Sempre gostei do dito "O patriotismo é o último refúgio do canalha". Talvez pelo fato de eu – como muitos alemães, por causa da nossa história – ter problemas com o patriotismo exacerbado, e ainda mais com o nacionalismo.
A frase, de acordo com a Wikipédia, é atribuída ao inglês Samuel Johnson. Lá consta, ainda, que a crítica não é ao "amor real e generoso" pela pátria, mas ao "pretenso patriotismo que tantos, em todas as épocas e países, têm usado como um manto para os próprios interesses".
Em nenhum outro campo o dito de Johnson se aplica tanto quanto na política. Pois cada um pode definir para si mesmo – dependendo do que convenha à agenda política pessoal no momento – o que quer dizer concretamente o tal patriotismo, e o que se deve fazer ou deixar de fazer para ser visto como patriota.
Também no Brasil o patriotismo e seus símbolos – a bandeira nacional e a camisa da Seleção – são empregados como o instrumento com que o Flautista de Hamelin atraiu os ratos e as crianças. Toda vez que um político apela para o patriotismo, fico pensando que ele não tem mais nenhum outro bom argumento.
Madonna e sua varinha de condão
Entendo bem a irritação de muitos de meus conhecidos e amigos, que bem gostariam de torcer pela Seleção no futebol, mas que não suportam mais as camisas amarelas por evocarem associações com a direita, que não perde oportunidade de desfilar com esse uniforme e a bandeira brasileira.
Mas agora, dizem, a cantora Madonna resgatou dos direitistas os símbolos nacionais. Depois do show de duas horas no Rio de Janeiro, as cores voltaram a representar um Brasil inclusivo e tolerante. Isso seria realmente uma façanha incrível por parte da cantora: abanou um pouquinho com a bandeira e tudo está bem de novo. Soa um pouco como pensamento mágico infantil.
Quando eu era jovem, achava a Madonna realmente o máximo: boas canções, e eu e os meus amigos éramos todos loucos por ela. Nos anos 90, eu pulava pelas discotecas ao som da sua música. Nos últimos 25 anos, porém, infelizmente a gente se afastou. A última canção dela que achei boa era na verdade do Abba: Hung up. Mas tudo bem.
Madonna sempre foi uma personagem artificial. Compreendo que ela queira continuar fazendo o mesmo número – embora eu mesmo não consiga conceber como, aos 65 anos, ela continua fazendo o possível e o impossível para parecer que tem 20.
Eu podia achá-la fantástica como modelo para uma forma saudável e positiva de encarar o inevitável envelhecimento. Mas não sou grande entendedor de personagens artificiais. Além disso, é algo que cabe a cada um decidir por si.
Quando o grátis sai caro
Fui igualmente ingênuo ao ouvir que a estrela pop daria um show de graça na praia de Copacabana. De fato, achei que ela ia pagar tudo do próprio bolso: um gesto bacana para os fiéis fãs brasileiros, por ocasião de seu jubileu de 40 anos no palco, pensei eu. Claro que ela ia pagar tudo: eu também financiei o meu aniversário de 40 anos. E ela, enquanto cantora mais rica de todo o mundo, sem dúvida pode arcar com uma festa, sem o menor problema.
Errado: Rnbsp;10 milhões saíram dos cofres municipais vazios; outros Rnbsp;10 milhões, dos ainda mais vazios cofres do estado do Rio de Janeiro, que para isso teve que contornar suas regras de recuperação fiscal.
E o resto dos Rnbsp;60 milhões que custou o espetáculo, em parte pagamos eu e milhões de outros cidadãos que têm conta no maior patrocinador do evento, o Banco Itaú. Ao que consta, Madonna recebeu Rnbsp;17 milhões pela apresentação. Nada mal, para duas horas de playback.
O fato de ela ter feito a TV Globo transmitir beijos, seios femininos nus e cenas de masturbação provavelmente fez corar parte dos telespectadores. Mas quem assistia à MTV nos anos 80 já conhecia isso. Portanto, tudo no campo do previsível: afinal de contas, supostas quebras de tabu são a essência da arte da Madonna e do seu sucesso comercial. E a Globo embolsa um lucro de Rnbsp;50 milhões pela transmissão das bem calculadas quebras de tabu. Também nada mal.
Inusual, mas, ainda assim, também calculado, foi o comentário da Madonna sobre as cores da bandeira brasileira: "That green and yellow flag I see everywhere... I feel it in my heart, I feel it in my pussy" ("Aquela bandeira verde-e-amarela que eu vejo por toda parte... Eu sinto no meu coração, eu sinto na minha vulva").
Será que isso vai gerar um mal-estar entre os Bolsonaros e companhia, da próxima vez que eles desfilarem com o pavilhão nacional?
Então: não achei fora do comum a aparição com camisa verde-e-amarelo e bandeira. Isso já faz parte, toda vez que um/a artista estrangeiro/a se apresenta no Brasil. Ela/es sabem como conquistar o público. Pois não só os populistas de direita usam esse manto para os próprios interesses: também artistas como a loura Madonna, que fazem os trouxas pagarem pela própria festa.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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