Liquidação final, uma tradição ameaçada
29 de julho de 2003Multidões nas ruas comerciais das cidades em plena segunda-feira, lojas apinhadas, clientes esbaforidos, vendedores enervados, gerentes sorridentes e o barulho ininterrupto das caixas registradoras são um sinal infalível: começou mais uma liquidação final de verão na Alemanha. A ação é mais conhecida pelas suas iniciais — SSV (Sommerschlussverkauf) —, que as diferenciam da campanha realizada no inverno — a WSV (Winterschlussverkauf)—, tem tradição e é regulamentada por lei.
Este ano, porém, ela tem um quê especial: pode ser a última do gênero, ameaçada de extinção em sua forma atual por uma emenda à legislação vigente, planejada pelo governo federal. Durante duas semanas, de 28 de julho a 9 de agosto, o comércio atrai os clientes com reduções de 40 a 50%, às vezes de até 70%, nas mercadorias da estação — roupas, sapatos e artigos esportivos. As lojas abrem já às oito horas, e muitas estão oferecendo descontos extra para quem vai às compras logo cedo. O início desta SSV está sendo considerado pelos representantes do comércio varejista especialmente promissor.
Desde a época imperial
A realização de duas grandes liquidações finais na Alemanha tem uma longa tradição, que remonta à época imperial. A primeira lei contra a concorrência desleal foi promulgada já em 1896 e submetida desde então a inúmeras emendas. A legislação regula minuciosamente as condições de realização das campanhas, as mercadorias que podem ser incluídas nas promoções, duração e época do ano para sua realização.
O objetivo principal é proporcionar aos comerciantes a oportunidade de esvaziar seus depósitos para poder substituir o estoque pelos artigos da nova estação. Muitas famílias cultivam há gerações o costume de ir às compras durante as liquidações finais — sempre em janeiro e julho, respectivamente —, aproveitando para comprar artigos de boa qualidade a um preço muito mais vantajoso.
Mudanças e resistência à vista
De uns tempos para cá, porém, a SSV e a WSV desvirtuaram-se em parte, com o comércio colocando à venda mercadorias de baixa qualidade, adquiridas de propósito para serem vendidas em seguida a "preço de banana", servindo de chamariz. A prática acabou se revelando uma faca de dois gumes e contribuiu para que as duas liquidações finais perdessem o prestígio.
Agora o governo federal quer introduzir a 1º de janeiro de 2004 uma nova emenda abolindo as atuais regras das liquidações finais. Os lojistas poderão decidir então quando e que tipo de promoção pretendem realizar, desvinculados de uma campanha geral do comércio.
Enquanto políticos social-democratas e verdes, que formam a coalizão de governo, defendem as mudanças argumentando com maior liberdade empresarial, o lobby do comércio varejista e os sindicatos já anunciaram resistência às novas medidas
Os comerciantes precisam das liquidações finais para esvaziar seus depósitos, afirma Hubertus Pelenghar, porta-voz da Associação do Comércio Varejista (HDE). Para Franziska Wiethold, do sindicato Verdi, realizar promoções ao longo do ano, sem datas pré-estabelecidas, só vai confundir o consumidor e beneficiar as grandes lojas. Os pequenos comerciantes, diz ela, vão ser os prejudicados na guerra dos preços, diz ela.
Ao que tudo indica, as mudanças que o governo pretende introduzir ainda vão encontrar resistência pela frente.