Lidar com vazamento será um teste para democracia brasileira
13 de junho de 2019Caros brasileiros,
Esta hashtag me fez estremecer: #deportargreenwald. A palavra "deportar" é pesada e, para ouvidos alemães, a conotação é ainda mais pesada. Pois a deportação dos judeus na Alemanha nazista foi o início do Holocausto. A partir de 1942, judeus foram deportados para campos de concentração e guetos para serem sistematicamente assassinados.
Segundo a prestigiada enciclopédia em alemão Brockhaus, a palavra "deportar" significa raptar ou banir pessoas individuais ou grupos a mando de um poder oficial do Estado. No Império Romano, a deportação significava a perda da cidadania e o banimento.
No século 19, países colonizadores como França e Reino Unido deportavam criminosos para seus territórios bem afastados como Guiana Francesa e Austrália. A Rússia mandava presos para campos de trabalho forçados na Sibéria.
Depois da Segunda Guerra Mundial, a deportação foi proibida por várias convenções das Nações Unidas, inclusive na Convenção de Genebra para a proteção de civis em tempos de guerra. Claro que o jornalista americano Glenn Greenwald não é um refugiado de guerra, e nem corre perigo de vida se voltasse para o seu país, os Estados Unidos. Mas ele não cometeu nenhum crime que justificasse uma extradição.
Glenn Greenwald, mais uma vez, simplesmente investigou uma pauta de extrema relevância política. E investigou muito bem. Conseguiu apurar o vazamento de mensagens trocadas entre o então juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e integrantes da Operação Lava Jato.
Greenwald está de parabéns e, junto com ele, a mídia brasileira que contribui para essas investigações. A forma de lidar com os resultados das investigações será crucial para a democracia brasileira. Pois, por mais que se tente minimizar o conteúdo delas, parece que chegou a hora em que xingamentos, calúnias, mentiras e fake news esbarram na realidade complexa do Brasil.
"Fora Dilma", "Fora Lula", "Fora Temer", "Fora Gilmar Mendes" – parece que a turma do "fora" quer se livrar de todo mundo. O presidente Bolsonaro e os seus apoiadores querem um "Brasil acima de tudo, com Deus acima de todos". Mas será que Deus vai abençoar esse Brasil? Um Brasil onde adversários políticos só podem viver seguros com a boca fechada?
Infelizmente, é o próprio Bolsonaro que nutre esse clima antidemocrático. Ainda durante a campanha eleitoral, numa entrevista à TV Bandeirantes em 28 de setembro de 2018, Bolsonaro deu o tom: "Eu não aceito resultado das eleições diferente da minha eleição."
Nessa linha de pensamento, a deportação de jornalistas estrangeiros críticos até parece ser "coerente". Mas o lema "democracia para mim, deportação para os meus inimigos" é o início do fim da democracia brasileira. Pois deportar uma pessoa que não agrada não significa deportar o problema também. A Alemanha é um exemplo de que essa linha de pensamento termina num fracasso total.
Infelizmente, mesmo com essa carga pesada do Holocausto e também do colapso da antiga Alemanha Oriental com a queda do Muro, 30 anos atrás, esse reconhecimento não fica para sempre na memória coletiva. Os aplausos na Alemanha para partidos e pessoas que defendem a deportação de refugiados ilegais ou criminosos, mesmo que isso signifique a morte da pessoa no seu país de origem, são uma prova disso.
É a grande desilusão e o grande desafio da democracia. Confio que, no Brasil, esse desafio vai ser vencido. Pois apesar da existência de hashtags como #deportargreenwald, a força e a vontade demonstradas por milhões de brasileiros nos últimos meses para defender arduamente as liberdades e o progresso alcançados depois da ditadura militar são deslumbrantes.
"Alemanha acima de tudo"? Nunca mais! Com essa frase começava o primeiro verso do hino alemão, escrito pelo poeta Hoffmann von Fallersleben em 1841 e instrumentalizado pelos nazistas. Depois da Segunda Guerra Mundial, em 1952, o então chanceler federal, Konrad Adenauer, decretou que na hora de tocar o hino nacional somente a terceira estrofe fosse cantada.
E "Brasil acima de tudo"? Pelo amor de Deus! Por mais que eu ame e adore esse país, torço para que esse bordão não se concretize. Peço que a democracia se mantenha acima de tudo, e que o Brasil seja um país para todos!
Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.
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