Piorar, sempre pode
3 de abril de 2019Caros Brasileiros,
Será que o presidente Jair Bolsonaro ainda não percebeu que a campanha eleitoral já acabou? Que ele deveria estar governando para os mais de 200 milhões de brasileiros, e não continuar satisfazendo a seus eleitores ou ideólogos como Olavo de Carvalho? Na visita a Israel, mais uma vez, ele deu provas de que parece não estar ciente disso.
É trágico, é triste, é devastador. Mesmo depois da visita ao memorial Yad Vashem, em Jerusalém, um museu público em memória às vítimas do Holocausto, Bolsonaro parece não ter conseguido refletir sobre as consequências catastróficas do nazismo. Pelo contrário: usou o genocídio contra judeus como mais uma oportunidade de combater "os esquerdistas" e o "socialismo".
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Confesso que eu, como alemã, estou atônita. Sinto vergonha alheia ao ouvir da boca de um presidente de um grande país como o Brasil que ele não teria dúvidas "de que o nazismo foi um movimento de esquerda". A falsificação da história depois da visita a um museu em memória às vítimas do Holocausto cruzou todos os limites.
O combate permanente ao "socialismo, comunismo e aos esquerdistas" parece ser uma obsessão política do presidente Bolsonaro e do chanceler Ernesto Araújo, que o acompanhou na visita oficial a Israel. Como na campanha eleitoral, Bolsonaro continua espalhando fake news.
Agora, o presidente Bolsonaro escolheu a Terra Santa para disseminar fake news. O incidente revela muito sobre a personagem e o estilo político dele. A tentativa de ressignificar o nazismo como um movimento de esquerda mostra que ele se inspira nos métodos de agitação de regimes totalitários: vender mentiras como verdade e criar um bode expiatório para todos os problemas de um país. O que eram os judeus para os nazistas alemães, são os "esquerdistas", socialistas e comunistas para o presidente brasileiro.
No mundo ideologicamente envenenado de Bolsonaro, a história parece ser uma massa de manobra, como também mostra a forma de tratar o golpe militar de 1964. A deposição do presidente democraticamente eleito João Goulart no dia 31 de março de 1964, para Bolsonaro, não foi um golpe militar. Na leitura dele, as Forças Armadas salvaram o Brasil de uma possível ditadura comunista.
A ordem de celebração do golpe militar pelo presidente Bolsonaro evidenciou a alienação com a realidade e a ausência completa de empatia e tato político. O mal-estar aumentou mais ainda com o fato de que o presidente se ausentou na "comemoração" do 55º aniversário da ditadura.
Essa toada de destruição e perturbação permanente parece ser uma marca registrada do presidente brasileiro. A consequência é que, interna e externamente, os problemas do Brasil vão se agravando. No governo, aumentem os atritos entre militares e seguidores do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho. A área de educação está parada, igualmente às negociações sobre a reforma da Previdência no Congresso.
Na política externa, o cenário se repete. O saldo da viagem oficial para Israel é devastador. Além de reanimar a polêmica sobre o nazismo com uma mentira histórica, o presidente Bolsonaro está contribuindo para crescentes tensões diplomáticas com os países árabes. O cortejo ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, desagradou não somente aos países árabes, mas também à indústria agropecuária brasileira.
Pois o Brasil é um dos maiores exportadores de carne halal do mundo. O comércio com o Oriente Médio é de grande relevância, ao contrário dos negócios bilaterais com Israel. O Brasil registrou um superávit de 7,1 bilhões de dólares em transações com os 22 países do bloco árabe, enquanto computou, por exemplo, um déficit de 419 milhões de dólares em negociações com Israel.
O presidente Bolsonaro está revertendo a política tradicional de neutralidade do Brasil. Um país que até agora era símbolo de convivência pacífica na comunidade internacional, e que não tinha inimigos, de repente resolveu partir para a ofensa e polarização.
Como no Brasil, em Israel também, o presidente Bolsonaro foi procurar aplausos nos cantos políticos mais avessos ao diálogo. Faltam poucos dias para se completarem os 100 primeiros dias do governo Bolsonaro. Uma lição já está bem clara: piorar, sempre pode.
Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.
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