A amarelinha divide o país do futebol
27 de junho de 2018Copas do Mundo costumam ser um momento em que as pessoas, de uma hora para a outra, passam a fazer uma análise crítica de si mesmas e de seu país. Quando a seleção nacional vence, isso supostamente diz alguma coisa também sobre o funcionamento da própria sociedade. No nosso caso, o dos alemães, significa que a seleção é uma máquina bem azeitada, uma obra-prima da engenharia – como uma Mercedes. Se ela vence jogando bem, claro.
Se, ao contrário, o caos domina a equipe, como nos jogos contra o México e a Suécia, isso só pode ser um reflexo do caos político que predomina na Alemanha. Como as carreiras do treinador Joachim Löw e da chanceler federal Angela Merkel sempre correram em paralelo, é simplesmente lógico que os seus próprios sistemas estejam agora, ao mesmo tempo, caindo sobre suas cabeças.
No Brasil parece não ser muito diferente. Os grandes triunfos de 1958 e 1962 representavam, claro, o "momento Bossa Nova", quando o país de repente ascendeu e passou a ser percebido internacionalmente. Quando a Seleção cai de forma inglória, o fracasso da equipe é um reflexo da disfuncionalidade de toda a sociedade, como mostra a autodilaceração da sociedade brasileira desde o 7 a 1 em Belo Horizonte.
Nessas horas, jogadores de futebol são o bode expiatório perfeito. Os jogadores da seleção alemã que têm raízes no exterior sabem disso melhor do que ninguém. Quando as coisas não andam bem, eles são os primeiros a serem criticados. Mais ainda, passa a ser questionado até se eles deveriam fazer parte do selecionado nacional, devido às suas raízes.
No Brasil também se pode observar uma discussão semelhante sobre supostos "traidores da pátria". Quem ganha seus milhões no exterior tem mais chances de ser visto como um "mercenário" que não se empenha com a paixão suficiente. A paciência é maior com aqueles jogadores que defendem as cores do próprio clube, jogando no Brasil.
É difícil escapar desse dilema. No nosso mundo globalizado, as Copas do Mundo substituíram as guerras. Não é mais necessário conquistar outros países para satisfazer sentimentos patrióticos – basta derrotá-los em campo para acalmar nosso fervor nacionalista. Bola em vez de bala – o futebol é uma das melhores conquistas da civilização.
Porém, a coisa fica mais complicada quando um grupo político se adona de um símbolo nacional, como a amarelinha, e passa a monopolizá-lo. Foi o que aconteceu durante os protestos contra a então presidente Dilma Rousseff, em 2015 e 2016. Usar as cores do Brasil em oposição ao vermelho do PT é, claro, enviar a mensagem de que apenas quem enverga a camisa da Seleção é um patriota e de fato brasileiro. Todos os outros não são. Pior ainda, eles são tachados de agentes estrangeiros. "A nossa bandeira jamais será vermelha" era o grito de guerra daqueles protestos. Todos os outros fariam melhor em se mandar para Cuba ou para a Venezuela, sua pátria de fato, era a mensagem.
O uso da amarelinha pelo movimento #ForaDilma certamente colaborou para o interesse apenas morno pela atual Copa do Mundo. Amigos meus que são de esquerda automaticamente identificam pessoas que usam a amarelinha como "coxinhas" e, portanto, "golpistas". Claro que também essa estigmatização automática é horrível e simplista, mas ela reflete a polarização extrema da sociedade.
E o próximo degrau desse acirramento ocorre agora nas redes sociais, depois que apareceram vídeos que mostram torcedores brasileiros vestindo a amarelinha e ofendendo mulheres e jovens russos no país-sede da Copa. Agora, além de "coxinha" e "golpista", quem veste a camisa da Seleção corre o risco de ser também "machista" e "fascista".
Um título para o Brasil acabaria com a polarização entre esses dois lados que parecem irreconciliáveis? Os dois lados poderiam se abraçar em paz com o Brasil campeão? É algo desejável. Leio no jornal que, nos últimos dias, a camisa azul da Seleção vendeu melhor do que a amarelinha. O azul é a cor da paz, isso dá esperança de que os "amarelos" e os "vermelhos" voltem a se entender – mesmo que seja de azul.
Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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