Londrinos questionam se os Jogos Olímpicos trarão benefícios de longo prazo
20 de julho de 2012Desde que Londres foi escolhida para ser a cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2012, desencadeou-se um acirrado debate sobre a divisão dos recursos destinados ao evento. Principalmente os habitantes da região leste da cidade se opõem aos planos de saneamento do governo.
"Ficamos sabendo cada vez mais dos altíssimos recursos públicos que serão desperdiçados nessas cinco semanas. Passei minha vida inteira nesta região e quero continuar vivendo aqui. Na minha opinião, deveria ficar assegurado de maneira mais clara que a população local vai se beneficiar desses recursos", declarou à Deutsche Welle Glyn Robbins, zelador e ativista do leste de Londres.
Robbins teme que apenas uma pequena parcela dos mais de 11 bilhões de euros destinados às Olimpíadas seja realmente investida em melhorias de longo prazo nos bairros empobrecidos do leste da cidade. "Só uma parte irrisória das edificações que estão sendo erigidas para os Jogos Olímpicos ficará disponível para a população local, como por exemplo em forma de residências de baixo custo. Aqui há uma discrepância óbvia entre os fatos e aquilo de que a máquina publicitária das Olimpíadas quer nos convencer", completa Robbins.
As autoridades contra-argumentam que as verbas estão sendo muito bem investidas na construção de locais para eventos que poderão ser usados mesmo depois de passados os jogos. Ian Crockford, gerente de projetos do Parque Olímpico, afirmou à DW que praticamente toda uma região de Londres foi saneada. "Arrumamos toda a área e melhoramos a infraestrutura, que era precária. E agora temos um parque novo e maravilhoso no centro da cidade. Além disso, tomamos outras medidas de modernização que não teriam sido financiáveis sem os jogos", defende Crockford.
Um desses locais permanentes é o Parque Olímpico nas imediações de Stratford, na zona leste da cidade. "Ele foi construído, digamos assim, para a eternidade, e deverá se manter aberto a toda uma gama de atividades esportivas e culturais. Sendo assim, o parque representa um enriquecimento para a região e será, com certeza, muito utilizado", assegura Crockford.
Chega de "enrolação"
Mas é exatamente essa forma de apresentar a situação que gera confusão entre os moradores. Julian Cheyne, por exemplo, teve uma péssima experiência pessoal com o assim chamado "saneamento" do leste de Londres. Em 2007, ele e outros moradores foram expulsos da Clay's Lane para dar lugar ao Parque Olímpico. E a compensação recebida do Estado foi muito menor do que esperavam, relata Cheyne à DW.
Mas o que mais o enfurece é a forma como os representantes das Olimpíadas tentam "enrolar" a população. "O que chamam de saneamento para os Jogos Olímpicos é mais ou menos um roubo de terras conduzido pelo Estado em grande estilo. Há décadas que vêm sendo realizados diversos projetos de desenvolvimento nessas áreas de Londres – Stratford, Newham, Docks e outras –, mas os representantes dos Jogos, inclusive o governo britânico, fingem estar trazendo pela primeira vez um sopro de modernização à área. O que ocorre aqui é uma apropriação legal de terra, que prejudica o desenvolvimento natural da região, a qual ocorre há muito tempo", observa Cheyne.
Ele é o porta-voz da Associação Counter Olympics Network (CON), que planeja protestos para antes e durante os Jogos Olímpicos. "Somos contra o que acontece neste país, porque nada disso se dá em nome dos interesses de quem vive em Stratford, Newham e arredores. É muito mais em nome do interesse dos empresários que receberam terrenos aqui para construir novos complexos de edifícios e depois cobrar aluguéis caros. É simplesmente inaceitável que ainda queiram vender isso como sendo o saneamento de uma comunidade que já sobrevivia e funcionava socialmente."
Representantes do governo britânico e organizadores das Olimpíadas, por outro lado, argumentam que a ampla gama de projetos arquitetônicos no e em torno do Parque Olímpico de Stratord já melhorou imensamente a imagem do leste londrino, garantindo maior circulação de dinheiro através do turismo, durante e depois dos Jogos Olímpicos.
"O Parque de Stratford vai se transformar num dos principais pontos de atração da região. E outras obras interessantes vão também atrair turistas para esta área da cidade. Os diversos eventos culturais que vão acontecer aqui, a partir de agora, vão melhorar a imagem de todo o leste de Londres", diz à DW John Armitt, presidente da Olympic Delivery Authority.
Proveito para os tubarões do mercado imobiliário?
Polir a imagem do leste londrino é um dos quatro pilares de um plano do governo que visa assegurar o uso duradouro dos espaços destinados aos Jogos Olímpicos. O quarto ponto deste plano estabelecido pelo Ministério da Cultura, Mídia e Esportes postula: "Deve-se assegurar que o Parque Olímpico se transforme na principal fonte de regeneração do leste londrino depois dos jogos".
Observadores independentes da evolução do quadro no leste da cidade, no entanto, veem o plano com certo ceticismo, principalmente no que diz respeito à criação de 5 mil novas residências e de um parque olímpico depois dos jogos. "O bem-estar vai continuar nas mãos daqueles que já o têm", disse Jules Boykoff, cientista político e jornalista do diário The Guardian, em entrevista à DW. "Ficarei muitíssimo surpreendido se tudo isso, no fim, não se transformar numa chance de ouro para os tubarões do mercado imobiliário, que irão incrementar esta região a tal ponto que quem vive hoje aqui não terá mais condições de permanecer", prevê Boykoff.
Enquetes recentes mostram não apenas moradores desiludidos do leste londrino, como Glyn Robbins ou Julian Cheyne, mas boa parte da população britânica está cética quanto aos benefícios de longo prazo das Olimpíadas para a cidade. Segundo pesquisa de opinião realizada pela agência internacional de análise de mercado YouGov, 64% dos britânicos não acreditam que as Olimpíadas venham a trazer algo de positivo a "pessoas como eles". Para 40%, Londres nem deveria ter se candidatado a sediar os Jogos Olímpicos.
Autor: Gabriel Borrud (sv)
Revisão: Augusto Valente