As vovós que lutam pela democracia na Polônia
6 de maio de 2021Clima de fim de expediente em Varsóvia, confusão no sinal de trânsito entre o "Presente de Stalin" (o Palácio da Cultura) e a estação ferroviária. Transeuntes apressados, a maioria concentrada no monitor do celular, como se quisessem ficar ainda um pouco mais anônimos do que já são, em meio cinza-concreto da metrópole.
Justamente por isso, destaca-se em meio à massa um pequeno grupo colorido, a maioria de terceira idade e do sexo feminino. Eles portam faixas e agitam bandeiras do arco-íris e da União Europeia. Um alto-falante berra: "Vai ficar maravilhoso, vai ficar normal!".
Na verdade, essa canção de rock cult está associada na Polônia ao fim da ditadura comunista, em 1989, porém desde o começo da pandemia de covid-19 ela voltou a se transformar em símbolo musical de esperança.
Também essas manifestantes têm esperança: de que o país deixe de seguir o curso do partido do governo, o nacional conservador Direito e Justiça (PiS). Elas se denominam "Polskie Babcie" – Vovós Polonesas – e querem ser mais do que o clichê da velhinha que prepara pierogi, os tradicionais pastéis cozidos, tricota e dedica seu tempo aos netos.
Estas senhoras ativistas até fazem esse tipo de coisa, mas além disso vão às ruas; muitas já protestam regularmente há seis anos. Como símbolo, escolheram a bandeira do arco-íris, em geral associada à comunidade LGBT. A delas traz o enunciado: "Vovós Polonesas. A força dos impotentes".
"Raiva é necessária para se agir"
Nesse fim de tarde, as Babcie desfilam pelo centro de Varsóvia. Pedestres as olham céticos, alguns se viram, uma jovem faz sinal de aprovação com o polegar, outra pergunta se pode tirar uma foto junto com as manifestantes.
Em geral, são os mais jovens a mostrar aprovação pelo que as senhoras estão fazendo. "Os jovens costumam aplaudir", comenta à DW Krystyna Piotrowska, que dentro de alguns meses fará 70 anos. "Pouco tempo atrás, uma moça veio até mim e agradeceu por nossas atividades. Ela disse que, graças a nós, se sentia segura."
Partindo dos que estão na faixa etária das Vovós, tais reações são antes raras,. "É mais fácil virem uns xingamentos que você não ia gostar de ouvir, pode acreditar", conta Piotrowska. Situações desagradáveis são também frequentes, como quando alguém lhes arranca a flâmula das mãos, ou diz que deveriam estar portando uma bandeira polonesa alvirrubra, em vez da do arco-iris.
Porém isso não é motivo para se deixar intimidar: "O que me impulsiona é a raiva. Ela pode ter uma má fama, mas é necessária para se agir", explica a manifestante, que não só é avó, como também bisavô de três.
De início, as Babcie se reuniam para ocasiões concretas, como dar respaldo aos juízes críticos ao governo. Mas agora protestam todas as semanas, e cada uma se concentra numa causa. Para Anna Łabuś, de 77 anos, por exemplo, é a luta contra "o aniquilamento da Constituição polonesa", para outra, trata-se da "imprensa independente e livre", outra ainda está apreensiva com o futuro do sistema de educação.
"Não sou capaz de ficar tranquila em casa, cada violação dos direitos me dói", prossegue Łabuś. "A UE deveria prestar mais atenção para que verbas estão fluindo para a Polônia e impor condições, a fim de que o nosso país volte a ser um Estado direito."
Democracia, um bem por que é preciso lutar
E quanto às concidadãs e concidadãos que pensam totalmente diferente? "Os 30% que votaram no PiS compensam os seus fracassos com as benefícios sociais que recebem do Estado", aponta Łabuś. "Nenhum deles pensa de onde esse dinheiro vem."
No entanto, além dos simpatizantes e dos opositores do partido nacionalista do governo, há ainda os que estão "no meio". "O pior de tudo são os indiferentes, e infelizmente no momento eles são a maioria", afirma Iwonna Kowalska, presidente das Polskie Babcie. "Eles ainda tem seu celular, seu passaporte, podem viajar. Não estão cientes do que estão tirando deles, passo a passo, e que em breve pode ser tarde demais para frear o processo. Nós tentamos lhes explicar."
A principal luta das Vovós é para que seus netos possam viver numa Polônia democrática. "Eu provavelmente não vou mais estar viva quando a minha neta estiver grande", comenta Kowalska, que conta 67 anos. "Mas para mim é importante ficar na memória dela como alguém que lutou pelos seus direitos." É impensável deixar para a neta um país "em que ela só possa fazer pierogi".
A presidente das Vovós cresceu durante a ditadura comunista polonesa (1945-89). Na época, muitos de sua idade lutaram contra o sistema e para viver num país democrático e livre. "Em 1989 a gente pensava; 'Agora temos a democracia, e ela vai ficar para sempre", recorda.
"Mas aí ficou constatado que a democracia é algo que se pode simplesmente dispersar com um sopro. Quando não se cuida o tempo todo dos valores fundamentais de uma sociedade, pelos quais todo mundo deveria se empenhar, pode acontecer que, de uma hora para a outra, a democracia deixe de existir."
"Nacionalistas também têm avó"
Atualmente as Polskie Babcie são apenas uma dezena. Antes do coronavírus, eram cerca de 30, conta Iwonna Kowalska. Em sua opinião, de um modo geral são muito poucos os que se manifestam na Polônia.
O PiS venceu pela segunda vez consecutiva as eleições parlamentares, em todas as faixas etárias. O partido de Jarosław Kaczyński alcançou em 2019 o auge de popularidade entre os maiores de 60 – a geração das Vovós Polonesas – com 55% dos votos.
Esses eleitores mais consequentes do Direito e Justiça parecem ser os mais difíceis de alcançar, também para as Vovós revoltosas. De fato, elas nunca conseguiram convencer um dos cidadãos mais maduros do outro lado da barricada, admite, Iwonna Kowalska. "Eles são empedernidos demais, e nada interessados no que fazemos. Alguns têm problemas de caminhar, mas mesmo assim vêm regularmente aos nossos encontros para nos xingar."
Em contrapartida, o objetivo das avós organizadas "na luta contra o fascismo crescente" não é só protestar, mas também debater. Confrontar olho no olho os nacionalistas em passeata por Varsóvia foi uma ideia que as Polskie Babcie concretizaram. Numa entrevista a um jornal, algumas das ativistas de terceira idade consideraram também convidá-los para um café com bolo: "Afinal, de contas, nacionalistas também têm avó."