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Lugar de idosas é na rua tentando mudar o mundo

Nina Lemos
Nina Lemos
16 de abril de 2024

Há algo de novo no front: mais velhos, na maioria mulheres, participam de protestos. Semana passada tivemos exemplo da força desses movimentos: idosas ganharam ação que condenou Suíça por falha na proteção climática.

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Mulher de costas segura cartaz com dizer Omas Gegen Rechts em protesto em Berlim
Na Alemanha, a organização de idosas Omas Gegen Rechts (Vovós contra a Extrema Direita) é famosaFoto: picture-alliance/dpa/P. Zinken

Quando imaginamos manifestantes indo às ruas para tentar mudar o mundo, a primeira coisa que vêm à cabeça são grupos de jovens idealistas, estilo, como diria a música "cabelos soltos, gente jovem reunida". Afinal, historicamente, são os jovens que puxaram manifestações para mudar a sociedade.

Isso aconteceu, por exemplo, nos movimentos de Maio de 1968 na França, nos protestos contra a guerra do Vietnã nos Estados Unidos e também na luta contra a ditadura no Brasil. Esses movimentos tinham simpatizantes mais velhos também, claro, mas foram liderados principalmente por estudantes.

Jovem costuma ser mais rebelde mesmo (e isso pode ser ótimo). Mas, nos últimos anos, há algo de novo no front (ou de velho, literalmente): são as pessoas mais velhas (em sua maioria mulheres) que saem às ruas se manifestar pelo clima, contra os preconceitos e contra o fascismo.

Semana passada, tivemos um exemplo da força desses movimentos capitaneados por senhoras. Em uma decisão histórica, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) deu ganho de causa a uma ação movida por um grupo de senhoras que luta pelo clima, a Idosas pela Proteção do Clima. O tribunal reconheceu que a Suíça viola os direitos humanos ao falhar em tomar medidas para controlar as emissões de gases de efeito estufa.

O processo foi movido por cerca de 2 mil senhoras. Elas disseram que idosos correm um risco especial de morrer durante as ondas de calor e exigiram uma decisão que reduzisse as emissões de combustíveis fósseis muito mais rapidamente do que o planejado.

Mas elas não protestam só por elas, claro.

O curioso (e bonito) é que provavelmente muitas delas já estarão mortas quanto o mundo for atingido pelos piores efeitos da tragédia climática. Mas o idealismo ensina que não se luta só por si. Elas querem que o mundo sobreviva para seus netos e para os humanos em geral.

Ícone Jane Fonda

Uma das manifestantes pelo clima mais famosas do mundo é minha ídola Jane Fonda, de 86 anos. Em 2019, ela chegou a ser presa algumas vezes por protestar pelo clima em frente ao Capitólio, em Washington. Na época, ela alugou um apartamento e se mudou para a capital dos Estados Unidos só para protestar.

Em 2022, ela teve que dar um tempo dos protestos por razões de saúde, quando descobriu que estava com câncer. Mas já voltou à luta. "Quando eu fui para Washington protestar e fui presa, não me sentia mais deprimida. Toda vez que eu ajo, a esperança vem", disse ela numa palestra realizada mês passado no SXSW, o maior encontro de tecnologia e inovação do mundo.

Vovós contra a Extrema Direita

Na Alemanha, a organização de idosas Omas Gegen Rechts (Vovós contra a Extrema Direita) é famosa e costuma estar sempre presente em protestos contra a extrema direita e o fascismo. O grupo foi criado em 2018 e está espalhado por todo o país: de metrópoles como Berlim a cidades pequenas.

Na Alemanha, a gente encontra as Omas em manifestações no inverno, quando os termômetros marcam números negativos e em caminhadas embaixo de chuva. Elas estão sempre lá. É incrível.

E não são só elas que vão para as ruas. Nas grandes manifestações contra o fascismo que aconteceram na Alemanha em janeiro deste ano, milhares de idosos estavam presentes, até mulheres de muita idade que carregavam cartazes se denominando "as bisavós contra o fascismo". Eu brinco que, quando me aposentar, vou entrar para o Omas Gegen Rechts. É piada, mas tem um pouquinho de verdade. Acho que faz todo sentido usar o tempo livre na aposentadoria para lutar por essas causas importantes.

No Brasil, não existem grupos organizados só de senhoras, mas quem foi em manifestações anti-Bolsonaro, por exemplo, percebeu a grande quantidade de idosos presentes, principalmente, de novo, mulheres.

Minha melhor amiga mora no Rio de Janeira e é ativista de esquerda e pelos Direitos Humanos. Ela reclama constantemente da falta de "jovens" em manifestações – no caso, falamos daqueles que têm entre 20 e 40 anos. "O pessoal não vai. Eu e meus amigos somos sempre os mais jovens", diz ela, se referindo a pessoas na casa dos 50 anos. Pude confirmar que isso é verdade nas vezes em que estive com ela em protestos. Em manifestações no Rio de Janeiro, os cabelos brancos imperam.

Também em protestos conservadores

Claro, nem todos os idosos são assim. No Brasil, sabemos que muitos idosos foram para portas de quartéis após a derrota de Jair Bolsonaro para pedir um golpe de Estado. Na Alemanha, os mais velhos também tendem a ser mais conservadores do que os jovens.

Segundo um levantamento divulgado pelo jornal alemão Die Welt após as eleições locais de Berlim em 2023, o partido conservador União Democrata Cristã (CDU) foi o preferido entre os eleitores nas faixas etárias de 45 a 59 e entre os que têm 60 anos ou mais. Já a maioria dos jovens votaram no Partido Verde.

Sim, na hora do voto, a maioria dos mais velhos são conservadores. Mas as avós pelo clima e contra a extrema direita mostram que nem todos são assim. E, mais ainda, elas dão exemplo de que não basta votar, é preciso ir às ruas também. Muitos jovens têm muito o que aprender com os mais velhos. Seus avós podem te ensinar, inclusive, a se rebelar.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.