Livro tenta desvendar o enigma João Gilberto
10 de junho de 2011Quando o repórter Marc Fischer resolveu embarcar para o Brasil, no final de 2010, tinha em mente uma obsessão das mais irrealizáveis: "Na verdade, fui para o Rio por causa de Hobalala. João tinha que tocá-la para mim", declarou o jornalista e romancista alemão ao semanário Die Zeit.
A canção Hô-bá-lá-lá, uma das poucas composições que se conhece da própria lavra de João Gilberto, entrou na vida de Fischer na época em que ele trabalhava na revista Tempo, em meados da década de 90. A quarta faixa de Chega de Saudade, lendário álbum de estreia do mestre zen da música brasileira, lançado em 1959, marcou a iniciação do autor alemão nas paragens metafísicas sugeridas pela Bossa Nova.
O sonho de Fischer acabou não vingando, mas a viagem para os trópicos resultaria num livro muito curioso, que a editora Rogner & Bernhard, de Berlim, acaba de pôr na praça. Com o título de Hobalala – auf der Suche na João Gilberto (Hobalala – à Procura de João Gilberto), a reportagem tenta desvendar esse enigma que atende pelo nome de João Gilberto Prado Pereira de Oliveira.
Cinco semanas
Para escrever o livro, Fischer teve que recorrer a métodos alternativos ao constatar "com os próprios olhos" a impossibilidade de entrevistar João. Nas cinco semanas em que se radicou no Rio de Janeiro (com direito a uma esticada até Diamantina (MG), cidade onde o biografado foi viver uma temporada na década de 50, na casa da irmã), Fischer colheu depoimentos de gente que conviveu em outras eras com o mito baiano, o homem que vive há 15 anos totalmente recluso num apartamento no Leblon, do qual corre o risco de ser despejado.
O jornalista conversou com o pianista João Donato, com Roberto Menescal, ouviu também a jovem namorada de João Gilberto, Cláudia, com quem o artista teve uma filha. O grande talento de Fischer como narrador, dando ares literários aos seus cultuados textos jornalísticos, somado à relevância que João Gilberto tem no cenário da música internacional, parecem garantir o sucesso de vendas desse novo livro da Rogner & Bernhard, editora que tem diversos títulos musicais em seu catálogo, como Basement Blues, de Greil Marcus sobre Bob Dylan, e A Love Supreme, escrito por Ashley Kahn sobre o disco homônimo de John Coltrane.
"O grande, velho Roberto Menescal estava sentado em sua enorme escrivaninha e tocava seu violão quando eu cheguei. Ele trajava uma jaqueta do exército e uma barba branca e se parecia demais com Ernest Hemingway. Assim como ele, Menescal antigamente também ia com seus amigos da Bossa Nova para o mar e pescavam um peixe atrás do outro. (…) João Gilberto nunca se fazia presente nessas viagens. Ele odeia o mar. Não toma banho nele, não nada, não veleja…", escreve o habilidoso Fischer.
A procura de Fischer por João Gilberto se espalha pelas 220 páginas que enaltecem a genialidade do artista que formatou o caráter intimista da Bossa Nova, endossando o quão misterioso é o nobre cidadão de Juazeiro, interior da Bahia.
Morte inesperada
Em abril, poucos dias antes do livro ser lançado, a notícia do falecimento de Fischer, aos 40 anos, estarreceu a todos na imprensa alemã. Como autor de livros aplaudidos como Fragen, die wir unseren Eltern stellen sollten (solange sie noch da sind) (em português "Perguntas que a gente deveria fazer aos nossos pais (enquanto eles ainda estão aí)"), Jäger (Caçador) ou Eine Art Idol (Um tipo de ídolo), Fischer impressionava seus leitores com seu estilo muito peculiar de encarar os fenômenos da cultura pop.
Numa certa ocasião, em que tinha que escrever sobre o norte-americano Lenny Kravitz, Fischer preferiu discorrer sobre deus e o diabo. Em entrevista com a artista islandesa Björk para a Tempo, o jornalista aprontou outra, roubando o papel de protagonista da cantora e subindo num telhado com ela para entrevistá-la. Na foto da matéria aparecem os dois, entrevistador e entrevistada.
A cantora e compositora carioca Joyce foi uma das pessoas entrevistadas por Fischer para o livro Hobalala. No blog da artista brasileira, ela ressaltou as qualidades do jornalista , com quem se encontrou num café em Ipanema, em dezembro último: "Foi uma ótima conversa, como geralmente acontece quando o repórter conhece o assunto do qual está falando. (…) Ele era um estudioso do assunto, conhecia tudo, e queria simplesmente o approach pessoal dos entrevistados para o livro que ele poderia perfeitamente ter feito, sem precisar se dar ao trabalho de falar com a gente".
O jornalista paulistano Zuza Homem de Mello declarou certa vez que "dificilmente alguém se atreveria a escrever sobre João Gilberto sem admirá-lo intensamente, sem se ter extasiado em seus recitais ou com seus discos". Era o caso de Marc Fischer, desde o dia em que escutou Hô-bá-lá-lá.
Autor: Felipe Tadeu