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Venezuela no fogo cruzado das potências mundiais

31 de janeiro de 2019

A Venezuela pode ser o estopim de uma nova Guerra Fria na América Latina: percebendo que perdem para China a influência na região, EUA não aceitarão abrir mão de seu "quintal", avalia colunista Alexander Busch.

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Manifestação antigoverno em Caracas
Manifestação antigoverno em CaracasFoto: Getty Images/AFP/Y. Cortez

Quando o assunto é Venezuela, as ex-superpotências Estados Unidos e Rússia vasculham fundo no baú de cacarecos verbais da Guerra Fria. Ao anunciar recentemente que todo o faturamento em dólares com importações de petróleo venezuelano ficaria congelado numa conta especial, o assessor de Segurança americano, John Bolton, acrescentou, ameaçador: "A opção militar continua sobre a mesa."

O ministro russo do Exterior, Sergey Lavrov, advertiu contra uma intromissão militar americana: "Parece que os EUA não hesitariam em derrubar governos malquistos na América Latina." Ainda em dezembro, o presidente Vladimir Putin enviara ao Caribe dois bombardeiros supersônicos TU-160, com capacidade para portar armas nucleares. Uma provocação, já que Caracas está a apenas três horas de voo de Miami.

Alexander Busch, colunista da DW Brasil em Salvador
Alexander Busch é colunista da DW Brasil em SalvadorFoto: Paulo Fridman

Comparado com os fanfarrões da Rússia e dos EUA, a terceira potência na Venezuela se manifesta de forma quase moderada. Hua Chunjing, porta-voz do Ministério do Exterior da China, urgiu todas as partes envolvidas a manterem a calma e negociarem uma solução política conjunta.

Isso soa tão débil e inócuo quanto uma resolução das Nações Unidas. No entanto, por trás está o pragmatismo chinês e uma porção de understatement, pois a China é a potência mundial que, há uma década, apoiou, com mais de 60 bilhões de dólares, primeiro o autocrata Hugo Chávez e agora seu sucessor, Nicolás Maduro. Sem Pequim, há muito os caudilhos de esquerda já estariam fora do jogo.

Nenhum outro país recebeu tanto crédito chinês quanto o grande produtor de petróleo no Caribe – um fato que os dirigentes em Pequim agora lamentam profundamente. "Com o desastre econômico, social e político, todo o interesse da China na Venezuela dissipou-se de uma vez só", confirma Matt Ferchen, especialista do Carnegie-Tsinghua Center for Global Politics. "A China quer, acima de tudo, estabilidade."

Para Pequim, o foco mundial sobre a Venezuela é um fator perturbador para a longamente planejada conquista estratégica da América Latina. Ele chama a atenção dos EUA e, em última análise, da comunidade internacional para o fato que, nos últimos 15 anos, Pequim expandiu meteoricamente sua influência econômica, mas sobretudo também política, na região.

E isso "no quintal dos Estados Unidos", que é como há quase 200 anos Washington vê os 23 Estados e 650 milhões de habitantes ao sul do Texas, até a Patagônia. Tudo começou em 1823, com a doutrina Monroe, quando o então presidente americano, James Monroe, declarou o Hemisfério Ocidental zona de influência exclusiva dos Estados Unidos. Desde então, os governos americanos consideram em primeira linha os próprios interesses estratégicos.

Agora a doutrina volta a ser colocada à prova, devido à entrada em cena da China – como 50 anos atrás, quando a União Soviética tentou inutilmente ampliar sua influência na região, a partir de Cuba. O novo jogo de poder tem consequências imprevisíveis.

"Washington não estará disposto a aceitar a China como mais importante protagonista econômico e político na América Latina", afirma Oliver Stünkel, professor de relações internacionais da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. No entanto, os EUA provavelmente não terão alternativa, pois num breve prazo os chineses ampliaram sua rede econômica e política na região, e a ela os americanos nada têm para opor.

A direção e velocidade da ofensiva chinesa na América Latina ultrapassa longe a inicial garantia de matérias-primas e energia, a qual acabou por tornar toda a região dependente das exportações para a China de minério de ferro, soja, cobre e petróleo.

Até o momento, o país já investiu lá 150 bilhões de dólares, muito mais do que na África, algo apenas superado por seu engajamento na Ásia. Conglomerados chineses compram usinas, redes de eletricidade, aeroportos e portos marítimos, constroem ferrovias, estabelecem zonas de livre-comércio e agora investem em fábricas de automóveis e plataformas digitais.

Originalmente, a assim chamada Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative, ou BRI) não era destinada à América Latina, mas em 2018 o presidente Xi Jingping constatou, em uma de suas numerosas viagens, que a região "é a expansão natural da Rota da Seda marítima no século 21".

Desde então, 14 nações latino-americanas se candidataram para investimentos chineses no contexto da BRI. Chile, Peru e Colômbia, voltados para o Oceano Pacífico, competem agressivamente a fim de se transformarem em cabeças de ponte para os produtos chineses na América Latina, e para tal estão também dispostos a fazer concessões políticas ao Extremo Oriente.

Em 2018, a República Dominicana, El Salvador e Panamá cortaram relações diplomáticas com o Taiwan e as estabeleceram com Pequim, que os recompensou generosamente. Assim, agora o Panamá fechou mais de 20 grandes projetos com a China, e com seu canal o país é um eixo e polo decisivo para a dominância estratégica dos EUA no Hemisfério Ocidental.

Sob o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, também o México, colaborador estreito dos EUA, mostra-se aberto para investimentos chineses. Em conjunto com Pequim, o novo presidente pretende iniciar um Plano Marshall para a América Central, no montante de 30 bilhões de dólares, a fim de criar empregos e infraestrutura na região e, no médio prazo, limitar o fluxo de refugiados em direção ao Norte.

Contra isso, nem mesmo Donald Trump tem como impor seu veto. "A China está procedendo na América Latina com muito mais criatividade do que os EUA", observa Stünkel. Então não é de espantar que, após as hostilidades por parte do presidente americano, o México prefira apostar paralelamente na cooperação com a China.

"Para os governos da América Latina, o engajamento de longo prazo na China é mais atraente do que o tratamento inseguro, volátil, pelos Estados Unidos", comenta Cui Shoujun, diretor do Center for Latin America Studies da Universidade Renmin, na China.

Há muito os EUA mal prestam atenção à América Latina: além de "Chávez, Castro e Coca", o "quintal" não lhes interessa. Mas agora o país alerta de forma ácida contra a sedução chinesa. David Malpass, secretário de Estado para assuntos estrangeiros no Departamento de Finanças americano, menciona problemas de segurança, caso as comunicações da região fiquem centradas em redes chinesas.

O secretário do Exterior Mike Pompeo critica que a China não se preocupe com o bem-estar dos cidadãos latino-americanos, em vez disso cuidando, acima de tudo, do interesse de seu próprio governo: "Esses acordos são bons demais para ser verdade."

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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Clique aqui para ler suas colunas. 

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