Liberalização de agronegócios reduziria fome no mundo
20 de outubro de 2004"Os países desenvolvidos precisam abrir seus mercados para produtos agrícolas das nações em desenvolvimento. Esta é a melhor maneira de distribuir a renda de forma justa no mundo". É o que disse o ministro brasileiro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Roberto Rodrigues, em entrevista exclusiva à DW-WORLD, nesta quarta-feira (20/10), em Berlim.
O Brasil é um dos 70 países que participam da Conferência Internacional de Políticas contra a Fome, que acontece na capital alemã, de 20 a 22 de outubro. Os 250 participantes do encontro discutem mecanismos que possam ser aplicados pela Organização Mundial do Comércio para reduzir a fome e a pobreza no mundo.
Segundo Rodrigues, a comunidade internacional está diante de um dilema. A globalização proporcionou um crescimento de 80% do comércio mundial, mas, ao mesmo tempo, aumentou de forma drástica a concentração da riqueza e a exclusão social. "No âmbito da OMC, temos que buscar mecanismos para reduzir essa má distribuição de renda", disse o ministro.
A OMC aprovou no final de julho passado, em Genebra, um rascunho (framework) que contém as diretrizes básicas para a liberalização comercial mundial. Segundo o documento, os países desenvolvidos podem escolher um limitado número de produtos agrícolas que desejam proteger.
Segundo Rodrigues, esse framework contém princípios bem claros de derrubada de barreiras, mas a efetiva definição de tarifas e cortes entre países e blocos econômicos só ocorrerá ao longo do ano que vem. "O Brasil, junto com o G-20 (grupo de países em desenvolvimento), quer que a OMC agilize a implementação desses princípios", disse. Na conferência de Berlim estão sendo discutidas recomendações para a rodada decisiva das negociações multilateriais, prevista para Doha (no Qatar), em 2005.
Agricultura é precursora na OMC
Segundo a ministra da Proteção ao Consumidor, Alimentação e Agricultura da Alemanha, Renate Künast, o documento aprovado em Genebra foi um grande avanço rumo a um novo acordo mundial do comércio, "que, pela primeira vez, focaliza os interesses dos países em desenvolvimento. O setor agrário não é mais a pedra de tropeço e, sim, o principal precursor da próxima rodada", disse.
Künast pretende aproveitar as negociações da OMC para avançar na reforma da política agrária alemã e exigir que isso ocorra também a nível de União Européia. "É nesse espírito que queremos regulamentar o mercado do açúcar. A Alemanha continuará sendo uma locomotiva nesse processo", anunciou.
Segundo Künast, é um "paradoxo inaceitável" que, mundialmente, 850 milhões de pessoas passem fome no campo, "justamente lá onde são produzidos os alimentos".
Rodrigues considerou "uma falácia" a afirmação de críticos da globalização de que a abertura do mercado agrícola internacional favorece sobretudo as grandes empresas de agronegócios. "Todos defendem o pequeno agricultor, para que ele possa crescer. Será que, quando ele cresceu, não presta mais?", questionou.
Na opinião do ministro, o Brasil é a prova de que os pequenos agricultores, quando se unem em cooperativas, podem formar um potência comparável aos grandes produtores e concorrer no mercado internacional.
Fome Zero
Além da próxima rodada de Doha da OMC, o Brasil espera novos impulsos para a sua agricultura de dois outros acordos em fase de negociação: a inclusão dos biocombustíveis no acordo União Européia-Mercosul e uma cooperação com a Alemanha e o FAO (Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação) para o fomento à agricultura orgânica. A UE estaria disposta a incluir nas negociações com o Mercosul a oferta de comprar um bilhão de litros de etanol do Brasil, disse Rodrigues. Hoje o Brasil exporta dois dos quinze bilhões de litros de álcool que produz.
Para o governo brasileiro, a liberalização dos agronegócios não exclui outras medidas de combate à pobreza, como o Programa Fome Zero. "É um programa consistente e prioritário para o governo", disse Rodrigues. Segundo o ministro, depois de um início difícil, o Fome Zero já atende cinco milhões de famílias através da Bolsa Família, que garante três refeições diárias para pessoas pobres. "Com ele, também fomentamos a agricultura familiar, da qual a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) compra os alimentos para a população carente", explicou.