Com um pé no Brasil
5 de abril de 2010Desde 2003, Dorothea Kehr, mais conhecida como Dota, vem encantando músicos brasileiros com a sonoridade da sua voz. Quem ouve a cantora berlinense cantar algumas das suas canções em português, percebe a intensidade da sua relação com a música brasileira.
Dota começou como cantora de rua e ficou conhecida como Kleingeldprinzessin (a princesa do trocado). No início, com poucas músicas próprias, ela cantava suas canções alternadamente para o público da capital alemã.
Depois de gravar dois discos no Brasil, Dota lançou nesta quinta-feira (01/04) o seu sétimo álbum, Bis auf den Grund, e se prepara para nova uma turnê com a sua banda, die Stadtpiraten.
Deutsche Welle: Como foi a gravação do seu álbum Schall und Schatten em São Paulo, em 2009?
Dota: Foi um trabalho em conjunto com músicos que eu já conhecia de projetos anteriores. Em 2003, estive em Fortaleza e gravei um álbum. Alguns dos músicos, que também tocam na banda Cidadão Instigado, estavam mudando de Fortaleza para São Paulo nessa época. Eu pude morar com eles e fizemos muita música juntos, gravações e shows, mas também ficávamos simplesmente em casa tocando e cantando.
Além disso, passei muito tempo com Chico (César) e gravei alguns backings para o seu último CD, Forró e Frevo, que é um excelente disco. E Chico me apresentou canções que ele tinha escrito, mas que ainda não havia gravado, como por exemplo, a linda música Do Além, que eu pude gravar em Schall und Schatten.
Quais músicos brasileiros participaram da gravação do álbum?
O guitarrista Regis Damasceno. Com ele, eu criei os arranjos. Também o baixista Rian Battista e Priscila Brigante na bateria e, em algumas músicas, o Beto Gibbs na bateria. E houve a participação dos convidados Chico César e Fernando Catatau, o cantor de Cidadão Instigado.
E como foi a participação de Chico César em Schall und Schatten?
Eu estava muito ansiosa, porque nós fizemos um dueto juntos. Aconteceu que o Chico havia me perguntado alguns anos atrás se eu poderia fazer uma tradução da sua canção A primeira vista. Então, eu fiz e ele gostou. Daí surgiu a ideia de uma versão única em português e alemão, que gravamos na casa dele.
Como é a sua relação com o Chico?
Nos conhecemos desde 2004 e ficamos bons amigos. Nós nos encontramos sempre que ele está em Berlim. Eu o admiro muito como artista. A sua criatividade, o seu texto, a sua musicalidade e o fato de que ele sempre está experimentando coisas novas. Por exemplo, o CD que ele gravou com um quinteto de cordas e, depois, ainda fez o disco Forró e Frevo. E ele manteve, apesar dos muitos anos de intensa turnê, inacreditável espontaneidade e alegria de tocar.
E você gosta de cantar em português?
Sim, muito! É a melhor língua para se cantar! Em todo o caso, é mais bonito para o vocal do que o alemão. Porque o alemão tem muitas sílabas átonas e, por isso, os vocais soam tão mal. Mas, apesar disso, quando eu escrevo sozinha, eu faço em alemão, porque em nenhuma outra língua eu posso expressar tantas nuances, criar metáforas e aí por diante.
Você concorda que neste álbum há menos influência do samba e da bossa nova, se comparado com outros discos seus, como por exemplo, Blech und Plastik?
Sim. É verdade. Eu gosto muito de samba e bossa nova. Mas Regis, com quem criei os arranjos, não é fã de samba. Eu não tinha nenhum conceito pré-formulado de como o disco deveria ser quando eu fui a São Paulo. Era importante para mim tocar com meus amigos brasileiros as canções que eu tinha escrito e deixar que elas se tornassem o resultado dos ensaios. Quem sabe? Talvez o próximo disco tenha novamente muito de Bossa Nova. Eu mesmo me deixo surpreender com as ideias que surgem.
No disco Mittelinselurlaub também participaram músicos brasileiros. Como foi a gravação em Fortaleza?
Foi muito prazerosa. Eu cheguei a Fortaleza e obviamente não conhecia ninguém. Então eu procurei alguém com quem eu pudesse ter aulas de violão. Eu conheci Danilo e fiquei imediatamente encantada com as suas composições e com o seu jeito especial e criativo de tocar violão. E ele ficou encantado com minha voz, disse ele. De forma que já no primeiro encontro tivemos a ideia de gravar um CD juntos. E então foi tudo muito rápido. Em quatro meses ensaiamos, gravamos e editamos tudo.
O que mudou desde o início da sua carreira como cantora de rua até hoje?
Na verdade, tudo. Na rua, eu só conseguia cantar as músicas muito alto e também tinha escrito apenas duas canções próprias, que eu sempre cantava alternadamente. Depois eu descobri muitas facetas, experimentei muito musicalmente e textualmente e continuei me desenvolvendo. Agora, eu vivo da música e em breve lançarei meu oitavo CD.
O que não mudou é que eu tomo todas as decisões sobre minhas músicas e apresentações. Isso, porque eu não tenho nenhuma gravadora e agência, e faço tudo sozinha e independentemente. Às vezes tenho muito trabalho, mas eu estou feliz em estar totalmente livre.
Como começou a sua relação com o Brasil?
Quando era criança, tive um babysitter brasileiro. Depois, quando ele não trabalhou mais como babysitter, ele se tornou um grande amigo da minha família. E eu fiquei com uma fita cassete da Elis Regina, que era dele. Ele perdeu a vida em um acidente de bicicleta, quando eu tinha 10 anos. Eu ouvi tanto a fita que eu já podia cantar tudo, antes de entender uma só palavra. E porque eu amei tanto a música, que tinha as lembranças dele, eu sempre quis ir ao Brasil e lá aprender e conhecer muito.
O que você gosta de ouvir?
MPB, Chico Buarque, Chico César, Caetano, João Bosco e Radiohead. Também Calixo, Cake e os Beatles.
Dizem que você tem uma grande semelhança com a Astrud Gilberto como cantora. O que você tem a dizer sobre isso?
Eu gosto da Astrud Gilberto. Eu não tenho nada contra a comparação. Mas também poderiam certamente mencionar tantas outras cantoras. Jornalistas de música precisam sempre fazer comparações. Você não poderia ser diferente. Eu me sinto muito honrada com esta comparação.
Você utiliza muitas metáforas, imagens e às vezes cria um mundo de conto de fadas nas suas canções. Mas você também tem um olhar crítico sobre a realidade. Como você costuma compor?
Muitas vezes escrevo um texto durante um mês e vou acumulando ideias. Eu creio que meus textos funcionam um pouco como sonhos. Eles fazem parte de algo sobre o mundo numa mistura livre de impressões, observações, fantasias e sentimentos.
Você já tem algum novo projeto musical para este ano?
Depois do lançamento do Bis auf den Grund, eu farei uma longa turnê com a minha banda pela Alemanha. E, em novembro, eu gostaria novamente de ir ao Brasil – se Deus quiser – e lá tocar junto com Regis. Talvez também gravar algo de novo. Quem sabe?
Entrevista: Deyvis Drusian Gomes
Revisão: Nádia Pontes