Em entrevista à DW, Dieterich diz que o governo Maduro errou ao não se adaptar à nova realidade e não reagir à crescente insatisfação popular.
"Talvez o maior erro de Maduro tenha sido não modificar o modelo político-econômico de Hugo Chávez, que já estava esgotado em 2010, pela queda dos preços do petróleo", afirma.
DW: Qual foi o maior erro de Nicolás Maduro? Teria sido se apegar ao poder?
Heinz Dieterich: Sem dúvida alguma. Mas talvez o maior erro tenha sido não modificar o modelo econômico político de Hugo Chávez, que já estava esgotado em 2010, pela queda dos preços do petróleo, fundamentalmente. Ele tinha que reestruturar esse modelo, e foi coisa que não fez. As consequências foram a depreciação da moeda nacional e a deterioração do bem-estar da população. Os programas sociais já não podiam ser financiados.
Ele teria se recusado a enxergar a realidade?
Sim, esse foi o primeiro grande erro de Maduro, não mudar o modelo de desenvolvimento e não responder ao crescente inconformismo social. Ele também não modificou o discurso político e, quando tudo isso convergiu na derrota nas eleições de 2015 (a oposição ganhou a maioria no Parlamento), em vez de buscar um novo início, ele começou a utilizar as forças policiais para controlar a situação. Foi uma espiral que começou em 2011 e agora vemos chegar a seu fim.
Qual foi o papel da inteligência cubana na estratégia de Maduro?
Creio que houve dois grandes erros de Cuba neste processo. Quando Hugo Chávez ficou doente e se tornou previsível que seria necessário alguém para continuar seu projeto histórico, havia duas propostas. Lula, que então estava à frente do governo do Brasil, dizia que o governo da Venezuela era tão fraco que tinha que fazer alianças com a burguesia nacional para desenvolver o país e, após um êxito econômico, fazer reformas mais profundas para a revolução. Fidel Castro, de outro lado, dizia que Maduro tinha que radicalizar a revolução e que não deveria fazer acordos com a burguesia, porque acabaria sendo traído. Essa foi a grande virada, que foi errada, do meu ponto de vista. Maduro decidiu seguir a proposta de Fidel. O segundo grande erro foi que ele confiava exclusivamente na força dos militares. E aí os serviços de inteligência cubanos tiveram um papel importante.
Não havia uma inteligência venezuelana funcional?
Depois do fracassado golpe de 2002 contra Hugo Chávez, obviamente a Venezuela não tinha serviços de inteligência em funcionamento. E Cuba ajudou com os serviços de inteligência e, claro, também com os médicos no âmbito social. A influência do aparato de segurança cubano sobre a Venezuela segue vigente hoje em dia e, na minha opinião, os cubanos não entenderam que este modelo iria fracassar. Não previram que Washington pressionaria até o câmbio pela força se não houvesse uma mudança pela negociação. Isso foi um erro dos serviços de inteligência e da diplomacia cubana, que compartilhou informação com a diplomacia russa, chinesa e boliviana. Nunca entenderam que o modelo já era insustentável há cinco anos e então venderam a seus governos a ideia otimista de que o controle de Maduro sobre a Venezuela era seguro.
Eles achavam que a insatisfação social seria transitória?
Achavam que havia uma crise transitória mas que podia ser controlada. Isso foi um erro grave, subestimar a política de Washington que, logicamente, voltou a ficar muito agressiva com Trump. Subestimaram esse potencial quando quiseram reagir no momento que Guaidó se converteu no protagonista de Washington na Venezuela. Quando ele se autoproclamou presidente interino, apoiado por Washington, já era tarde demais.
Acredita numa ruptura no Exército que apoia Maduro?
Essa ruptura já aconteceu. Washington fez uma oferta através do Comando Sul, do almirante Craig S. Faller, que Guaidó retomou, dizendo que as Forças Armadas bolivarianas favorecerem uma saída pacífica de Maduro, que este poderia ir para o exílio, porque não se deseja uma guerra; que, se as Forças Armadas deixarem Maduro cair, é possível se chegar a um governo de transição e convocar eleições livres sem derramamento de sangue.
E essa oferta de Washington foi aceita?
Acho que os generais a aceitaram. O ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, fez um discurso há alguns dias que, na minha opinião, era uma mensagem codificada para Washington, dando a entender que os altos generais aceitavam essa oferta. Que eles entendem que Maduro é substituível e que é possível negociar um novo governo com o império, com Washington. Agora, a verticalidade das Forças Armadas segue essencialmente intacta, mas claro que há 150 generais, coronéis, e militares nas prisões. O descontentamento com o rumo do país e das Forças Armadas sob Maduro já tem vários anos. O ultimato de Washington pretende sacrificar Maduro ou entrar numa guerra bélica com Colômbia, Brasil e Otan como aliados. Isso mudou a situação.
Os comandos médios e baixos do Exército sofreram na própria pele as mesmas carências que a população?
Tem havido uma alta taxa de deserção de soldados rasos, porque as condições de vida são muito deploráveis. Há quadros médios na hierarquia militar que voltam ao ideário de Chávez. Os quadros médios e a tropa são chavistas, bolivarianos, não são maduristas. À medida em que a pressão cresce sobre o papel das Forças Armadas vai ficar evidente essa ruptura entre a liderança dos militares corruptos e privilegiados e os postos médios e inferiores da hierarquia.
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